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Número de ações na Justiça ligadas ao clima sobe quase 9 vezes em 5 anos

Greta Thunberg com outros ativistas no dia da decisão do TEDH (Tribunal Europeu dos Direitos Humanos) - Christian Hartmann/Reuters
Greta Thunberg com outros ativistas no dia da decisão do TEDH (Tribunal Europeu dos Direitos Humanos) Imagem: Christian Hartmann/Reuters
do UOL

Antoniele Luciano

Colaboração para Ecoa

09/05/2024 04h00

As mudanças climáticas ocupam cada vez mais a pauta nos tribunais brasileiros. De acordo com um levantamento do Juma (Grupo de Pesquisa Direito, Ambiente e Justiça no Antropoceno), da PUC-Rio (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro), o número de ações relacionadas ao clima ajuizadas no país aumentou quase nove vezes em um intervalo de apenas cinco anos. Os casos no Judiciário passaram de 8, em 2017, para 70, até setembro de 2023.

Esse crescimento é maior, inclusive, que o aumento da litigância climática observado globalmente. No mundo todo, segundo a plataforma do Sabin Center for Climate Change Law, o incremento no ajuizamento dessas ações foi de quase 2,5 vezes em um intervalo de tempo equiparável ao do estudo brasileiro. Em 2017, por exemplo, eram 884 casos, e no final de 2022, cerca de 2.180 registros.

Recentemente, o mundo voltou os holofotes para o assunto quando, em uma decisão considerada histórica por ambientalistas, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos julgou que a falta de ações adequadas contra as mudanças climáticas pode constituir uma violação dos direitos humanos. Na ocasião, a corte decidiu a favor de um grupo de idosas suíças que argumentaram que os esforços inadequados do governo do país para combater as mudanças climáticas as colocaram em risco de morrer durante as ondas de calor.

História da litigância climática

De acordo com o Juma, os primeiros casos surgiram ainda nos anos 1990, em países do Norte Global, em especial os Estados Unidos e a Austrália. A partir da década de 2010, eles passaram a ser verificados também no chamado Sul Global. O Brasil aparece como um dos países com mais casos judiciais envolvendo mudanças climáticas no mundo, ocupando o primeiro lugar no ranking dos países do Sul Global.

Nesse cenário, Distrito Federal (21), São Paulo (8), Rio Grande do Sul (8), Amazonas (7) e Pará (6) são as unidades federativas que mais concentram processos envolvendo clima. Apesar de o bioma com mais menções ser a Amazônia, Caatinga, Cerrado, Mata Atlântica, Pampa e Pantanal também integram as demandas litigiosas.

Sociedade civil em alerta

As disputas brasileiras têm envolvido assuntos como políticas públicas ambientais e climáticas, desmatamento e licenciamento ambiental, ampliando, muitas vezes, a discussão de questões de caráter ambiental para discussões sobre as mudanças climáticas. "A medida de mitigação das mudanças climáticas costuma ser a mais abordada, mas ações que discutem responsabilidade civil por dano climático e avaliação de riscos climáticos também têm crescido", diz Juliana Chermont Lopes, mestre em Direito pela PUC-Rio e pesquisadora do Juma.

Ela assinala que o Ministério Público e a sociedade civil, por meio de organizações não-governamentais, têm encabeçado a maioria dessas ações contra o poder público e, em alguns casos, contra a iniciativa privada também. A pesquisadora considera que o engajamento da sociedade civil, que já alcançou o MP em termos de autoria de ocorrências, não indica uma maior consciência sobre a urgência climática, mas um reflexo da dificuldade de debater essas questões junto ao poder público. "Vemos um crescimento das ações durante a gestão do governo Bolsonaro, não tem como não falarmos disso. Isso talvez aponte para o fechamento de um diálogo entre a sociedade civil e governo, para outros modelos de pressão política extrajudiciais e que acabam desaguando no Judiciário", analisa.

Jovens contra "pedalada climática"

Foi nesse contexto que seis jovens ambientalistas, integrantes dos movimentos Engajamundo e Fridays For Future Brasil, decidiram processar o governo brasileiro em 2021. Eles buscavam anular a NDC (Contribuição Nacional Determinada) do Brasil para o Acordo de Paris, meta apresentada pelo então presidente Jair Bolsonaro em 2020.

Na época, a medida do governo ficou conhecida como "pedalada climática" porque incluiu uma mudança no dado das emissões de 2005, alterando a base de comparação. Desta forma, permitia que o Brasil aumentasse suas emissões de gases de efeito estufa em 400 milhões de toneladas em 2030.

A iniciativa também abria um precedente internacional perigoso para conter o aquecimento global, no caso de outros países decidirem seguir o exemplo da manobra brasileira. "Os números da NDC foram modificados de forma desonesta, mas mostramos que a juventude está de olho, entende sobre a pauta e está pressionando os líderes para preservar a nossa existência", avalia Daniel Holanda, do Fridays For Future Brasil.

A batalha judicial contra a União só teve fim em 2023, por meio de uma conciliação com o atual governo. Apesar de ver o acordo como uma vitória importante, Holanda entende que a judicialização é uma medida extrema. "O ideal é que pudéssemos priorizar a educação sobre clima e política voltadas ao tema", pondera.

Contra o "leilão do fim do mundo"

Diretora-executiva do Instituto Internacional Arayara, Nicole Figueiredo de Oliveira avalia que as disputas envolvendo clima também sinalizam para uma política de Estado, e não apenas de governo, em desacordo com as recomendações do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas).

Foi em meio a esse cenário que o Arayara entrou na Justiça com uma ação civil pública contra a ANP (Agência Nacional de Petróleo) em 2023. O objetivo foi impedir o leilão de mais de 600 blocos de exploração de petróleo e gás em áreas que consistem em unidades de conservação, territórios quilombolas, terras indígenas e ambientes recifais e manguezais.

A venda desses blocos, realizada por meio do 4º Ciclo da Oferta Permanente, foi chamada pelo instituto de "leilão do fim do mundo", uma vez que colocou sob ameaça bacias sedimentares no Amazonas, Espírito Santo, Paraná, Pelotas, Potiguar, Santos, Sergipe, Alagoas e Tucano, totalizando de mais de 183 mil quilômetros quadrados em terra e mar. Na área, há 11 blocos sobrepostos a montes oceânicos, como montes submarinos do arquipélago de Fernando de Noronha, classificados em 2001 como Patrimônio Natural Mundial da Unesco.

O Arayara preparou estudos para mostrar à ANP o impacto socioeconômico e de biodiversidade relacionado a essas explorações. Mas, sem negociação com a agência, o instituto recorreu à via judicial para barrar as ofertas. Dos 602 blocos oferecidos, 70 foram a litígio. Apenas sete foram adquiridos por empresas interessadas.

Como a ação proposta pelo instituto perdeu o objeto, ou seja, a maioria dos blocos ofertados não foi vendida, as áreas voltaram a ficar disponíveis para outros leilões. Nicole avalia que, ainda que a ação não tenha ido a julgamento, o resultado foi positivo. "As empresas deixaram de adquirir blocos naquela oferta, por saberem que teriam problemas para usar a área, por causa do litígio. Do ponto dos investidores, isso também é ruim para eles", pontua.

Resultados com trabalho em rede

O advogado Paulo Busse, que representa o OC (Observatório do Clima), avalia que mais cidadãos comuns estão se interessando pela pauta climática, mas que os processos judiciais, mesmo quando trazem pessoas físicas em sua autoria, também costumam estar ligados a entidades da sociedade civil, como o próprio Observatório. Somente entre 2020 e 2023, por exemplo, a entidade atuou diretamente com 23 litígios climáticos, oferecendo suporte técnico e legal a outros grupos.

Esse trabalho em rede, enfatiza Busse, ajuda a reforçar a legitimidade das ações e a monitorar o andamento dos processos. "Isso costuma ter um resultado mais efetivo do que apenas com um grupo de pessoas físicas porque as entidades têm técnicos em mudanças climáticas e todo um conhecimento acumulado na área do meio ambiente e estratégias jurídicas que ajudam a encontrar o melhor caminho", argumenta.

No âmbito das decisões, o advogado observa que o Judiciário tem se mostrado favorável à causa do clima. Ele cita como importante nesse movimento as decisões já obtidas junto ao STF (Supremo Tribunal Federal), como o julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 708 em 2022, que tratou sobre a liberação do Fundo Clima para mitigar impactos das mudanças climáticas. A ação foi proposta por quatro partidos políticos (PT, PSOL, PSB e Rede), alegando que a União estava sendo omissa na gestão do fundo bilionário. Em voto histórico, o relator do caso, ministro Luís Roberto Barroso, equiparou os tratados de direitos ambientais, como o Acordo de Paris, aos tratados de direitos humanos. "Isso se tornou uma jurisprudência importante e é resultado direto das nossas litigâncias", argumenta Busse.

Decisões históricas no STF

Coordenadora de Políticas Públicas do Observatório do Clima, Suely Araújo acredita haver uma tendência global para judicialização dos casos, devido à urgência da crise climática e seus eventos cada vez mais extremos. E o Brasil, aponta ela, não fica atrás nesse cenário. "As decisões consideram muito o Artigo 225 da Constituição Federal, que trata sobre o direito de todos a um meio ambiente equilibrado, que inclui o clima", analisa a especialista, ao chamar a atenção ainda para a existência de uma "tríade" de ações no STF sobre o assunto.

Ela sinaliza que, além da ADPF 708, do Fundo Clima, foram movimentos igualmente importantes a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 59, que conquistou em 2022 a reativação do Fundo Amazônia, paralisado no primeiro ano do governo Bolsonaro; e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 760. Nesse último processo, a ministra Cármen Lúcia determinou, também em 2022, que o governo federal retomasse o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia. Em todos esses casos, os litígios foram propostos por partidos políticos e redes e organizações da sociedade civil.

Errata: este conteúdo foi atualizado
Diferentemente do que foi publicado inicialmente, o levantamento foi realizado pelo Juma, que é o Grupo de Pesquisa Direito, Ambiente e Justiça no Antropoceno da PUC-Rio (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro), e não pela Juma Consultoria e Pesquisa Ambiental. O erro de edição foi corrigido.

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