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O que deve acontecer com Trump e o trumpismo?

Donald Trump e Melania Trump deixaram a Casa Branca 4 anos antes do que gostariam - BBC
Donald Trump e Melania Trump deixaram a Casa Branca 4 anos antes do que gostariam Imagem: BBC

Anthony Zurcher

Da BBC News

23/01/2021 11h02

Donald Trump embarcou no avião presidencial Air Force One pela última vez na quarta-feira (20). Enquanto a música My Way, de Frank Sinatra, ecoava pelos alto-falantes da Base Conjunta de Andrews, vizinha a Washington, o então futuro ex-presidente decolava para sua nova casa na Flórida.

Embora ele tivesse acabado de prometer a um pequeno grupo de apoiadores que voltaria "de alguma forma", o futuro de Trump - e do movimento político que ele construiu para sua vitória em 2016 - é nebuloso.

Apenas dois meses atrás, ele parecia prestes a se consolidar como uma força poderosa na política americana, mesmo depois de sua derrota em novembro. Ele ainda era amado pelos republicanos, temido e respeitado pelos políticos do partido e visto de forma positiva por quase metade dos americanos, de acordo com pesquisas de opinião pública.

Mas, na sequência, Trump passou dois meses mergulhado em alegações infundadas de fraude eleitoral e rixas com funcionários do próprio partido em estados-chave. Sem sucesso, fez campanha para dois senadores republicanos no segundo turno das eleições da Geórgia e instigou uma multidão de apoiadores que levariam a cabo um ataque sem precedentes ao congresso dos EUA.

Ele então sofreu impeachment (pela segunda vez) em votação bipartidária na Câmara dos Deputados e poderá, se for condenado também no Senado, ser permanentemente proibido de concorrer a um cargo público.

Ao longo de sua carreira de cinco anos na política, Trump conseguiu se livrar de apuros políticos que teriam afundado muitos outros. Ele foi declarado morto mais vezes do que Freddy Krueger. No entanto, ele sempre pareceu inafundável. Um submarino em um mundo de barcos a remo.

Pelo menos até agora.

Privado de seus poderes presidenciais e silenciado por redes sociais, ele enfrenta desafios preocupantes, tanto jurídicos quanto financeiros. Ele ainda conseguirá planejar um retorno político bem-sucedido? Como será o exílio em Mar-a-Lago, seu resort na Flórida? E a quem as dezenas de milhões de americanos que o apoiaram poderão recorrer?

Uma base sólida

Nos dias que se seguiram ao motim no Capitólio dos Estados Unidos, o índice geral de aprovação pública de Trump caiu vertiginosamente para a casa dos 30% - um dos mais baixos de toda a sua presidência.

À primeira vista, os números indicariam que suas futuras perspectivas políticas haviam sido mortalmente feridas.

Trump discursa a apoiadores antes de embarcar no avião presidencial pela última vez, no dia 20 de janeiro - GETTY IMAGES - GETTY IMAGES
Trump discursa a apoiadores antes de embarcar no avião presidencial pela última vez, no dia 20 de janeiro
Imagem: GETTY IMAGES

Um mergulho mais profundo, no entanto, mostra um quadro menos terrível para o ex-presidente.

Embora democratas, independentes e alguns republicanos moderados estejam contra ele, sua base parece intacta.

"Não acho que o que estamos vendo sugira que ele perca relevância política e ressonância", disse Clifford Young, presidente de relações públicas do instituto de opinião pública Ipsos nos Estados Unidos.

"Qualquer um que diga isso está se enganando. Ele ainda tem uma base significativa."

Muitos partidários de Trump acreditam plenamente na afirmação do ex-presidente de que a eleição foi roubada por democratas e republicanos em diferentes estados.

Após relatos em veículos conservadores de que o ataque ao Capitólio fora instigado por esquerdistas e antifas, eles descartam as evidências que levaram à prisão de vários militantes de direita e ativistas pró-Trump.

Gary Keiffer, por exemplo, é um ex-democrata de 67 anos de Beckley, na West Virginia, que votou em Trump em 2016 e 2020. Ele diz que o ex-presidente está certo em levantar questões sobre a eleição, suspeita que ativistas de esquerda estavam por trás do ataque ao Capitólio, ainda apoia totalmente o ex-presidente e espera que ele concorra novamente em quatro anos.

"Ele fez muito pelo nosso país", diz Keiffer.

"Nunca vi um presidente fazer tanto quanto fez e perder uma eleição. E ele não perdeu uma eleição."

Trump pode ter muitos problemas, mas a lealdade de sua base - as pessoas que vão aos comícios e compram bandeiras e placas com a sigla Maga ("Make America Great Again", ou "fazer os EUA grandes de novo") - não é um deles.

Divisão no partido

Donald Trump concorreu à presidência como um forasteiro, desafiando lideres do partido republicano.

Para Trump, os diretores e rivais de seu próprio partido, contrários à indicação presidencial, eram tão parte do que ele chamava de "pântano" quanto os políticos democratas.

Com sua vitória, no entanto, Trump se tornou o próprio establishment republicano - e todos, exceto os anti-trumpistas mais radicais - acabaram se curvando à sua vontade.

Eles se dobraram, de acordo com Liam Donovan, um lobista republicano e ex-estrategista de campanha do Senado, porque foi este o caminho tomado pelo partido.

Trump, por exemplo, nomeou altos funcionários do partido republicano, como a presidente do Comitê Nacional Republicano Ronna McDaniel. E no nível estadual e local, funcionários do partido são produndamente trumpistas.

"Os líderes do partido em nível estadual são os ativistas, não a elite", diz Donovan. "Os soldados são os republicanos radicais, e os republicanos radicais são a base e o núcleo duro de Trump. Ele os converteu totalmente."

Quando as controvérsias surgiam - violência após uma marcha nacionalista branca na Virgínia, gravações de crianças imigrantes chorando por causa da política de separação de famílias do governo, uso de gás lacrimogêneo e força bruta em protestos do Black Lives Matter perto da Casa Branca, impeachment por pressionar o presidente da Ucrânia por ajuda política e um sem-número de tuítes agressivos - a resposta padrão dos políticos republicanos era esperar que a tempestade passasse.

Nas semanas finais da presidência de Trump, entretanto, as rachaduras começaram a aparecer.

Donald Trump fala com o líder republicano do Senado, Mitch McConnell (à esquerda) - GETTY IMAGES - GETTY IMAGES
Donald Trump fala com o líder republicano do Senado, Mitch McConnell (à esquerda)
Imagem: GETTY IMAGES

Antes que a multidão pró-Trump invadisse o Capitólio dos EUA, em 6 de janeiro, o então líder da maioria no Senado, Mitch McConnell, alertou que os esforços do presidente em minar a confiança nos resultados das eleições presidenciais de 2020 ameaçavam colocar a democracia norte-americana em uma "espiral de morte".

Após a violência na invasão, seus assessores indicaram que ele estava "satisfeito" com os esforços da Câmara dos Deputados para o impeachment do presidente por incitação à insurreição - uma votação em que 10 políticos republicanos, incluindo um membro da liderança republicana, romperam as fileiras partidárias contra o agora ex-presidente.

No início desta semana, McConnell fez comentários mais diretos sobre o motim, dizendo que a multidão foi "alimentada com mentiras" e "provocada" por Trump e outras pessoas poderosas.

Os movimentos de McConnell são o sinal mais claro de que pelo menos alguns republicanos estão procurando separar o partido de Trump.

Outros, no entanto - como os 138 republicanos da Câmara que votaram para contestar os resultados da votação presidencial da Pensilvânia após a rebelião no Capitólio, ou os 197 que votaram contra o impeachment de Trump - mantêm poio ao ex-presidente.

"O presidente Trump ainda é o líder do Partido Republicano e do movimento América Primeiro", tuitou o congressista republicano Matt Gaetz, da Flórida, um apoiador leal de Trump, na quinta-feira.

Na verdade, diz Donovan, os republicanos na Câmara refletem melhor o centro de gravidade do partido, visto que, ao contrário do Senado, eles têm que se candidatar a eleições a cada dois anos.

Se McConnell e a alta liderança republicana quiserem romper com Trump, isso poderá fragmentar o partido.

Uma revolta corporativa

Durante décadas, o Partido Republicano funcionou como uma espécie de uma fusão entre interesses conservadores e empresariais.

Os últimos comemoraram a defesa do partido de impostos mais baixos e regulamentação reduzida, e toleraram o apoio dos primeiros a proibições ao aborto, iniciativas pró-liberdade religiosa, direitos ao porte de armas e outras questões culturais polêmicas.

A presidência de Trump e seus esforços para expandir a coalizão republicana incluindo também os brancos da classe trabalhadora por meio de políticas anti-imigração e anti-livre-comércio colocaram pressão sobre esta aliança.

Em 2018, funcionários e diretores destes negócios pró-republicanos tenderam para o lado dos democratas.

Então, após o motim do Capitólio, a barragem quebrou.

Uma série de grandes empresas - incluindo Walmart, JPMorganChase, AT&T, Comcast e Amazon - anunciaram que estavam suspendendo suas doações políticas ou retirando o apoio especificamente de políticos republicanos que apoiaram o desafio de Trump aos resultados da eleição presidencial.

As grandes empresas podem, assim que as águas políticas se acalmarem, retornar aos seus padrões normais de doação, diz Donovan, ou podem decidir que seus interesses não se alinham mais claramente com um Partido Republicano em dívida com Trump.

"Isso demorou muito para acontecer", diz Donovan. "Já ultrapassamos o ponto em que os empresários dão apoio exclusivamente a republicanos."

As contribuições corporativas representam apenas parte do financiamento do Partido Republicano, mas a velocidade e a severidade da mudança pegou muitos conservadores desprevenidos.

E os movimentos mais recentes podem instigar mais esforços por parte dos líderes do partido - aqueles que prestam atenção aos dólares e de onde eles vêm - para rejeitar as políticas de Trump e seu estilo de política.

A questão evangélica

Se a ala corporativa do Partido Republicano está contemplando uma ruptura com o trumpismo, os conservadores podem não estar muito atrás.

O forte apoio evangélico a um homem com dois divórcios, alegações de múltiplos casos amorosos e personalidade intempestiva sempre pareceu contraditório, mas os conservadores religiosos mantiveram o presidente em 2020, mesmo quando os moderados se retiraram.

Isso pode ser explicado em parte arte pela habilidade de Trump em preencher mais de 200 vagas em tribunais federais, incluindo três cadeiras na Suprema Corte, ao longo de seus quatro anos, com figuras conservadoras.

Em termos de políticas, o governo Trump avançou com uma agenda social que também era popular entre os conservadores cristãos.

Lutou contra limitações religiosas em tribunais e ajustou regras, como as de saúde reprodutiva em leis federais de saúde, a favor dos conservadores.

Fieis oram em janeiro de 2020 em encontro de evangélicos por Trump na Flórida - GETTY IMAGES - GETTY IMAGES
Fieis oram em janeiro de 2020 em encontro de evangélicos por Trump na Flórida
Imagem: GETTY IMAGES

Com Trump fora do poder, no entanto, alguns evangélicos podem estar repensando seu apoio.

"A violência praticada pelos apoiadores de Trump que atacam o Capitólio é uma anti-epifania", escreveu a ministra anglicana Tish Harrison Warren. "É obscura e baseada em inverdades. Os símbolos da fé - o nome de Jesus, a cruz e a mensagem - foram cooptados para servir os objetivos de culto ao trumpismo."

Ela prossegue e culpa líderes religiosos nos Estados Unidos por permitirem que o desejo de poder político turvasse sua bússola moral - e disse que um acerto de contas dentro da comunidade religiosa está próximo.

Deeana Lusk, assistente jurídica de Derby, Kansas, diz que a fé é importante em sua votação e que Trump não foi sua primeira escolha nas primárias republicanas de 2016. Mesmo assim, ela votou nele nas eleições gerais daquele ano e em 2020.

No entanto, se Trump decidir concorrer novamente, ela diz que definitivamente vai procurar outras possibilidades.

"A verdade é que ninguém é perfeito", diz ela. "Mas existem milhares de candidatos por aí que apoiariam a liberdade religiosa e acho que, no final das contas, vamos atrás desse candidato."

Vida sem Trump

Existe, é claro, a possibilidade de que Trump - apesar de seus protestos e promessas - desapareça da cena política.

Conversas sobre novos partidos políticos, novos impérios de mídia e novas campanhas presidenciais podem perder fôlego.

Ou, eventualmente, pelo menos 17 republicanos no Senado podem vir a se juntar aos 50 democratas na condenação do ex-presidente por acusações de insurreição e bani-lo de cargos públicos.

Este resultado não está fora do reino das possibilidades.

Mesmo se sobreviver ao impeachment, Trump enfrenta alguns desafios jurídicos mais concretos.

Promotores de Nova York estão investigando seus pagamentos à estrela de cinema pornô Stormy Daniels.

A Geórgia está analisando seu telefonema pressionando o secretário de Estado Brad Raffensperger a "encontrar votos" na eleição de novembro.

E promotores federais podem revisar as palavras e ações de Trump em relação do ataque ao Capitólio.

Ele também terá muito trabalho para manter seu império de negócios, já que precisa lidar com receitas em declínio devido à pandemia do coronavírus e à sua rejeição entre muitos americanos.

As empresas de Trump devem centenas de milhões de dólares em empréstimos com vencimento nos próximos anos e o Deutsche Bank, seu credor mais confiável, recentemente o abandonou como cliente.

Trump International Hotel em Washington - GETTY IMAGES - GETTY IMAGES
Trump International Hotel em Washington
Imagem: GETTY IMAGES

Em outras palavras, um renascimento político pode ter baixa prioridade nos dias que virão. Nesse ponto, Trump, o homem, se separaria do trumpismo como um movimento.

"Acho que isso o relegaria novamente ao status de celebridade e elite da mídia com opiniões sobre política", disse Lauren Wright, cientista política da Universidade de Princeton.

Ela acrescenta que pode ser difícil para outro republicano vestir o manto político de Trump e levá-lo adiante.

"Acho que o que torna Trump diferente não é a mensagem da política, é a forma como ele a embalada, e isso vem de um conjunto de habilidades de entretenimento, que por sua vez vem de um histórico de showbusiness", diz ela.

"Um político tradicional não pode atuar da mesma maneira."

Para que o trumpismo seja um sucesso, os republicanos terão que encontrar outra celebridade - ou voltar aos valores republicanos tradicionais de candidatos anteriores como Mitt Romney e John McCain.

Donovan não está tão certo de que os republicanos possam - ou mesmo queiram - voltar no tempo.

"O que Trump provou é que ser um escravo de tudo o que a ortodoxia conservadora diz que não é necessariamente vantajoso", diz.

Trump discursa em comício nas eleições - GETTY IMAGES - GETTY IMAGES
Trump discursa em comício nas eleições
Imagem: GETTY IMAGES

Trump foi contra o livre comércio, a imigração aberta e uma política externa agressiva, e foi um crítico fervoroso de cortes em benefícios sociais.

Outros políticos republicanos podem decidir que Trump provou que a heterodoxia não é tão arriscada.

"Muitas pessoas estão brincando com diferentes coisas que Trump fez", diz ele, "mas não acho que alguém tenha descoberto a receita ainda."

Eles podem não ter que descobrir, no entanto.

Por que, mesmo depois de todos os eventos dos últimos dias, Donald Trump pode ainda não ter terminado.

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