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Extrema direita avança e Itália pode ser comandada pela primeira vez por uma mulher

15/08/2022 11h21

A campanha eleitoral deixa o verão na Itália ainda mais quente. Em 25 de setembro, os italianos vão eleger um novo parlamento. Com isso, os partidos tiveram até este domingo (14) para registrar suas siglas no Ministério do Interior e terão até o próximo dia 22 para apresentar a lista de candidatos. Foram apresentadas 101 siglas e cada uma delas será controlada pelas autoridades para concorrer ao pleito.

Gina Marques, correspondente da RFI na Itália

Há algumas curiosidades, como o partido do Sacro Império Romano católico e pacifista; o da Revolução Sanitária, sigla que se apresenta com a ilustração da guilhotina francesa; o Movimento dos Poetas de Ação e o Partido da Loucura Criativa. A atriz Gina Lollobrigida, de 95 anos, será candidata ao senado pelo partido Itália Soberana e Popular, lista que reúne vários grupos como o Partido Comunista, Pátria Socialista, Ação Civil, Novamente Itália e Reconquistar a Itália.

O objetivo desta nova formação é atingir o limite de 3% necessário para entrar no Parlamento, mas não será fácil. A atriz já foi candidata em 1999, mas os 10 mil votos que conquistou não foram suficientes para ser eleita. É preciso considerar que o número de parlamentares foi reduzido de 630 para 400 na Câmara dos Deputados, e de 315 para 200 no Senado. A diminuição da bancada torna a competição ainda mais acirrada.

A maioria dos italianos votaria na direita e extrema direita

O partido Irmãos da Itália, que nas eleições de 2018 obteve apenas 4% dos votos e hoje seria o maior partido do país, com quase 24%, não faz parte da grande aliança do governo de Mario Draghi, que reuniu partidos de esquerda e direita. O premiê, que pediu demissão em julho, continuará no cargo até a formação do novo governo após as eleições, mas não é candidato.

Não é raro que a oposição seja preferida, pois um governo muitas vezes tem que tomar medidas impopulares. Além disso, a direita e a extrema direita são representadas por partidos populistas. O programa eleitoral desta coalizão se baseia principalmente na luta contra a imigração ilegal, a redução dos impostos e a mudança do sistema parlamentarista para o presidencialista.

Em caso de vitória da coalizão de direita, Giorgia Meloni, de 45 anos, será a primeira mulher a chefiar o Executivo da Itália. Ela nasceu em Roma, cresceu no bairro popular de Garbatella e mantém um forte sotaque romano. O seu livro, "Eu sou Giorgia" (Io sono Giorgia - editora Rizzoli) já vendeu mais de 100 mil cópias. A líder conta no livro que, quando era criança, viveu com dinheiro contado. Seu pai, quando ela ainda era pequena, mudou-se para as Ilhas Canárias, na Espanha, assim ela e a irmã mais velha foram criadas só pela mãe, com a ajuda dos avós.

No livro, ela descreve que sua mãe tinha um relacionamento conflituoso com seu pai e chegou a se programar para um aborto, tendo desistido de interromper a gravidez pouco antes dos exames clínicos necessários. Meloni é contrária ao aborto, legalizado na Itália em 1978 pela Lei 194 e confirmado com um referendo em 1981.

Acerto de contas com o fascismo

A líder do partido de extrema direita Irmãos de Itália defendeu recentemente que o fascismo pertence à história, em uma mensagem destinada a tranquilizar os aliados internacionais.

"Há várias décadas que a direita italiana relegou o fascismo para a história, condenando sem ambiguidade a privação da democracia e as infames leis antissemitas", declarou Giorgia Meloni num vídeo hoje divulgado em inglês, francês e espanhol pela sua direção de campanha.

Giorgia Meloni e o seu partido, fundado em 2012, são os herdeiros do Movimento Social Italiano (MSI), partido neofascista criado após a Segunda Guerra Mundial, cujos membros se assumiam abertamente como admiradores do governo de Benito Mussolini, ditador fascista que liderou o país durante décadas.

O regime de Mussolini criou em 1938 as chamadas "leis raciais" contra a pequena população judaica da Itália, excluindo-a da vida pública, inclusive da educação e do comércio, além de deportar cerca de 6.800 judeus aos campos de extermínio.

Recuperado ao MSI, o emblema dos Irmãos da Itália é a mesma chama tricolor verde, branca e vermelha, em um desenho semelhante ao da antiga Frente Nacional da França. No entanto, de nada adiantou os apelos de representantes da comunidade hebraica para que o desenho da chama tricolor fosse retirado da sigla do partido. 

A senadora Liliana Segre, sobrevivente do Holocausto, declarou: "Na minha vida ouvi de tudo e muito mais. As palavras, portanto, não me afetam mais. Então, o conselho para Giorgia Meloni é que retire o desenho da chama tricolor de sua sigla. Um símbolo que, de fato, lembra o Movimento Social Italiano (MSI), um partido político histórico de inspiração neofascista que mais tarde se fundiu na Aliança Nacional".

A coalizão de esquerda optou por fazer pouco barulho em relação ao passado fascista dos Irmãos da Itália. Segundo os observadores, o Partido Democrático "prefere que o país olhe para frente e não regurgite o obsoleto".

Meloni e a União Europeia

Há anos que Giorgia Meloni protesta contra a burocracia da União Europeia por considerar que esta contraria a soberania nacional. Até o fim do ano, a Itália deve apresentar o programa econômico para poder obter o PNRR - Plano Nacional de Recuperação e Resiliência, um financiamento europeu de cerca de € 20 bilhões atribuídos ao país no âmbito da pós-pandemia da Covid-19.

A líder de extrema direita classificou como uma "narrativa absurda" que um governo de direita, com os seus aliados de campanha Matteo Salvini (da Liga) e o ex-primeiro-ministro Silvio Berlusconi, parasse as reformas necessárias para receber o financiamento europeu.

"Há vários dias que leio artigos na imprensa internacional sobre as próximas eleições, que darão à Itália um novo governo, em que sou descrita como um perigo para a democracia, para a estabilidade italiana, europeia e internacional", disse Giorgia Meloni.

"Li que a vitória dos Irmãos da Itália nas eleições de setembro levará a um desastre, a uma deriva autoritária, à saída da Itália da Zona do Euro e a outros absurdos do gênero", comentou indignada.

Os seus principais aliados na Europa são o partido de extrema-direita espanhol Vox e o polonês Lei e Justiça, que formam, com os Irmãos da Itália, o grupo dos Conservadores e Reformistas Europeus (CRE) no Parlamento da UE.

O que dizem as pesquisas

Na complexa lei eleitoral italiana, os vencedores precisam de grandes alianças de campanha com outros partidos para obterem maioria no Parlamento.

O Instituto de Pesquisas Demopolis indica uma vantagem de 15 pontos para a coalizão formada pelos partidos de direita como Forza Italia, de Silvio Berlusconi, e de extrema direita como a Liga, de Matteo Salvini e Irmãos da Itália, de Giorgia Meloni. Ou seja, mais de 46 % dos eleitores italianos votariam na direita e na extrema direita.

Já a aliança de centro-esquerda, formada pelo Partido Democrático (que conta com cerca de 23%), Verdes, Esquerda Italiana, Empenho Cívico + Europa não supera 30% da preferência popular.

O Movimento 5 Estrelas, partido antissistema liderado pelo ex-primeiro-ministro Giuseppe Conte, que venceu as últimas eleições em 2018 com 30% dos votos, despencou para 10% da preferência e optou por concorrer sozinho, ou seja, não vai se aliar a nenhum grupo.

Por último, a aliança de centro formada pelos partidos Ação e Itália Viva estaria com cerca de 8%.

Apesar de ter quatro frentes principais, o cenário da campanha eleitoral se mostra polarizado entre esquerda e direita, com pouca preferência pelo centro.

Coringa na manga da esquerda

Os democratas têm lutado para igualar a popularidade da aliança de direita, especialmente depois de terem recusado a união com o Movimento 5 Estrelas (M5S), visto como pivô da atual crise política no país.

De fato, o M5S se recusou a dar um voto de confiança no Executivo de Mario Draghi, apesar de fazer parte do chamado "governo de união nacional". Em seguida, a Liga e Forza Italia, baseando-se nas pesquisas que indicam a direita em vantagem, abandonaram a coligação do governo, causando o desmoronamento da mesma e a convocação de legislativas antecipadas.

Tirando um coringa da manga, Enrico Letta, líder do Partido Democrático, anunciou que vai acrescentar ao bloco da esquerda, como candidato do PD ao parlamento, Carlo Cottarelli, respeitado economista que exerceu funções no Banco Central de Itália (BCE) e no Fundo Monetário Internacional (FMI).

"As próximas eleições serão provavelmente as mais importantes que tivemos e teremos nos próximos anos", declarou Cottarelli, acrescentando que a votação oporá essencialmente "progressistas a conservadores".

 

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