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Cineastas brasileiros alertam em Paris para ameaças do governo contra cinema nacional

17/11/2019 17h42

Um debate realizado neste domingo (15), em Paris, reuniu um grupo de cineastas brasileiros, produtores e especialistas que alertaram para os efeitos da política do governo Bolsonaro para o cinema nacional. No evento "Brésil: cinema en danger" (Brasil: cinema em perigo), o diretor Karim Aïnouz lançou a proposta de criação de um "movimento de resistência" com a ajuda de outros países para preservar a produção cinematográfica brasileira.

O debate integrou a programação do festival « Un état du monde » (Um estado do mundo) organizado pelo importante Forum des Images, a cinemateca de Paris. Mediado por Erika Campelo, vice-presidente da Associação Autres Brésils, ele reuniu os cineastas Karim Aïnouz, Kleber Mendonça Filho e Gabriel Mascaro, além da produtora Émilie Lesclaux e da pesquisadora em cinema Bia Rodovalho.

O encontro foi assistido por mais de 150 pessoas e aconteceu menos de uma semana depois de um grande debate em defesa da cultura brasileira no Teadro Odéon em Paris. Bia Rodovalho detalhou as principais mudanças ocorridas no setor cinematográfico brasileiro, especialmente a partir deste ano com a chegada de Jair Bolsonaro ao poder.

A pesquisadora lembrou a extinção do ministério da Cultura, atualmente integrado ao Ministério do Turismo, e os cortes nos mecanismos de financiamento do Fundo Setorial Audiovisual, além das mudanças na direção da Ancine. As ações visam o desmantelamento da produção cinematográfica por meio de maior controle dos meios de financiamento e realização. "Todas as decisões apontam para uma direção autoritária" de órgãos como a Ancine e o FSA, alertou Rodovalho.

Preocupação em festivais internacionais

Kleber Mendonça Filho recordou que muitos festivais de filmes mostram atualmente preocupação com o que se passa no Brasil. "Temos viajado muito com nossos filmes pelo mundo e a preocupação com o Brasil é muito grande, quase como a com um amigo que voltou a fumar crack", exemplificou. Ele disse ser irônico que no Brasil não se discuta tanto a situação grave em que se encontra a cultura. Mesmo considerando "compreensível " o medo de algumas pessoas, disse ter dificuldade de entender o "silêncio e a falta de mobilização" no país.

Sobre o lançamento de "Bacurau" no Brasil, o diretor percebeu que o filme despertou mais uma "energia poética do que uma mobilização". Kleber Mendonça provocou risos na plateia ao dizer, ironicamente, que não era o melhor momento para "destruir o cinema brasileiro", em referência a grande visibilidade da produção nacional e os prêmios que filmes vem recebendo. "Bacurau" e "A vida invisível de Eurídice Gusmão", por exemplo, foram premiados no último Festival de Cannes. "Esse governo quer destruir um setor estratégico para o Brasil", lamentou.

"Situação de guerra"

O cineasta Karim Aïnouz, diretor de "A vida invisível", se referiu a uma situação de "guerra" no país e afirmou que muitos profissionais do setor estão em depressão com o clima instalado pelo atual governo. " É preciso resistir. O massacre é tão gigantesco que é preciso ver até quando poderemos assimilá-lo. Estamos em um clima tóxico".

O cineasta lançou um apelo para a criação de uma "frente" ou "rede" internacional para ajudar o Brasil com ações concretas a conter as medidas e os ataques do governo contra a cultura. Ele disse considerar "absurdo" que países da União Europeia assinem um acordo comercial envolvendo o Brasil e sugere um boicote". "Temos que usar nossa imaginação para ver como podemos caminhar juntos, como uma frente", defendeu.

Já o cineasta Gabriel Mascaro, diretor de "Boi Neon", criticou os avanços das igrejas evangélicas no país. "A religião tem um objetivo de conquistar o Congresso. Eles conseguiram e agora querem dominar o STF", alertou. "O projeto de desmantelamento deste governo é acelerado e nos deixa em um estado anestesiado", constatou. " Nosso desafio é de não pensar que o inimigo é estúpido. Temos que nos reconectar uns aos outros", disse.

A produtora francesa Émilie Lesclaux, que há 17 anos vive no Brasil, lembrou da evolução do cinema brasileiro por meio de muitas ações, como o financiamento na formação e na internacionalização dos filmes. Ela aposta que, no contexto atual, o futuro do cinema brasileiro fique muito dependente de coproduções e, por isso, está preocupada com as novas gerações. "Contamos com as coproduções para fazer filmes e isso é mais fácil para cineastas já conhecidos. Para os que estão começando será mais difícil » observou.

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