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Mensagem de Bolsonaro para militância é "gasolina em fogo", diz sociólogo após revelação de vídeo

25/05/2020 17h50

Além das reações no ambiente virtual, as demonstrações de apoio registradas neste domingo (24) em frente ao Palácio do Planalto, em Brasília, mostraram que a divulgação pública de uma reunião ministerial, apontada como prova na investigação sobre a tentativa de interferência de Jair Bolsonaro na Polícia Federal, deu mais combustível para o núcleo radical que sustenta o presidente. A opinião é do sociólogo José Henrique Bortoluci, que, em entrevista à RFI, analisou o impacto no ambiente político e entre os apoiadores do chefe de Estado.

O vídeo da reunião ministerial do dia 22 de abril teve sua divulgação pública autorizada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Celso de Mello, que investiga a denúncia feita pelo ex-ministro da Justiça Sergio Moro. Aguardada com muita expectativa, a divulgação das imagens do encontro convocado para discutir o plano Pró-Brasil expôs sobretudo declarações polêmicas, cobranças e ameaças de Bolsonaro a seus ministros, recheadas com muitos palavrões.  

A exibição desencadeou uma enxurrada de críticas dos opositores pelo linguajar de baixo nível e teve forte repercussão internacional.

Para o especialista em sociologia política e professor da Fundação Getúlio Vargas José Henrique Bortoluci, o impacto da divulgação do vídeo conforta a base mais radical de sustentação ao chefe de Estado: "É inegável que, para o núcleo de apoiadores do presidente, o vídeo é energizante, de um jeito muito positivo".

"O presidente ali aparecia como na época de campanha, sem máscara, literalmente e metaforicamente. O presidente se coloca como militante de valores hiperconservadores, e não como construtor de políticas de Estado, mas alguém que veio desarticular o papel do Estado que vem sendo construído, com conflitos, disputas, desde a Constituição de 1988", argumenta.

"Não é só um Bolsonoraro militante, agressivo, defensor da sua própria família e da sua personalidade, mas com um descaso absoluto, por exemplo, para a discussão da Covid, que não aparece em quase nenhum momento da fala do presidente", observa Bortoluci.

"Ele se coloca como uma pessoa com valores profundamente antidemocráticos, e não só na sua própria opinião, mas na retaguarda e no apoio da maioria de seus ministros", diz na entrevista. 

Militante "perfeito"

O exemplo mais evidente, nas palavras do especialista, é o do Ministro da Educação, Abraham Weintraub, que aparece quase como o "militante perfeito". No seu discurso, Weintraub chamou a capital federal de "cancro da corrupção" e se referiu aos ministros do STF como "vagabundos" que deveriam ser presos. 

"Ele (Weintraub) mesmo se coloca:'eu vim da militância'. Eu diria que isso vai energizar essa base de apoio inicial". De acordo com o professor da FGV, pesquisas de opinião têm mostrado uma polarização cada vez mais profunda na sociedade brasileira, com o aumento da avaliação de que o governo Bolsonaro é ruim ou péssimo. Isso, na opinião do sociólogo, tem gerado um fortalecimento do círculo mais próximo de Bolsonaro, constituído por apoiadores que o veem como símbolo de seus valores ultraconservadores e de rejeição ao sistema político brasileiro, considerado extremamente corrupto. 

O público que vê Bolsonaro como alguém que viria "limpar o sistema" é formado por uma base que oscila  entre 10 e 20%, talvez mais próximo de 20%, e não se abala com as repercussões negativas do estilo grosseiro atribuído ao líder. 

"Sua base radical na verdade se fortalece, a mensagem do presidente é gasolina em fogo. Ela coloca muitos instrumentos para que ele seja visto como sendo um destruidor de privilégios, como aquele que vem para reconstruir, ou pelo menos destruir as instituições como elas existem até agora". 

A artilharia do presidente encontra eco na sua base radical de apoio especialmente quando se posiciona abertamente contra os governadores e prefeitos que defendem medidas como o isolamento social para combater o coronavírus.

É neste contexto em que situa a defesa de Bolsonaro pelo armamento da população. "Quando ele fala em armar a população, não é uma defesa abstrata do valor de armamento. Ele fala especificamente várias vezes no contexto da oposição às políticas de governadores e prefeitos no combate ao coronavírus", argumenta.

"Mais antissistêmico e de um valor antissistêmico quase de origem radical, protofascista, de inspiração miliciana, mais visível ali, é impossível" , acrescenta.

Para Bortoluci, ainda é prematuro prever o impacto da exibição do vídeo entre os eleitores de Bolsonaro que não formam parte do "núcleo duro" de apoio, mas favoreceram o candidato por causa do antipetismo disseminado no Brasil nos últimos anos.

"Parece que não é trivial que essa percepção do abuso de palavrões, a grosseria e a falta de propostas e de discussão de políticas efetivas possam de fato levar a um aumento de avaliação negativa do governo entre os apoiadores que não são radicais. Será preciso acompanhar as pesquisas de opinião e de movimento na internet. Minha percepção é que ele pode sim perder apoio dentro dessa base estendida dele, ou seja, de eleitores que não são radicais, mas que apresentavam grande rejeição à corrupção".

Repercussão internacional acirra as bases

A forte repercussão no cenário internacional do vídeo da reunião pode, por um lado, reforçar a base bolsonarista, e, por outro, colocar mais pressão nos grupos de oposição que desejam a destituição de Bolsonaro do poder, de acordo com o sociólogo.

É neste momento em que a sociedade civil está com muitas dificuldades de organização, seja por que não pode organizar protestos por conta do isolamento social, seja por estar extremamente envolvida na atuação local, para mitigar os efeitos negativos do coronavírus na população, que vêm sendo terríveis, e por uma série de motivos, que esse apoio internacional pode, nos próximos meses, levar a uma fertilização dessa atuação doméstica de vários atores. Este é um cenário novo a ser observado, mas com grande potencial", acredita. 

 

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