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Na Venezuela, Guaidó se declara presidente no lugar de Maduro. É golpe?

O deputado oposicionista Juan Guaidó e o presidente venezuelano Nicolás Maduro - Arte/UOL
O deputado oposicionista Juan Guaidó e o presidente venezuelano Nicolás Maduro Imagem: Arte/UOL
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Alex Tajra

Do UOL, em São Paulo

23/01/2019 20h11

Diante de uma das maiores manifestações da história recente da Venezuela, nesta quarta-feira (23), o presidente da Assembleia Nacional da Venezuela, de maioria opositora, Juan Guaidó se declarou "presidente encarregado" em Caracas. Por meio da televisão estatal, Nicolás Maduro acusou a oposição de continuar uma "agenda golpista".

Quem tem razão? Para especialistas ouvidos pelo UOL, não há um golpe de Estado em curso, uma vez que a maioria da comunidade internacional e uma parcela dos venezuelanos não reconhecem a legitimidade de Maduro. O líder bolivariano, porém, argumenta que seu mandato é apoiado nas eleições que ocorreram em maio. Veja os argumentos:

Guaidó não executa um golpe de Estado, pois:

  • As eleições em que Maduro saiu vencedor não foram legítimas, já que diversos atores da oposição foram presos ou proibidos de participar
  • 54% dos eleitores não compareceram nas eleições de maio de 2018
  • Seguindo essa lógica, as últimas eleições venezuelanas não foram válidas e a Constituição diz que, na falta do presidente eleito, assume o presidente da Assembleia Nacional - no caso, Guaidó
  • Maduro é ilegítimo e não cumpre ritos democráticos, já que dissolveu a Assembleia Nacional quando não tinha maioria

Para Maduro, ele é vítima de um golpe, já que:

  • Seu mandato é legítimo, uma vez que ele foi o vencedor das eleições de 20 de maio de 2018
  • Ele ganhou com 67% dos votos - Henri Falcón teve 20% e Javier Bertucci teve 10%
  • Houve seis candidatos na disputa
  • A participação na eleição foi baixa, porque o voto não é obrigatório na Venezuela

O que dizem os acadêmicos

Para o professor de Relações Internacionais da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), Maurício Santoro, a perspectiva do golpe de Estado está diretamente relacionada à posição sobre as eleições realizadas em 2018. "Se você achar que as eleições foram democráticas, justas e limpas, é evidente que questionar um resultado nas urnas é um golpe. Mas uma quantidade enorme de atores políticos internacionais e da própria Venezuela não consideram o pleito legítimo", diz Santoro ao UOL.

"Eu colocaria mais como um contexto de crise do que um golpe. Não descreveria dessa forma porque há uma contestação muito crível da legitimidade das eleições, grande parte da sociedade venezuelana não aceita o resultado. Acredito que é uma questão mais profunda.", explica Santoro, argumentando que a ascensão de Guaidó não está ligada somente a derrocada de Maduro, mas também a uma segmentação da oposição venezuelana.

O deputado de 35 anos é o político mais jovem a ocupar o cargo de presidente da Assembleia Nacional da Venezuela, parlamento suprimido por Maduro e que deu lugar à Assembleia Constituinte, acusada de ser aparelhada pelo chavismo. Guaidó vem de uma linha menos radical dentro da Mesa da Unidade Democrática (MUD), bloco de partidos de oposição ao presidente venezuelano. Por conta desse posicionamento no espectro da oposição, o nome do deputado não é consenso.

Nomes conhecidos da oposição, entretanto, declararam apoio a Guaidó. Julio Borges, Henry Ramos Allup e María Corina Machado foram alguns dos políticos que se colocaram ao lado do atual presidente da Assembleia Nacional. 


"O grande foco de ação da oposição tem sido a Assembleia, da qual Guaidó é o presidente. Ele é jovem, representa interesses diferentes de outras figuras da oposição. A geração mais velha e que fazia frente a Maduro foi presa ou exilada, todos da oposição foram duramente reprimidos. Maduro ainda não teve tempo ou interesse em ir atrás de Guaidó", diz Santoro.

Numa avaliação legalista, onde a Constituição é respeitada e o Estado subordinado aos valores democráticos, a participação de Guaidó nos protestos e sua "autoproclamação" como presidente poderiam ser avaliados como golpismo. Mas, a Venezuela já, há tempos, vive um Estado de exceção. Essa é a avaliação de Paulo Velasco, também da UERJ. "É um panorama diferente, outros governos não reconhecem Maduro, a própria Assembleia o declarou um usurpador do poder", diz Velasco.

Para o professor, a saída menos traumática do imbróglio, pela parte de Nicolás Maduro, seria aguardar e fazer uma "avaliação dos riscos". "Ele tem duas saídas que podem ser muito traumatizantes. Uma delas seria reprimir, pela força, os protestos e manifestações na Venezuela. Isso seria negativo porque poderia respaldar uma ação internacional militar dentro do país, de países latinos com o apoio dos Estados Unidos. Outra possibilidade é Maduro mandar prender Guaidó, o que é exatamente o que a oposição mais quer. Pode ser outro argumento para uma intervenção militar", argumenta Velasco.

Militares: os fiéis da balança

Os professores ouvidos pelo UOL convergem numa questão: a fidelidade do Exército da Venezuela será um peso imprescindível para a permanência de Maduro no poder. A militância chavista, outrora parruda, se desgastou com a crise econômica instaurada no país após a morte de Hugo Chávez e a ascensão de Maduro. De certa forma, os militares são, neste momento, o grande pilar que equilibra o governo do mandatário.

"Será o fim do governo se os miliares não derem mais apoio a Maduro", diz Velasco. "Já faz alguns anos que os militares são os fiéis da balança no governo, ocupando cargos importantes nas estatais, altos cargos políticos.", explica o professor.

A avaliação de Velasco é que Guaidó deu um tiro certeiro ao promulgar, em seu discurso de "juramento" como presidente, uma proposta de anistia aos miliares que resolverem abandonar seus postos e se unir á oposição. "Isso pode ser uma sinalização aos militares de que o barco de Maduro está afundando. Muitos deles temem represálias por parte do governo, por isso não mudam de lado. Por esse lado, os militares podem abraçar essa ideia de anistia de Guaidó."

"Hoje o apoio político de Maduro é dos militares. Ele já perdeu as ruas, que estão com a oposição, ele perdeu apoio internacional, inclusive na vizinhança. Os militares foram muito cortejados durante o chavismo, com altos cargos, aumentos salariais, promoções, inflação de generais. Mas já tivemos episódios de rebelião, e podemos ter um cenário de militares apoiando a oposição e deixando seus cargos", diz Maurício Santoro. 

Os argumentos de Maduro

Por meio do veículo estatal Telesur, o governo rebateu as acusações sobre a ilegitimidade de seu mandato. Em um texto intitulado "Ilegítimo por quê? 10 dados que desmontam essa teoria sobre Nicolás Maduro", o veículo venezuelano faz uma ampla defesa de Maduro e classificou parte da oposição venezuelana como "não democrática". 

O texto ainda critica o vice-presidente dos Estados Unidos, Mike Pence, afirmando que "em uma atitude desesperada, o próprio vice-presidente dos EUA viu-se obrigado a convocar as pessoas pessoalmente para as manifestações de 23 de janeiro, devido a incompetência dos dirigentes opositores."

 Entre os argumentos utilizados para defender Maduro, estão a realização de eleições presidenciais em maio de 2018, "isto é, antes de 10 de janeiro de 2019, momento em que, de acordo com os artigos 230 e 231 da Constituição, expira o mandato presidencial de 2013-2019". Segundo o governo, a baixa aderência à eleição está relacionada com o voto não obrigatório, já que na Venezuela o "voto é um direito, não um dever". 

O governo afirma ainda que "Foi a oposição venezuelana que solicitou o adiantamento das eleições. Elas foram realizadas em maio e não em dezembro, como era tradicionalmente o caso, porque foi a oposição que solicitou."

Em relação aos argumentos sobre a suposta falta de oposição no pleito, Maduro afirma que "dezesseis partidos políticos participaram no concurso eleitoral: (PSUV), (MSV), (Tupamaro), (UPV), (Podemos), (PPT), (ORA), (MPAC), (MEP), (PCV), (AP) ), (MAS) (Copei) Esperança para Mudança e (UPP89). Na Venezuela, não é obrigatório que todos os partidos políticos participem nos processos eleitorais. Eles têm todo o direito de decidir se querem ou não participar, precisamente porque o nosso sistema é democrático."

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