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Por que a França continua perdendo da Alemanha na gestão da epidemia do coronavírus?

24/09/2020 10h57

A imprensa francesa classificou de "duras" as medidas de restrição anunciadas ontem pelo governo para conter a epidemia de coronavírus. As reações de protesto foram imediatas em Marselha, segunda cidade do país, que deverá fechar seus bares e restaurantes durante duas semanas a partir de sábado (26). O jornal econômico Les Echos compara a gestão da França e da Alemanha na pandemia e conclui que as frequentes mudanças de estratégia do governo francês confundem a opinião pública.

As medidas de maior impacto anunciadas na quarta-feira (23) pelo ministro da Saúde, Olivier Verán, afetam zonas classificadas em "alerta máximo", como a aglomeração metropolitana de Marselha e Aix-en-Provence, no sul, e o arquipélago de Guadalupe, no Caribe, onde o vírus se propaga com intensidade. Na semana passada, a França tinha 83 contaminados por 100 mil habitantes, proporção que passou para 95 casos positivos em 100 mil habitantes nesta semana. 

A prefeita ecologista de Marselha, Michelle Rubirola, condena a total falta de diálogo e negociação entre o governo central, em Paris, e os representantes municipais. Donos de restaurantes da cidade, que começavam a reverter os prejuízos depois do longo confinamento de março e abril, têm medo de não se recuperar do novo fechamento, embora o governo tenha anunciado medidas de acompanhamento econômico. Com 220 pacientes adicionais em reanimação desde a última segunda-feira (21), o governo alega que a evolução da epidemia em Marselha é preocupante.

Em Paris, classificada em zona de "alerta reforçado" junto com outras dez cidades francesas, os bares e restaurantes fecharão às 22h a partir de segunda-feira (28). Uma reportagem do jornal Le Parisien mostra, no entanto, que donos de bares pretendem trabalhar na clandestinidade. Clientes, principalmente jovens, dizem que se não for possível frequentar a noite em Paris, eles irão buscar alternativas no interior.

Em seu editorial, o Le Parisien condena essa falta de civismo e de disciplina dos franceses diante da necessidade de evitar uma nova saturação dos hospitais. O jornal cita o caso do Reino Unido, que fecha a partir de hoje seus pubs às 22h, com a mesma intenção de conter a epidemia. "Boris Johnson anunciou esta medida sem vacilar no Reino Unido e não foi questionado", nota o Le Parisien.

Por que as contaminações crescem?

O diário Les Echos aprofunda a análise sobre os motivos dessa hostilidade dos franceses às medidas necessárias para conter a epidemia e compara a situação na França e na Alemanha. Enquanto na França, os casos positivos da Covid-19 giram em torno de 10 mil por dia, a Alemanha registrou na terça-feira (22) apenas 1.800 novos infectados.

"Todo mundo sabe que o número de mortes no país vizinho é três vezes inferior ao da França. Resolvidos os problemas de carência de máscaras e testes que prejudicaram a França no início da epidemia, por que, então, as contaminações na França continuam mais altas do que na Alemanha?", questiona o Les Echos.

Observadores dos dois países citam com frequência a menor densidade das áreas metropolitanas na Alemanha; o comportamento individual mais disciplinado dos alemães; a demografia, com famílias menores do outro lado do rio Reno; a eficácia do sistema de testes alemão, inclusive no local de trabalho; e o fato de ser um país descentralizado. Porém, há falhas evidentes na gestão do governo francês nessa crise sanitária.

Segundo Dominique Seux, diretor de redação do Les Echos, o governo alemão atua com antecipação, clareza e constância desde o início da pandemia, enquanto na França se observa um vaivém nas decisões que compromete a compreensão das medidas e sua adoção.

Os indicadores e mapas mudam com frequência - até poucos dias atrás, as regiões de risco eram classificadas por cores - verde, laranja e vermelho. Agora, além de mais uma cor, o escarlate, o Ministério da Saúde acrescentou zonas de alerta - inexistente, reforçado e alerta máximo, confundindo os franceses. "Na Alemanha, a população sabe antecipadamente que alcançado um determinado número de casos novos, as mesmas medidas de restrição entram em vigor imediatamente. "Essa comunicação objetiva é mais persuasiva do que mudar continuamente de estratégia", opina o diretor de redação do Les Echos.

Os especialistas que fazem recomendações ao presidente Emmanuel Macron também expressam opiniões divergentes em entrevistas - alguns são mais alarmistas do que outros. Apenas quinze dias depois do início do ano letivo, o governo flexibilizou as regras de fechamento de classes e escolas em casos de contaminação. Resultado: esse vaivém e a imprecisão das regras têm corroído a confiança dos franceses no governo. Enquanto isso, o vírus da Covid-19 se propaga.

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