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Rápida escalada do conflito surpreende israelenses e palestinos

Tania Krämer

15/05/2021 06h18

Até segunda-feira (10/05), o clima em Gaza era festivo, apesar da pandemia do coronavírus. O fim do Ramadã, o mês mais sagrado para os muçulmanos, se aproximava.

"Estávamos limpando nossas casas, comprando roupas novas para as crianças para o Eid. Mas as coisas mudaram", conta Mariam Sersawi, na véspera da festa de três dias do Eid al-Fitr, comemoração religiosa que marca o fim do Ramadã.

Ela tem 25 anos e vive em Shejaieh, um bairro no leste da cidade de Gaza. Nem ela nem outros previam o que ainda estava por vir mais tarde. Naquele mesmo dia, começaria um novo conflito entre israelenses e palestinos.

E a destruição rápida e em larga escala fez Sersawi lembrar da devastação que seu bairro viu durante a guerra de 2014. "Estou em pânico. O som dos bombardeios é terrível. É um bombardeio constante", diz ela, lutando contra as lágrimas enquanto fala. "Estou exausta".

Não demorou para os moradores de Gaza perceberem que a hostilidade inicial se tornaria o mais violento conflito entre israelenses e palestinos em sete anos. À medida que as hostilidades se intensificavam, muitos palestinos, como Sersawi, iam à mídia social para descrever a força dos bombardeios aéreos de Israel e como se sentiam inseguros.

Velhas lembranças, novos medos

Desde segunda, a troca de fogo não cessou. A impressão entre os dois lados da fronteira é que, desta vez, a violência se espalhou de forma especialmente rápida. Neste sábado, os conflitos, antes restritos à Faixa de Gaza, haviam chegado também à Cisjordânia.

Para os moradores de Gaza, as três guerras anteriores e os vários conflitos militares menores estão profundamente gravados em sua memória. Eles se protegem em casa como podem e só se aventuram nas ruas para conseguir rapidamente alguns itens básicos. Gaza, que é governada pelo grupo radical islâmico Hamas e onde vivem 2 milhões de pessoas, não tem abrigos ou sirenes de ataque aéreo.

Segundo a ONU, cerca de 12 mil pessoas buscaram proteção contra os bombardeios, muitas em escolas geridas pela Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina (UNRWA), que foram abertas como abrigo.

"É pior que em 2014"

Enquanto fala ao telefone com a reportagem, Abed Shokry, professor da Universidade Islâmica em Gaza, anda de um quarto para o outro para encontrar alguma sensação de segurança. Ele diz que a casa está tremendo com os bombardeios.

"Os ataques são mais fortes, mais perigosos e mais poderosos do que em 2014. Não sei o que dizer, me sinto impotente, desamparado. Não podemos fazer nada, não há lugar seguro. Não temos nenhum lugar seguro ou abrigo. Não há lugar seguro para ir", diz ele. Shoukry viveu na Alemanha por mais de uma década antes de retornar a Gaza em 2007, quando o bloqueio em torno do enclave foi acirrado por Israel e em parte pelo Egito após a tomada do poder pelo Hamas.

Na segunda-feira, ele estava trabalhando em uma palestra em casa devido à pandemia do coronavírus, quando percebeu o que estava acontecendo. "Me diz uma coisa só: o que os israelenses querem de nós?", indaga.

Dias depois, ele contou que os moradores de um prédio vizinho foram avisados pelos militares israelenses que deveriam desocupar sua casa. "Se eles bombardearem e destruírem o prédio, isso significa que também seremos afetados. Eu estou apenas tentando acalmar nossos filhos", diz.

Desalojamentos forçados e protestos

Havia uma sensação prévia de que os eventos em Jerusalém nas últimas semanas poderiam ter consequências, diz Shoukri. Mas ainda assim a eclosão dos combates, e a forma rápida como se alastraram, surpreendeu a maioria das pessoas em Gaza.

Durante semanas, houve confrontos no bairro Sheikh Jarrah, em Jerusalém Oriental, o setor palestino da cidade ocupado e anexado por Israel. As visitas provocadoras de políticos israelenses de extrema direita e as manifestações de extremistas de direita israelenses haviam gerado tensões e violência.

Colaborou para o conflito a ameaça de despejo de quatro famílias palestinas do bairro Sheikh Jarrah, em Jerusalém Oriental, em favor de colonos judeus. A ONU urgiu Israel a suspender os despejos e disse que eles poderiam equivaler a "crimes de guerra".

Na segunda-feira, centenas de palestinos e mais de 30 policiais israelenses ficaram feridos em novos confrontos com a polícia na Esplanada das Mesquitas, nos arredores da Mesquita de Al-Aqsa, o terceiro local mais sagrado do islã e o local mais sagrado do judaísmo, além de em outros locais em Jerusalém Oriental.

O Hamas havia ameaçado Israel com uma nova escalada militar se as forças israelenses não se retirassem da Esplanada.

Israel considera Jerusalém sua capital, incluindo a parte leste, cuja anexação não recebeu reconhecimento internacional. Os palestinos reivindicam essa parte da cidade como capital do Estado que buscam criar na Cisjordânia e em Gaza.

Até este sábado, Israel já havia realizado mais de 600 ataques aéreos em Gaza. Palestinos dispararam mais de 1.600 foguetes em direção ao sul de Israel e para o centro do país.

Os intensos combates provocaram alerta internacional de que a situação poderia ficar fora de controle, e as perspectivas de um cessar-fogo parecem ser escassas neste momento.

Netanyahu: "Esta operação continuará"

"Eu disse que cobraríamos um preço muito alto do Hamas e das outras organizações terroristas. Estamos fazendo isso, e vamos continuar com muita força", disse o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu na noite de quinta-feira. "A última palavra não foi dita e esta operação continuará enquanto for necessário para restaurar a tranquilidade e a segurança do Estado de Israel".

Mas ele também disse que Israel está lutando em "duas frentes" - referindo-se aos recentes confrontos violentos de rua entre cidadãos israelenses judeus e israelenses árabes ou palestinos dentro de Israel.

Muitas cidades israelenses "mistas" viram um surto sem precedentes de tumultos, destruição de propriedade e ataques violentos - por indivíduos e grupos israelenses de extrema direita e por árabes-israelenses. A violência levou à imposição do toque de recolher na cidade de Lod, no centro de Israel.

Medo na costa israelense

Na sexta-feira, na cidade de Ashkelon, no sul de Israel e ao norte da Faixa de Gaza, as sirenes de ataque aéreo voltaram a soar, e os frequentadores de um shopping center do bairro correram para o estacionamento subterrâneo. Uma vez lá, barulhos estrondosos ecoaram no subsolo. É o Dome de Ferro (Iron Dome), o sistema de defesa de Israel que intercepta os foguetes disparados de Gaza. Um dia antes, um foguete caiu na rua em frente às lojas, danificando casas e carros.

"É muito estressante", diz Shula Elimelech, "Mas nós seguimos os regulamentos, confiamos nas IDF (Forças de Defesa Israelenses) - e assim, se Deus quiser, tudo ficará bem".

Naquele dia, o padeiro Shmaayah Sassporta preparava o tradicional pão para o sabá, o dia de descanso semanal do judaísmo. "Há muitos anos, faço isso. E não espero que pare tão cedo", diz Sassporta. Ele parece acostumado a viver com a ameaça constante de foguetes lançados de Gaza em direção à cidade litorânea, tanto no passado como no presente.

Mais ao sul em uma pequena moshav (cooperativa rural) perto da cerca de fronteira que separa Gaza de Israel, Anat Partoush, uma professora de yoga, fala com a reportagem por vídeo de uma sala segura - uma espécia de bunker que mandou construir.

Ela se vê confinada à sua casa novamente, assim como no auge da pandemias. Quando as sirenes antiaéreas disparam na área, restam menos de alguns segundos para procurar abrigo antes de um possível impacto de foguete.

"Eu não tenho muito medo, apenas sinto frustração. Temos um abrigo, e o Dome de Ferro também lhe dá alguma ajuda psicológica. Não é agradável ouvir todos os ruídos dos foguetes. Mas eu sei que é temporário também", comenta.

Apoiadora do Likud, ela se diz feliz que o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu ainda esteja no comando. "Não há varinha mágica. Vejo pessoas culpando Netanyahu, e todos são tão espertos, é tão complicado e estou feliz que Bibi Netanyahu não esteja ficando louco".

Partoush espera que países árabes, como os Emirados Árabes Unidos ou o Bahrein - com os quais Israel normalizou recentemente as relações - possam ajudar a restaurar a calma e encontrar uma solução a longo prazo. Mas ela também se diz certa de que, enquanto o Hamas governar Gaza e nenhuma solução política estiver à vista também em Israel, não haverá nenhuma perspectiva de calma e muito menos de paz.

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