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Divergências quanto a acordo Mercosul/União Europeia não impedem reaproximação entre Brasil e França

28/03/2024 09h20

Diplomacia dos dois países tenta relativizar mal-estar após declarações do presidente francês sobre acordo entre Mercosul e União Europeia. Analistas ouvidos pela RFI dizem que o Brasil se encaixa nas pretensões da França, e vice-versa, porque ambos buscam autonomia num mundo polarizado por China e Estados Unidos

Raquel Miura, correspondente da RFI em Brasília

Novidade seria se Emmanuel Macron defendesse o acordo Mercosul/União Europeia que muitos analistas e políticos nos dois países já davam como finado, justamente pela resistência da França. Mas a forma como o líder francês se posicionou, ainda mais depois de todo aquele clima de "paz e amor" entre Macron e o presidente Lula nas paisagens amazônicas, acabou provocando um certo mal-estar diplomático na véspera do último dia da comitiva francesa em solo brasileiro.

Nessa quarta-feira, para uma plateia de empresários e representantes do governo ávidos por algum sinal de sobrevida do acordo entre os dois blocos, Macron despejou gelo nas expectativas e disse que o tratado é ruim e desatualizado e não beneficiaria ninguém. O lado brasileiro se ressente porque vê argumentos protecionistas se travestirem de proteção ambiental nas falas do francês.

"Os europeus têm muito interesse em negociar com o Mercosul, mas eles não pretendem ceder em nada, eles querem um acordo de mão única, em que eles ganhem e os outros perdem. Assim fica difícil. Portanto, eu creio que os dois presidentes, Macron e Lula, nem sequer devem conversar oficialmente sobre isso", afirmou o analista internacional e professor da UERJ, William Gonçalves.

Claro que os dois lados vão relativizar o clima e o foco dessa quinta-feira serão as parcerias e convergências, numa mostra clara de que, cada vez mais, a ponte entre os dois países são as relações bilaterais.

"Ou seja, as possibilidades de acordo, de entendimento, elas se dão mais no plano das relações bilaterais, no plano das relações comerciais, dos investimentos, nesse acordo que envolve a construção dos submarinos, a transferência de tecnologia. Aí há acordo, aí pode se falar em amizade, mas, em relação ao Mercosul/União Europeia e à política internacional, há muito mais desacordo do que acordo", ressaltou Gonçalves.

Geopolítica

Ainda que entre os dois líderes haja divergências contundentes em pontos sensíveis, como a guerra na Ucrânia e o acordo Mercosul/União Europeia, há denominadores comuns relevantes entre Lula e Macron, além da defesa do meio ambiente.

Um deles é a busca por autonomia, num mundo polarizado pelas potências China e Estados Unidos, o que faz com que o Brasil seja interessante para a França, assim como o país europeu pode fazer diferença nas pretensões brasileiras.

"A França busca construir autonomia estratégica em relação aos Estados Unidos. Lula também, no fundo, tende a buscar um espaço de autonomia. Nesse sentido, o Brasil talvez seja um parceiro do sul global mais confiável, haja vista que a Índia está virando cada vez mais uma democracia relativa, para não dizer uma autocracia étnica centrada na população hindu, e a África do Sul está muito mais alinhada aos interesses de China e Rússia, ainda que tenha ali uma postura bastante crítica em relação, por exemplo, ao que vem se passando em Israel contra Gaza", avaliou à RFI o especialista Vinícius Rodrigues Vieira, professor da FAAP e FGV.

"Então nós temos no Brasil o melhor parceiro possível para Macron no sul global, e no norte global Lula também tem, mais do que em Olaf Scholz (chefe de governo da Alemanha), uma parceria forte com Macron, até mesmo em função das afinidades culturais entre Brasil e França, vínculos históricos, no campo das artes, das ciências, das comunicações", concluiu Vieira.

Faixa de Gaza

Além de acordos e compromissos de cooperação em várias áreas, resta expectativa também em torno de algum comentário comum sobre os ataques em Gaza, visto a resolução aprovada com apoio da França por um cessar-fogo na região, ainda que seja claro que a postura brasileira em defesa dos palestinos tenha sido mais categórica até aqui.

"Em relação à Faixa de Gaza, vale lembrar que a França está entre um dos 14 países que votaram a favor dessa resolução exigindo um cessar-fogo na região. Então esse é um posicionamento que talvez Macron e Lula vão poder tratar também aqui nessa visita", disse Cairo Junqueira, professor de Relações Internacionais da Universidade Federal de Sergipe (UFS) e pesquisador do Observatório de Regionalismo (ODR).

De todo jeito, na balança das relações internacionais, analistas afirmam que a visita de Macron foi importante para realçar ao mundo a reaproximação entre os dois parceiros.

"Essa vinda do Macron simboliza essa reaproximação entre os dois países, considerando um afastamento muito grande, principalmente durante o governo Bolsonaro. Nesse sentido, o Lula faz algo que ele sabe, que é a reaproximação com um parceiro. Eu não diria um parceiro estratégico, porque esse adjetivo implica em outras interpretações, mas coloca a França como um parceiro novamente do Brasil", destacou Junqueira.

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