Premiê francês ataca dívida pública e acena com aumento de salário mínimo em parlamento altamente dividido
Diante dos 577 deputados da Assembleia Nacional, o primeiro-ministro, Michel Barnier, destacou a gravidade da situação da dívida francesa. Em seu aguardado discurso desta terça-feira (1°), ele pediu aos parlamentares que busquem "o compromisso" e o interesse nacional, ao passar em revista as políticas públicas para os próximos dois anos e meio.
Maria Paula Carvalho, da RFI em Paris
"Fazer muito, com pouco e partindo de quase nada". A frase dita pelo General de Gaulle quando escolhido para liderar a resistência francesa na Segunda Guerra Mundial foi citada pelo premiê para mostrar a dificuldade da missão a sua frente e de muitos franceses, nomeadamente profissionais de saúde, professores e funcionários públicos. Barnier anunciou ainda a revalorização do Smic (salário mínimo) em 2% a partir de 1° de novembro deste ano.
"Devemos fazer muito em todos os aspectos e bem feito", reiterou, "mas não partimos de quase nada", como no caso de Gaulle, mas sim de um "voto popular que os elegeu e traduz as expectativas da população, como serviços públicos eficazes, segurança e pacificação", disse.
O governo de Michel Barnier, no entanto, é fortemente contestado por siglas de diversos lados do espectro político francês, além de uma boa parte da sociedade que plesbicitou a coligação de esquerda da Nova Frente Popular nas últimas eleições legislativas da França, e que não legitima a nomeação de Michel Barnier por Macron.
Diante de um plenário dividido politicamente e barulhento, com muitas interjeições durante a sua fala, Barnier prometeu, acima de tudo, "falar a verdade sobre as contas públicas e sobre a crise climática", explicando que ambas as dívidas representavam um enorme desafio para o futuro da França. "Devemos fazer do diálogo e do compromisso um princípio de ação do governo", reiterou.
Barnier abordou as prioridades e alertou aos políticos: "cuidemos da República, pois ela é frágil, cuidemos da Europa, pois ela é necessária", disse.
Recordando a dívida da França, cujo pagamento de encargos constitui a segunda rubrica de despesa estatal depois da educação, o primeiro-ministro francês propôs colocar o país em uma nova trajetória, ao "reduzir o déficit para 5% (do produto interno bruto) em 2025" e trazê-lo de volta "abaixo do limite máximo de 3%, em 2029", em conformidade com os "compromissos europeus" da França. "Se não tivermos cuidado com a nossa colossal dívida financeira, colocaremos o nosso país à beira do precipício", disse.
Choque fiscal
Em seguida, como forma de atingir o objetivo de equilibrar as contas, Barnier anunciou a necessidade, de "uma contribuição excepcional" do "povo francês mais afortunado". Conforme suas palavras, "vamos pedir a participação aos grandes e muito grandes empresários que tenham conquistado lucros signitificativos".
O premiê também destacou o aumento das despesas públicas nos últimos anos, afirmando que "o primeiro remédio para a dívida é a redução das despesas". Barnier propôs "fugir da tentação de subvencionar tudo", mas "sem negligenciar os cuidados com os mais frágeis", dentro das regras do Estado de direito e em conformidade com coletividade.
Michel Barnier apelou à luta contra a fraude fiscal e social. Sugeriu rever o pagamento de aluguéis caros em Paris para certas repartições públicas e cessar a ineficácia da máquina administrativa. O primeiro-ministro dedicou uma parte do seu discurso para falar sobre o poder de compra dos franceses. Ele citou a melhoria da atratividade da França como um símbolo para o crescimento econômico e a capacidade do país de gerar riqueza.
Barnier prometeu ajudar os desempregados a encontrarem trabalho, acompanhando, ao mesmo tempo, os que buscam um contrato e os empresários que precisam contratar.
Educação
O primeiro-ministro defendeu uma "escola de qualidade para garantir aos estudantes participarem do futuro do país". Melhorar a atratividade da carreira de professor, garantir acesso à cultura e ao esporte, uma herança deixada pelos Jogos Olímpicos, segundo ele.
"Tenho confiança na qualidade e no compromisso dos professores e de todos os funcionários da Educação Nacional. Eles devem ser protegidos e respeitados", destacou. "Juntos, queremos fortalecer a atratividade da missão docente", continuou, enfatizando "a compreensão (da) consternação" e, por vezes, a "raiva" dos franceses "quando os professores ausentes não são substituídos".
Saúde
No setor da saúde, Barnier apontou como desafios o funcionamento dos hospitais e a luta contra os "desertos médicos", locais onde faltam profissionais, prometendo aumentar as vagas para a formação de médicos, além de reduzir a burocracia e simplificar as formalidades para deixá-los com mais tempo para atender os pacientes.
Michel Barnier apontou a saúde mental dos franceses como "uma grande causa nacional" no ano de 2025, com a implementação de políticas de prevenção. A pauta sobre o acompanhamento das pessoas em fim de vida será retomado em 2025, afirmou, com debates para o desenvolvimento de cuidados paliativos.
Transição ecológica
Sobre a dívida ecológica "que recairá sobre as crianças francesas", ele afirmou que esta é uma causa que defendeu durante toda a sua vida pública e que estará entre as prioridades de seu governo. "Podemos e devemos fazer mais para evitar as mudanças climáticas, suas consequências e preservar a biodiversidade", disse.
"A transição ecológica deve ser o motor da nossa política industrial", completou. "Vamos continuar o desenvolvimento da energia nuclear com novos reatores, mas também o desenvolvimento de energias renováveis", afirmou. Para o premiê, "a planificação deverá entrar no debate da energia e do clima", sugerindo, também "uma grande conferência nacional sobre a água".
O primeiro-ministro também prometeu trabalhar com os agricultores e pescadores engajados na transformação do setor e a investir no transporte dos trabalhadores que não tem outra opção do que o carro, no interior da França.
Linha vermelha
Há algumas diretrizes que não são negociáveis, disse Barnier. "Não haverá tolerância ao racismo e ao antissemitismo. Nenhuma tolerância à violência contra mulheres, ao comunitarismo. A defesa da laicidade" será mantida, acrescentou. "Não aceitaremos discriminação ou perdas de conquistas", disse, citando a IGV (interrupção voluntária da gravidez, o aborto), o casamento para todos e disposições legislativas à PMA (procriação assistida pelo Estado).
Michel Barnier afirmou, ainda, o seu desejo de organizar regularmente um "dia nacional de consulta aos cidadãos". "Nesse dia, as Câmaras Municipais estarão abertas e todos os níveis da comunidade, do departamento, da região e do Estado poderão, se quiserem, abrir um debate com os cidadãos", sugeriu o primeiro-ministro, que afirmou que os franceses tinham "coisas a dizer e muitas vezes boas soluções a propor".
"Respeito e responsabilidade para com homens e mulheres franceses", propôs Michel Barnier aos deputados.
Ele também pediu que fosse seguido o exemplo de outros países vizinhos europeus que, mesmo sem uma maioria parlamentar, conseguem trabalham juntos para implementar grandes reformas. Barnier ainda disse que está "pronto para uma reflexão sem ideologia sobre o voto proporcional" no país, numa referência à exigência da deputada de extrema direita do partido Reunião Nacional, Marine Le Pen.
Segurança e imigração
Sobre a imigração, cavalo de batalha da direita e da extrema direita na França, Michel Barnier anunciou que queria "controlar melhor as fronteiras" e facilitar "a prorrogação excepcional da detenção de estrangeiros em situação irregular, para melhor executar as obrigações de sair do território francês (OQTF)".
Afirmou, também, que não proibiria a redução de vistos para países relutantes em aceitar de volta os seus nacionais e prometeu ser "implacável" com os contrabandistas de migrantes no Mediterrâneo ou no Canal da Mancha, onde os naufrágios mortais têm aumentado nos últimos anos.
Barnier prometeu aumentar o efetivo policial nas ruas, reduzir os processos administrativos para que os policiais tenham mais tempo para dedicar ao combate ao tráfico de drogas e à guerra urbana.
"Devemos diminuir o tempo de julgamento para os menores delinquentes, especialmente os já conhecidos da justiça", defendeu. "As penas devem ser executadas e não transformadas, sob risco de perder a credibilidade do sistema penal", completou. O governo irá propor "penas curtas de prisão" para certos crimes, disse, além de construir novas vagas em presídios.
A França e a Europa
Por fim, Michel Barnier defendeu que "a França tem um papel para ajudar a transformar a Europa". Muito aplaudido quando disse que "o país permaneceria ao lado da Ucrânia", ele disse ainda que a "França está consternada com todas as mortes na Faixa de Gaza" e continuará advogando pela paz no Oriente Médio.
Barnier ainda falou sobre o Líbano, "país tão próximo e onde vivem 20 mil franceses". "Frente a este conflito e à instabilidade no nosso entorno, a lei de programação militar permitirá continuar esforço de defesa para "acabar o quanto antes as hostilidades", concluiu.
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