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OPINIÃO

Mesmo com meta fiscal mais frouxa, é prematuro decretar morte do arcabouço

do UOL

Colunista do UOL

17/04/2024 12h37

O envio ao Congresso pelo governo Lula das diretrizes para as contas públicas em 2025 (anos seguintes), nesta segunda-feira (15), provocou comoção em parte da comunidade de economistas, com ênfase no grupo de viés mais ortodoxo, que parece viver uma obsessão com os desajustes fiscais.

Na proposta encaminhada ao Legislativo, o governo alterou a meta de resultado fiscal primário em 2025, prevista nas leis orçamentárias de 2024. Reduziu o ritmo do ajuste, de superávit de 0,5% do PIB para, assim como ainda vale para 2024, déficit zero. Também revisou para menos a meta fiscal de 2026 — de superávit de 1% do PIB para superávit de 0,25% do PIB.

Riscos para a regra fiscal

Bastou tomarem conhecimento de que o governo revisou para um ritmo mais lento o ajuste proposto nas metas fiscais aprovadas no ano passado para que muitos, numa reação em cadeia, decretassem a morte do conjunto de regras de contenção das contas públicas, o chamado NAF (Novo Arcabouço Fiscal).

Não deixa de ser uma reação estranha. Não havia quem acreditasse que a meta de déficit zero em 2024 seria cumprida. Assim, ficaria ainda mais difícil esperar superávit maiores em 2025 e nos anos seguintes. Mas, as críticas soaram como se o afrouxamento das metas fosse algo não esperado.

Essa reação lembrou um conhecido episódio, ocorrido em 1897, em que o célebre escritor americano Mark Twain respondeu à informação prematura de sua morte: "A informação da minha morte é um exagero", escreveu ao jornal que publicara a notícia falsa.

Assim como no caso do escritor, é prematuro — e exagerado — decretar a morte do novo arcabouço fiscal apenas em razão do relaxamento das metas de superávit primário. Metas fiscais e arcabouço são coisas diferentes, embora articuladas, sendo este último o conjunto de regras a serem observadas para garantir, no tempo, o ajuste fiscal. Ainda que o ajuste tenha ficado mais lento, nas previsões oficiais, as regras do arcabouço, pelo menos até aqui, continuam valendo.

Isso não significa que o arcabouço não corra riscos. Mark Twain morreu de fato em 1910, 13 anos depois da notícia prematura de sua morte. O arcabouço pode morrer em prazo muito mais curto, se não forem feitas correções de rota na política fiscal do governo.

O diagnóstico de um dos especialistas de referência no Brasil em questões fiscais, o economista Manoel Pires, coordenador do CPFO (Centro de Política Fiscal e Orçamento Público), do Ibre-FGV, onde também coordena o Observatório de Política Fiscal, é de que os riscos para o arcabouço decorrem, entre outras causas, do excessivo número de programas que o governo está despachando. O problema é agravado pelo ativismo do Congresso, que aprova projetos e emendas, exigindo mais gastos, ou tem mantido, e mesmo ampliado, benefícios tributários que o governo procura conter.

"O governo está soltando muitos programas ao mesmo tempo, numa situação de descentralização de instâncias decisórias de gastos como nunca se viu no país. Cada ministro decide gastos, a coisa não está cabendo no Orçamento e na regra fiscal". Manoel Pires, coordenador do CPFO

Na visão de Pires, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, não está tão atento ao problema quando deveria ou não está encontrando condições de organizar os programas que estão sendo lançados. É visível, realmente, que também Lula, talvez preocupado em reverter em curto prazo as atuais baixas curvas de aprovação, tem sido ativo no lançamento de programas.

Do "Pé de Meia", de poupança para estudantes do ensino médio, ao "Voa Brasil", de passagens aéreas baratas para aposentados e estudantes, passando agora pelo "Terra da Gente", novo programa de reforma agrária, lançado nesta semana, não há um único dia em que o governo não anuncie um novo programa. Essa proliferação de programas — e de despesas públicas — é o caminho para dificultar o cumprimento do arcabouço fiscal.

Análises embaçadas

A obsessão de alguns analistas, principalmente no mercado financeiro, com o ajuste fiscal, em conjunto com uma antipatia declarada ao estilo Lula de governar, tem embaçado as avaliações sobre a política fiscal do governo. "É tal essa obsessão que até a epidemia de dengue, para alguns, é consequência de gastos excessivos", brinca o economista Luis Eduardo Assis, que já foi diretor do Banco Central, e, na coluna que mantém no Estadão, costuma denunciar com elegante ironia os excessos nas análises de colegas.

Para Manoel Pires, contudo, a mudança na meta não pode ser entendida com mensagem de leniência fiscal. Não se deve, segundo ele, confundir um afrouxamento no processo de ajuste fiscal com abandono da perseguição do equilíbrio.

"Vai haver redução importante do déficit em 2024, mesmo que o resultado não seja o déficit zero. Cumprir meta de déficit zero em 2025 também exigirá esforço adicional que não será pequeno". Manoel Pires

Dilemas na escolha de políticas

O clamor de um grupo de economistas pelo corte de gastos, com o objetivo de alcançar em prazo mais curto equilíbrio das contas públicas, esconde o "trade off" inerente a qualquer política econômica. A expressão em inglês expressa os dilemas de uma escolha em detrimento de outra.

Promoção sem limites de cortes de despesas públicas, como chegou a ser desenhado na regra do teto de gastos, não leva em consideração os efeitos negativos dessa política sobre o campo social, e mesmo em relação aos impulsos à atividade econômica, e, em consequência, ao emprego.

É certo que, em determinado prazo, déficits públicos persistentes levam ao aumento do endividamento público e este a uma alta na taxas de juros, para conter inflação decorrente, que, no fim da linha, imporão travas aos crescimento. Mas também é certo que ajustes fiscais radicais terminam prejudicando a atividade econômica, sobretudo em sociedades com altos níveis de pobreza e desigualdade de renda, como é brasileira — fora os problemas sociais que acarretam.

O roteiro neoliberal ortodoxo para o ajuste fiscal e o eventual crescimento da economia — corte de gastos, consolidação da dívida pública, baixa dos juros e crescimento — nem sempre tem dado certo. De outro lado, aumento de gastos públicos, ainda que com crescimento da dívida pública, nem sempre resultam em inflação e baixo crescimento — ao contrário.

Gasto cresce, economia também

Um exemplo recente desse último caso foi o ano de 2023. Com a PEC da transição, no primeiro ano do terceiro mandato do governo Lula, o déficit primário subiu a mais de 2% do PIB, e mesmo excluindo os precatórios pagos, ficou acima de 1% do PIB. Nem por isso a inflação deixou de cair e a economia cresceu acima das previsões.

Também está se desenhando assim o roteiro econômico de 2024, mesmo com alta na velocidade das despesas públicas. A cada dia, as previsões de inflação recuam, mesmo com expectativa de menor ritmo de cortes na taxa básica de juros (taxa Selic), ao mesmo tempo em que avançam as estimativas de expansão econômica, apesar da evolução da dívida pública bruta.

Em seu relatório mais recente, divulgado nesta quarta-feira (17), o FMI (Fundo Monetário Internacional), melhora a projeção de crescimento econômica, em 2024, de 1,9%, em janeiro, para 2,2%. Na avaliação do Fundo, a dívida continuará crescendo, mas em ritmo menor do que o previsto anteriormente.

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