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RS: 'Tive que escolher qual filho salvaria primeiro', diz morador de Canoas

do UOL

Do UOL, em Brasília

05/05/2024 15h52Atualizada em 05/05/2024 16h46

Ilhado no teto de casa com a mulher e dois filhos havia 6 horas, Herbert Poersch viu o desespero virar um misto de alívio e pavor. Um jet-ski surgiu e ele teria de fazer a escolha mais dolorosa de todas: Qual filho salvar primeiro. "Foi o pior momento da minha vida".

O que aconteceu

Proximidade com a morte. Herbert passou a madrugada de sexta para sábado escutando o choro de crianças ilhadas no telhado de outras casas. Gritos implorando "eu não quero morrer" açoitavam seus ouvidos.

Desespero. A possibilidade de a família ser carregada pela enchente era real. Se Herbert sentasse na primeira linha de telhas, seus pés tocariam a água.

Impotência. Para completar, ele estava incomunicável. O celular dele e da mulher ficaram sem bateria. Também não adiantaria porque a internet havia parado de funcionar. Não havia mais nada que Herbert pudesse fazer.

Pedidos de socorro. Enquanto tinha sinal, o casal enviou mensagens a conhecidos e fez postagens nas redes sociais pedindo resgate. Restava a esperança que alguém iria ler estas mensagens.

Surge um salvador. Por volta das 11 horas da manhã de sábado, Herbert viu um jet-ski. Ao perceber que o condutor ouviu o assobio, comemorou, mas consciente do que estava por vir.

Nervos em frangalhos. Pela natureza da embarcação, somente uma pessoa poderia ser resgatada. "Tive de escolher que filho salvaria primeiro. Foi o pior momento da minha vida", relembra em meio ao choro.

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Herbert disse ter feito a foto imaginando se seria a última imagem que veria do filho
Imagem: Arquivo pessoal

Só restava torcer

Mais velho foi primeiro. O casal escolheu o filho de 12 anos por ele ter mais independência. O sobrevivente seria deixado numa parte seca de Canoas e precisaria caminhar até um local em que a tia aguardava. Ela também estava as cegas, sem saber a hora que algum familiar apareceria. Se é que alguém chegaria.

Sem garantia de vida. Herbert relata que o coração apertou quando o menino sentou no jet-ski. A cabeça fervia imaginando se o veículo chegaria em segurança à terra firme e em como o filho iria se virar sozinho no meio do caos. Herbert fez uma foto temendo ser a última imagem que teria do garoto.

Sem informações. Quando o jet-ski desapareceu, um pai e uma mãe ficaram se remoendo. Era a antecipação em muitos anos do filho saindo de casa para enfrentar o mundo sozinho. Mesmo que fosse por algumas horas, isto ocorria em meio um armagedon de água.

Coração partido. Herbert ficou dividido. Metade dele se angustiava pelo filho ilhado com ele no telhado de casa. A outra metade doía por causa do filho longe e da falta de notícias dele.

km - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Ilhado no telhado de casa, Herbert via água até onde a vista alcançava
Imagem: Arquivo pessoal

O resgate da família

Família teve que aguardar mais 3 horas. Herbert via a movimentação de barcos e jet-skis a partir do meio-dia, mas nenhum deles se aproximava de sua casa. Ele entendia. Mora num imóvel de dois andares e estavam socorrendo primeiro quem vive em locais mais vulneráveis. Por volta das 14 horas de sábado, um barco encostou. O casal e o filho de 8 anos subiram e rumaram para terra firme.

Outra escolha. Não havia coletes e Herbert era a única pessoa da família que sabia nadar. Por este motivo, fazia cálculos mentais sobre o que faria em caso de precisar fazer outra escolha cruel.

Filho é prioridade. Ele estava resoluto. Em caso de o barco virar, salvaria o filho. O medo que enfrentara havia tantas horas fazia Herbert continuar alerta e preocupado. "A viagem durou uns dez minutos, mas parecia que não chegava nunca. Foi a maior espera da minha vida".

Como tudo começou

Alerta ignorado. Ao longo da semana, as autoridades pediram para os moradores do bairro Rio Branco, em Canoas, deixarem suas residências. Herbert não atendeu porque as enchentes nunca chegaram à casa da família.

Alcançados pela enchente. Eram 11 horas da noite da sexta "quando a água bateu na minha porta", lembra. Os móveis foram colocados sobre o sofá e o casal se resignou por perder este móvel e precisar fazer uma limpeza pesada.

Água até o teto. Mas eles estavam errados. O bairro virou um rio e a casa estava no leito dele. Quando era 5 horas da madrugada somente o teto estava para fora d'água. Não havia mais como carregar o celular. "Eu queria salvar minhas coisas e, quando vi, estava lutando para salvar minha vida".

Desespero na vizinhança. Pessoas choravam e gritavam nas casas ao redor. No momento que o sol nasceu, a luz do dia deu dimensão do estrago: água até onde a vista alcança.

Medo do abandono. Herbert ficou mais preocupado porque não se via barcos circulando no começo da manhã. Ele não sabia, mas a cidade estava submersa. Os pedidos de socorro vinham de toda a parte e não havia braços para dar conta da demanda.

Futuro voluntário. Salvo, Herbert vai atuar no resgate de moradores de Canoas e ajudar nos abrigos. Quem tem a cicatrizes da enchente sabe a diferença que uma mão amiga faz.

Planos de show. Conhecido como DJ Cabeção, Herbert toca nos grandes festivais nacionais e foi procurado por vários músicos para organizar um show no futuro. Ele acha que seria uma boa maneira de marcar uma virada e melhorar o astral dos moradores de Canoas.

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