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Andrés Serrano, o fotógrafo que passou de 'blasfemo' a abençoado pelo papa

25/04/2024 10h09

O fotógrafo americano Andrés Serrano causou um escândalo no final da década de 1980 com seu "Cristo da urina", um trabalho para o qual ele mergulhou um crucifixo em urina e sangue. 

Quase 40 anos depois, outra de suas obras acaba de entrar para as coleções do Vaticano. 

Até mesmo o papa Francisco deu sua bênção em junho passado, explica o artista com orgulho à AFP. 

"Fui convidado para ouvir e conhecer o papa na Capela Sistina, durante o 50º aniversário da coleção de arte contemporânea do Vaticano", explicou ele em uma entrevista durante sua visita a Paris. 

Filho de um hondurenho e uma cubana, nascido em Nova York há 73 anos, Serrano sempre se declarou um católico fervoroso. 

Durante a visita, o Vaticano aceitou um trabalho religioso de sua autoria, diz Serrano. "Portanto, sinto que a Igreja aceitou o fato de eu ser um artista, ao contrário da reação nos Estados Unidos, onde a direita religiosa ainda me odeia", diz ele.

- Retrospectiva em Paris -

O Museu Maillol, em Paris, abre no sábado uma retrospectiva de 89 obras de um artista que empreendeu uma tarefa árdua há mais de cinco décadas: retratar da forma mais ampla possível todas as facetas dos Estados Unidos. 

Dividida em dez capítulos, a exposição mostra o olhar sem julgamentos de Serrano sobre seus compatriotas, sejam eles vagabundos, personalidades como Donald Trump, retratado em 2004, homens e mulheres da Ku Klux Klans, gays ou casais heterossexuais nus... E também seus fetiches, como armas, a bandeira ou símbolos religiosos. 

Serrano fotografa seus temas com cores saturadas, mas a pose é neutra. Por outro lado, suas opiniões políticas são claras. 

"Acho que o futuro dos Estados Unidos está sendo escrito neste momento e que é uma repetição da história e, acima de tudo, da guerra civil, e que Donald Trump a reviveu", explica o artista, seis meses antes das próximas eleições presidenciais. 

Serrano não só fotografou o então famoso empresário antes de ele chegar à Casa Branca, como também colecionou inúmeros objetos de Trump, de ursinhos de pelúcia a garrafas de licor, que ele também expõe no Musée Maillol. 

Mas foram sobretudo seus retratos frontais e crus de pessoas com deficiência e nuas, suas séries sobre tortura ou fluidos corporais que lhe trouxeram fama e problemas.

- "Ir muito longe" -

"É engraçado porque, quando fotografo pessoas, geralmente tenho apenas alguns minutos com elas. Então, eu me lembro delas por meio das fotografias. Elas se tornam parte de meu trabalho, parte de minha vida", explica ele. 

"Como eu consigo retratá-las? Porque eles entendem que sou um artista e que minhas intenções são sinceras", diz ele. 

Seu "Cristo da urina" é considerado uma das obras que mais contribuíram para as guerras culturais nos Estados Unidos entre a direita conservadora e a intelectualidade de esquerda, uma luta que continua até hoje. 

"Eu tirei essas fotos em um determinado momento. Eu não as faria novamente, porque já está feito. Os tempos mudaram. E acho que há muitas outras coisas que você pode fazer hoje em dia, e as pessoas (artistas) encontram maneiras de fazer isso. 

"Aprendi que poderia ir muito longe e sinto que isso ainda não é suficiente", acrescenta com um sorriso. 

A polêmica lhe trouxe fama fora do país. Em 2012, ele quis conhecer suas origens cubanas e conseguiu ser convidado para a Bienal de Havana, onde fotografou os interiores decadentes de casas coloniais. 

"Achei triste e, pelo que me disseram, a decadência está ainda pior agora", lembra ele.

jz/zm/dd/fp 

© Agence France-Presse

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