Dividido por 'castas': por que igrejas como a de Valadão têm área VIP?

O pastor e cantor gospel André Valadão usou as redes sociais recentemente para se pronunciar após a repercussão da existência de uma área VIP na Lagoinha Orlando Church. A igreja, amplamente conhecida por atrair diversas celebridades em seus cultos, já recebeu nomes como Silvio Santos, que esteve presente em algumas ocasiões para ouvir as pregações de André.
Como funciona o espaço
A prática da área VIP na Lagoinha de Orlando e na Lagoinha de Alphaville é justificada internamente como uma forma de oferecer um espaço mais reservado a personalidades que desejam evitar o assédio durante os cultos.
Frequentadores da unidade de Orlando, que preferiram não se identificar, relataram ao UOL que há uma área especial na primeira fileira e que, em algumas ocasiões, um acesso específico é utilizado para receber convidados famosos. "Dependendo do tipo de evento, existe uma 'separaçãozinha' no corredor, tipo aquelas fitas de aeroporto, que delimitam o espaço", explicou um membro da igreja. No entanto, segundo os relatos, essa estrutura é menos ostensiva em Orlando do que na unidade de Alphaville.
Na Lagoinha de Alphaville, em São Paulo, o privilégio parece ser ainda mais acentuado. Um frequentador contou que a igreja recebe um grande número de celebridades, incluindo jogadores de futebol e cantores sertanejos, o que justificaria um "tratamento diferenciado". "Lá, o acesso é diferente, tudo isso é diferente", comentou.
Segundo ele, há uma dinâmica mais estruturada para acolher esses convidados, possivelmente incluindo estacionamento exclusivo e entradas diferenciadas. "A depender da pessoa, se já estiver programado, eles providenciam um acesso diferente", explicou um dos entrevistados.
Sobre a polêmica, André Valadão publicou um vídeo em suas redes sociais justificando a existência da área VIP e reforçando que todos são iguais perante Deus. Ele afirmou que VIP significa Very Important People ("Pessoas Muito Importantes", em português) e explicou que o objetivo do setor é proporcionar conforto a pessoas públicas. "São inúmeras pessoas que, infelizmente, por razões pessoais e até mesmo públicas, não têm o privilégio de poder sentar onde querem e nem mesmo viver uma vida comum mais", disse. E completou: "Agradeça a Deus se você pode ir à igreja e se sentar onde quiser sem ser filmado, fotografado, assediado ou até mesmo ameaçado".
André Valadão e a Lagoinha Alphaville foram procurados pelo UOL, mas não retornaram o contato até o momento da publicação.
Um privilégio questionável
Apesar da justificativa, a existência de espaços exclusivos em um ambiente que deveria priorizar a igualdade entre os fiéis continua gerando questionamentos.
O teólogo e pastor Rodrigo Quintã, da Primeira Igreja Batista de Campinas, considera a área VIP um reflexo da lógica de consumo e da hierarquização presentes na sociedade, algo que, segundo ele, contradiz os valores do reino de Deus. Para Quintã, o auditório de uma igreja deve ser um espaço de comunhão e celebração da fé, e não um ambiente dividido por status.
A igreja não pode ser um subproduto do mercado que você divide em setores que assumem a lógica do sistema vigente lá fora. Teólogo e pastor Rodrigo Quintã
Ele argumenta que ao adotar essa prática, as igrejas se conformam com padrões "do mundo", em vez de oferecer um modelo alternativo baseado na igualdade, no amor ao próximo, na generosidade e no serviço. Embora reconheça que igrejas possam estabelecer padrões de acolhimento razoáveis, como espaços para receber visitantes e orientá-los sobre a comunidade, o pastor rejeita qualquer divisão que crie distinção entre os fiéis.
Quintã também alerta que esse tipo de prática ensina, de maneira implícita, que a lógica das castas e privilégios sociais é aceitável dentro da igreja. Para ele, apesar de algumas justificativas, essas iniciativas distorcem a essência da comunhão cristã.
Entre os filhos de Deus, os filhos amados de Deus, não tem VIP, concluiu.