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Política tradicional tem que parar de ser chata, diz estudioso do populismo

5.dez.2019 - O cientista político italiano Giuliano Da Empoli, autor do livro "Os engenheiros do caos" - Brigite Baudesson/Editora Vestígio/Divulgação
5.dez.2019 - O cientista político italiano Giuliano Da Empoli, autor do livro "Os engenheiros do caos" Imagem: Brigite Baudesson/Editora Vestígio/Divulgação
do UOL

Bernardo Barbosa

Do UOL, em São Paulo

08/12/2019 04h00

Resumo da notícia

  • No livro "Os engenheiros do caos", o cientista político Giuliano da Empoli fala sobre como o populismo chegou ao poder em vários países
  • O autor explica o que chama de "carnaval populista", no qual há uma subversão do que antes era considerado bom ou visto como autoridade
  • Já os "engenheiros do caos" são os estrategistas que souberam usar a tecnologia para colocar a insatisfação popular a serviço de suas agendas
  • Em entrevista ao UOL, Da Empoli diz que a política tradicional precisa entender a importância das emoções dos eleitores

Na era das redes sociais, a disputa política deixou de ser um embate de propostas e passou a ser movida pela capacidade de engajamento e agitação — e os líderes populistas souberam usar isso a seu favor. A tese é do cientista político italiano Giuliano da Empoli, cujo livro "Os engenheiros do caos" (Ed. Vestígio), sobre o avanço do populismo, será lançado no Brasil nesta segunda-feira (9).

No livro, Da Empoli destrincha o que chama de "carnaval populista", no qual tudo aquilo que era visto como autoridade é subvertido pelo ódio ou pelo escárnio. Ele conta a história dos "engenheiros do caos", estrategistas que se valem da raiva dos eleitores com as instituições tradicionais e usam instrumentos das novas tecnologias (avalanche de dados, possibilidades de segmentação) para colocar a insatisfação popular a serviço de suas agendas.

Entre os exemplos citados no livro de políticos que ganharam poder deste jeito estão o presidente Jair Bolsonaro (sem partido); o presidente dos EUA, Donald Trump; o premiê britânico, Boris Johnson; o ex-ministro italiano Matteo Salvini; e o também italiano Beppe Grillo, fundador do partido Movimento 5 Estrelas.

Em entrevista ao UOL, Da Empoli defende que não há bala de prata para conter o avanço do populismo, mas afirma que políticos e partidos tradicionais precisam deixar de ser chatos e entender a importância das emoções dos eleitores. As reações ao populismo serão tema de seu próximo livro, "The Antidote" ("O antídoto", em tradução livre), que deve sair no ano que vem na França.

Da Empoli foi conselheiro do ex-premiê italiano Matteo Renzi (2014-2016) e é o CEO do centro de estudos Volta. Leia os principais trechos da entrevista.

UOL - O que não se enxergou sobre a ascensão populista? Ela foi tão repentina quanto parece?

Giuliano da Empoli - A raiva estava liberada, mas não tinha uma tradução política. As pessoas sentiram que perderam o controle de suas vidas: crise financeira, crise dos refugiados [na Europa]. Estes novos empreendedores políticos usam essa raiva a serviço de sua própria agenda.

No seu livro você fala de como características que eram defeitos passaram a ser consideradas qualidades em políticos.

O establishment [ordem estabelecida] político não tem mais credibilidade. Assim, não ter experiência passou a ser considerada uma coisa boa. Criar escândalos, teorias e fake news, desafiando a realidade, se tornou sinônimo de liderança. Toda vez que o establishment grita, de alguma forma valida o outsider. Tudo isso é uma reversão completa de hierarquia e de objetivos políticos. O carnaval político precisa entreter.

Esta parece ser a descrição de uma armadilha. Como desmontá-la?

Obviamente, você não pode ignorar por completo as provocações de nacional-populistas, especialmente quando eles estão no poder. Mas, se você entende que elas são parte de uma técnica para atrair atenção e determinar a agenda, você pode focar em elaborar seus próprios argumentos e ideias, e tentar focar o debate neles, em vez de cair na armadilha de constantemente reagir a provocações.

5.dez.2019 - Capa do livro "Os engenheiros do caos", de Giuliano Da Empoli - Divulgação - Divulgação
Capa do livro "Os engenheiros do caos"
Imagem: Divulgação

A verdade é chata?

A verdade é chata e não é boa. Ninguém quer ouvir pessoas dizendo que não há alternativas, e isso é uma reação ao fato de que os partidos tradicionais estão cada vez mais parecidos entre si. Quando enfim alguém diz coisas completamente diferentes, quem não está feliz vai atrás disso. A principal promessa de todo populista é punir o velho establishment. Salvini, Trump e Bolsonaro fazem isso o tempo todo.

Como combater políticos que não jogam pelas regras que vinham sendo usadas?

Ninguém desenvolveu até agora um antídoto, não há uma bala de prata. A primeira coisa é entender que eles mudaram as regras do jogo. O "carnaval" é a expressão de problemas como a situação da representatividade. Os partidos tradicionais se tornaram cada vez mais chatos e parecidos entre si. Os partidos e o mainstream [corrente convencional] político precisam deixar de ser chatos e restritos mentalmente por modos antigos de pensar.

Na política newtoniana, todos viam mais ou menos a mesma coisa. Agora, todo mundo vê coisas diferentes. Os populistas entenderam isso muito bem.

Em seu livro, o que Da Empoli chama de política newtoniana tem como base uma analogia com a física newtoniana, que "descrevia um universo mecânico, regido por leis imutáveis, no qual certas causas produziam certas consequências". Assim, da mesma forma que a física quântica tem "partículas cujo comportamento é extremamente imprevisível", na política quântica "cada observador determina sua própria realidade."

Isso nos leva à pergunta sobre qual é o papel da tecnologia para a ascensão do populismo.

Os engenheiros do caos do nacional-populismo usam na política o mesmo mecanismo do Facebook e do YouTube: a única coisa que importa é o engajamento. Eles não querem ter um programa; querem o máximo engajamento e excitação.

E mesmo se houver uma aparente contradição entre grupos, eles mobilizam esses grupos por razões diferentes. Isso não poderia ser feito há 15 ou 20 anos. Isso é fundamentalmente novo. Os engenheiros do caos polarizam, agitam grupos marginais, e conseguem formar uma maioria.

A regulação da tecnologia não é a resposta fundamental. Não acho que seja o caso de uma resposta técnica, mas de uma resposta política e cultural.

Você enxerga alguma reação ao populismo?

Nós estamos começando a ver algumas reações. Alguns exemplos são a primeira-ministra da Nova Zelândia, Jacinda Ardern; o Partido Verde alemão; e o movimento suíço Operation Libero. Todos eles estão inovando no engajamento com a população.

Mas a questão fundamental é como a democracia evolui em um mundo em que você tem respostas e serviços instantâneos, exceto na política. É muito difícil competir com smartphones. O nacional-populismo soube responder a isso. E não é só violência e medo, há também diversão, entretenimento.

Você foi conselheiro do ex-primeiro-ministro italiano Matteo Renzi. O que faria de diferente em relação ao populismo?

Uma coisa é ter mais empatia. Todo mundo quer reconhecimento e respeito, e não alguém que vai ficar dizendo como elas deveriam ser. E acho que não houve respostas satisfatórias à crise dos refugiados. Tentamos dar respostas racionais que não satisfizeram os sentimentos das pessoas. O nacional-populismo entendeu que o sentimento é tão ou mais importante do que os elementos racionais.

Os sentimentos não são necessariamente ruins. Para combater o nacional-populismo, é necessário usar a racionalidade e ativar sentimentos de uma forma positiva. A eleição de Obama nos EUA já faz um tempo, mas é um exemplo de conteúdo, estilo e uso da tecnologia.

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