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Mudança climática e desmatamento ameaçam as zonas úmidas mais bem preservadas do Equador

10/05/2024 10h44

Quando os peixes ficaram escassos na Amazônia equatoriana, os indígenas sionas atribuíram isso a "xamãs invejosos" que bloquearam sua passagem pelos rios de Cuyabeno, uma área úmida biodiversa, mas ameaçada pela mudança climática, poluição e mineração.

A floresta inundada de árvores gigantes é a segunda maior área protegida do país, depois do Parque Yasuní. No entanto, essa cápsula verde está em risco devido às atividades destrutivas do homem.

O xamã Rogelio Criollo, de 74 anos, com marcas de tinta vermelha no rosto, explica isso a partir de sua tradição. À beira de um rio, ele conta as visões reveladas aos indígenas sionas durante uma cerimônia com ayahuasca, ou yagé, a planta sagrada e alucinógena dos povos originários.

"Um sábio que conhecia o espírito desta selva e o espírito do rio", que era de outro povo, tomou "yagé na lagoa e fechou as portas dos peixes, das tartarugas", diz à AFP.

Outras teorias também são consideradas por Criollo: "Muitos dizem que é devido à poluição", acrescenta.

Com quase 600.000 hectares, o sistema lacustre de Cuyabeno e as reservas próximas de Lagartococha e Yasuní foram declaradas, em 2017, como áreas úmidas de importância internacional para a luta contra as mudanças climáticas, de acordo com a Convenção de Ramsar, um tratado ambiental da Unesco.

Juntas, criam um corredor hídrico próximo à Colômbia e ao Peru, onde vivem mais de 600 espécies de aves, 200 de anfíbios e répteis e 160 de mamíferos.

"Não há mais tantos peixes e, em parte, também pode ser devido ao efeito de outras atividades humanas que vêm de cima, como mineração ou poluição", explica o diretor Jorge Celi, da Cátedra Unesco para Gestão de Águas Tropicais da Universidade estatal amazônica Ikiam.

- "Extremamente grave" -

São diversas as ameaças que se estendem sobre este paraíso localizado no norte da Amazônia equatoriana.

"A informação por satélite nos mostra que (nos arredores) há um processo de desmatamento extremamente grave", diz o diretor da reserva, Luis Borbor, após um congresso sobre pesca, em Quito.

A fronteira agrícola que cerca Cuyabeno passou de 819 hectares em 1985 para 5.002 em 2022.

O pior impacto do desmatamento é a perda de habitat de milhões de espécies, que dentro da reserva encontram um oásis com 97% de cobertura florestal, segundo o projeto Mapbiomas.

A exploração mineradora também causa estragos e contamina a água, a dezenas de quilômetros de distância.

Um estudo divulgado em fevereiro pelo Instituto Nacional de Biodiversidade revelou "padrões de acumulação de metais pesados em peixes" de vários rios amazônicos, incluindo o Aguarico e Cuyabeno, que atravessam a reserva e são fonte de alimento para povos indígenas.

- Incomum -

No ano passado, a Laguna Grande secou duas vezes. Este fenômeno "incomum" no lugar mais turístico de Cuyabeno afeta a economia local.

Uma temporada de seca é esperada, mas os responsáveis por cuidar da reserva começaram a notar mudanças.

Borbor, que participa da equipe desde a década de 1990, lembra que este período costumava ser acompanhado por 15 dias seguidos sem chuva, nos quais a Laguna Grande costumava drenar.

Agora, com muito menos, "cinco dias sem chuva e os níveis de água diminuem", diz o biólogo. "São alertas para nós, para dizer que sim, há mudanças climáticas nesta região", pontuou.

As variações climáticas bruscas e imprevisíveis transformam a qualidade da água, o que "pode afetar processos ecológicos e eventualmente os serviços ecossistêmicos que a natureza nos proporciona", destacou Celi.

A seca deste ano no sul e na Amazônia do país esgotou os reservatórios de hidrelétricas, causando cortes de energia de até 13 horas por dia que se estenderam por quase três semanas.

- Saberes valiosos -

O sábio Delio Payaguaje, de 72 anos, descreveu a cerimônia na qual foram ao mundo espiritual para resolver a falta de peixes.

Ao redor de um caldeirão de ayahuasca, os xamãs embarcaram em uma jornada para trazer vida às 14 lagoas que fazem parte da área protegida.

Vestido com colares de presas e um cocar de penas, ele relembra a vitória sobre aqueles dias de escassez que, de tempos em tempos, ocorrem desde então.

Para proteger Cuyabeno, uma das reservas mais bem preservadas do Equador, os conhecimentos indígenas têm sido fundamentais, segundo Borbor.

Os sionas, siekopai, cofán e kichwa são os guardiões de uma floresta cheia de pássaros como o martim-pescador, araras e garças, além de macacos e botos cor-de-rosa.

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© Agence France-Presse

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