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Parlamento português debate orçamento e pode derrubar governo socialista

27/10/2021 10h35

O primeiro-ministro socialista António Costa, que governa Portugal há seis anos em aliança com dois partidos de extrema esquerda, o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista Português, pode perder o apoio nesta quarta-feira (27) na votação do projeto de lei do orçamento de 2022. Deputados das duas siglas aliadas decidiram votar contra a proposta, assim como partidos de oposição. Caso o orçamento seja rejeitado na Assembleia da República, Portugal poderá enfrentar eleições legislativas antecipadas.

Para forçar os deputados a buscar um compromisso, o presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, foi taxativo. "A minha posição é muito simples: ou há orçamento, ou haverá dissolução" do Parlamento, insistiu Rebelo de Sousa na segunda-feira (25). Na avaliação do presidente de centro-direita, o orçamento de 2022 é um instrumento essencial para dinamizar a economia portuguesa, por contar com verbas concedidas pelo plano de recuperação da União Europeia para superar a crise da Covid-19.

Em Portugal, o chefe de Estado não tem poder executivo, mas uma das prerrogativas constitucionais mais importantes do presidente é a possibilidade de dissolver o Parlamento e convocar eleições legislativas antecipadas quando há grave crise política.

"Faremos tudo para chegar a um acordo, mas não o faremos a qualquer custo", reagiu o primeiro-ministro António Costa na terça-feira (26). O socialista descartou a ideia de renunciar ao cargo e disse que tentaria a reeleição com seu partido, caso uma nova votação seja inevitável. 

Nesta quarta-feira (27), durante a manhã, o ministro das Finanças português, João Leão, defendeu que o país "não quer nem precisa voltar aonde não foi feliz". Para o ministro, o governo apresentou "propostas que permitem avanços significativos nos desafios estruturais com os quais a sociedade portuguesa se defronta", como a demografia, o combate às desigualdades ou a resposta às alterações climáticas. "Tudo isto sem retirar, sem cortar, sem regredir em tudo o que foi garantido e conquistado desde 2016", afirmou o titular das Finanças.

Disputa para recuperar direitos trabalhistas

Mas as discussões em torno do orçamento de 2022 esbarraram na vontade da esquerda radical de revogar as disposições do código do trabalho herdadas da época da "troika" de credores, formada por União Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional. Em troca do plano internacional de resgate concedido a Portugal em 2011, após a crise financeira de 2007-2008, o governo de centro-direita da época aceitou medidas de austeridade que tiveram impacto sobre os salários, pensões de aposentadoria e direitos trabalhistas. 

Em 2015, quando assumiu o poder, o socialista António Costa selou uma aliança sem precedentes com o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista, que o apoiaram em seu primeiro mandato sem entrar no governo ou formar uma coalizão formal como a que governa a vizinha Espanha. Naquele momento, a esquerda portuguesa se uniu para virar a página da política de austeridade implementada pela direita em troca do plano internacional de resgate. Atualmente, esta frágil união de esquerda - conhecida pelos portugueses como "geringonça" - começou a ruir após as eleições do outono de 2019.

Vencedor do pleito, mas faltando oito cadeiras para ter a maioria absoluta no Parlamento, Costa dispensou a negociação de novos acordos que garantissem a estabilidade até as eleições legislativas marcadas para o final de 2023, preferindo negociar o apoio parlamentar necessário caso a caso.

Um ano atrás, o orçamento de 2021 foi aprovado por pouco graças à abstenção da coalizão comunista-verde e de um pequeno partido animalista.

Pior cenário possível

O risco de um impasse orçamentário se materializou desta vez quando o Partido Comunista, seguindo os passos do Bloco de Esquerda, anunciou na segunda-feira a sua intenção de votar contra o projeto do governo, acusando-o de não o fazer o suficiente para aumentar o poder de compra dos portugueses ou para assegurar o financiamento de serviços públicos.

Os ex-aliados se acusam mutuamente pelo fracasso das negociações, apontando para a intransigência do campo adversário no cálculo das aposentadorias ou no aumento do salário mínimo. No entanto, o cenário de eleições legislativas antecipadas não favorece nenhuma das forças presentes, exceto a extrema direita que espera confirmar o avanço obtido nas eleições presidenciais de janeiro passado.

Para se distanciar do poder socialista, a esquerda radical arrisca projetar Portugal no pior cenário possível, com o primeiro-ministro e o presidente tendo que gerenciar uma crise política, enquanto a crise da saúde perdeu intensidade, mas não acabou.

Na outra ponta do espectro político, à direita, os dois partidos conservadores também foram pegos de surpresa pela possibilidade de enfrentar rapidamente novas eleições. Em meio a disputas internas, eles terão de acertar os ponteiros entre o final de novembro e o início de dezembro.

(Com informações da RFI e AFP)

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