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Coleta de cabelo de usuários é aposta de SP contra K9; ação é questionada

Um pino de K9, que já foi chamada de maconha sintética, sai por cerca de R$ 10 - Tommaso Protti/UOL
Um pino de K9, que já foi chamada de maconha sintética, sai por cerca de R$ 10 Imagem: Tommaso Protti/UOL
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Do UOL, em São Paulo

21/06/2023 04h00Atualizada em 21/06/2023 12h12

Com o aumento do uso de K9, o governo de São Paulo diz que é possível identificar, por meio do fio de cabelo de usuários da droga, de quais substâncias ela é feita. O objetivo, segundo a gestão de Tarcísio Freitas (Republicanos), é melhorar o tratamento médico para essas pessoas.

Contudo, especialistas consultados pelo UOL questionam como esses resultados podem ser usados em defesa da prática de internação compulsória.

Como é o sistema

A primeira etapa é a coleta de fios de cabelo de usuários que afirmaram ter usado K9 ou outras drogas sintéticas, como K2 ou spice. O próximo passo será a análise dessas amostras.

O sistema de vigilância, como tem sido chamado, é implementado pelo Hub de Cuidados em Crack e outras drogas, criado pelo governo estadual para lidar com a cracolândia. A administração do centro é feita pela SPDM (Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina).

O Hub planeja desenvolver "intervenções clínicas mais efetivas" e propor ações de prevenção e redução da oferta da droga, ao identificar quais substâncias são usadas na produção da droga sintética.

Especialistas fazem ressalvas

A preocupação de pesquisadores de fora do governo de SP é que a identificação da substância seja usada para defender políticas de internação.

É uma proposta válida, mas nada garante que a política que será desenvolvida a partir disso será adequada. A dependência de usuários não está ligada apenas a substância, mas a um contexto social."
Silvia Cazenave, toxicologista e coordenadora do grupo de trabalho em Toxicologia do Conselho Regional de Farmácia do Estado de São Paulo

Cazenave aponta que desenvolver uma política focada "apenas na substância está fadada ao fracasso". Resolver os problemas causados por essas drogas envolve, segundo a especialista, implementar outras políticas públicas e não só identificar a substância presente no K9.

Política de repressão e de internação compulsória aplicada aos usuários não surtiu efeito nos últimos anos, segundo a toxicologista.

Há um interesse muito grande em massificar as internações, essa é a velha opção política para lidar com a cracolândia. É um sistema que me parece inconsistente."
Cristiano Maronna, diretor do Justa e representante da OAB-SP no Comuda (Conselho Municipal de Políticas Públicas de Drogas e Álcool de São Paulo)

Maronna questionou se houve e como foi feita a autorização dos usuários que tiveram os fios de cabelo coletados. A reportagem procurou a SPDM, responsável por gerir o Hub, para comentar os aspectos levantados pelos especialistas — o texto será atualizado, se houver resposta.

O que dizem os responsáveis pelo sistema

A ideia é saber a composição do K9 e se, de fato, é um canabinóide, segundo a pesquisadora Clarice Madruga, que também é consultora técnica da SPDM.

O que se sabe até o momento é que o K9 é produzido em laboratório para imitar os efeitos da maconha e age no mesmo receptor do THC. A nova droga, no entanto, tem um efeito muito mais intenso do que a cannabis natural.

Em termos de mecanismo de ação no cérebro, é uma droga que é mais estimulante que o crack. O crack dificilmente vai colocar a pessoa numa situação de overdose, como se vê no canabinóide sintético. Hoje, [o K9] tem um mecanismo de ação muito mais intenso do que qualquer estimulante até então conhecido."
Clarice Madruga, pesquisadora da Unifesp e consultora técnica da SPDM

Se nós identificarmos que essas drogas estão sendo produzidas aqui, precisamos organizar um esquema de repressão que impeça ou diminua substancialmente a produção dessas drogas, combatendo laboratórios clandestinos, por exemplo."
Quirino Cordeiro Júnior, psiquiatra e diretor do Hub

Internação compulsória

A internação compulsória, aquela que é feita sem autorização do usuário, é um tema sempre em discussão quando se fala da cracolândia em São Paulo. O tratamento por esse caminho não é consenso entre especialistas.

No início do ano, quando o pacote de medidas para cracolândia foi lançado, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) afirmou que o procedimento seria usado em "último caso".

Apesar disso, Tarcísio tem incluído pessoas que defendem o tratamento para gerir o tema no governo. O diretor do Hub é defensor das comunidades terapêuticas, e a SPDM, responsável por gerir o centro, é dirigida pelo psiquiatra Ronaldo Laranjeira, que foi coordenador do programa Recomeço, que tinha como ações as internações.

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