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Em Teerã, só se ouve iranianos que aprovam ataque contra Rushdie

13/08/2022 13h47

No mercado de livros de Teerã neste sábado (13), todos estavam a par da tentativa de assassinato sofrida ontem pelo escritor britânico Salman Rushdie, mas, entre as opiniões sobre o ataque, parecia haver apenas duas posições: apoio ou silêncio.

Mais de três décadas depois da publicação de "Os Versos Satânicos", o livro ainda cheira a enxofre na República Islâmica iraniana, cujo fundador, o aiatolá Rouhollah Khomeini, emitiu uma fátua em 1989 clamando pelo assassinato do escritor.

Em Teerã, ninguém parecia disposto a condenar abertamente o atentado, ao menos em voz alta. Os que se pronunciavam, celebravam o ataque sem hesitação.

"Me alegrou muito ouvir a notícia. Seja quem for o autor [do ataque], beijo sua mão [...] Maldito Salman Rushdie", disse à AFP Mehrab Bigdeli, de 50 anos.

A fátua do aiatolá Khomeini obrigou o autor britânico a viver escondido e sob proteção policial, embora ele tivesse recuperado uma vida relativamente normal há algum tempo.

Na sexta, no entanto, Rushdie foi esfaqueado no pescoço e abdômen durante um evento literário no estado de Nova York, nos EUA, por um homem que já foi preso. Neste momento, o escritor se encontra hospitalizado com respiração assistida.

"Os governos ocidentais gastaram milhões de dólares para protegê-lo, mas os muçulmanos decidiram enviá-lo para o inferno", disse, com um sorriso no rosto, Bigdeli.

Enquanto isso, outras pessoas questionadas pela AFP se negaram a comentar o ataque diante das câmeras, preferindo o silêncio.

- 'Apóstata' -

Nas livrarias da rua Enghelab em Teerã, "Os Versos Satânicos" está proibido, mas não outras obras de Rushdie como "Vergonha", cuja versão em idioma persa foi premiada pelo Estado iraniano em 1985.

Nesta rua, frequentada principalmente por estudantes por sua proximidade com a Universidade de Teerã, há um enorme retrato de Khomeini, que classificou o escritor, nascido no seio de uma família de intelectuais muçulmanos não praticantes na Índia, de "apóstata". 

"Salman Rushdie escreveu um livro e, segundo o imã Khomeini, sua execução estava autorizada porque havia expressado blasfêmias em seu romance. Fiquei feliz com a notícia [do ataque]", garantiu Ahmad, estudante de administração.

Contudo, em um momento de esforço internacional para relançar o acordo nuclear iraniano, cujo êxito poderia significar o fim das fortes sanções que pesam sobre a economia do país, o jovem estudante também deixou transparecer sua preocupação.

"Este incidente pode ter um impacto negativo nas negociações, porque os ocidentais podem considerar a ação como terrorista", ressaltou.

Para Mehrab Bigdeli, no entanto, isso não é muito importante.

"Claro que queremos um acordo, mas apenas se forem respeitadas nossa religião e nossa dignidade. Pouco importa se o acordo iraniano está em perigo, a morte de Salman Rushdie é mais importante", afirmou.

Embora as autoridades do Irã não tenham reagido oficialmente ao ataque contra o escritor, o principal jornal ultraconservador do país, Kayhan, parabenizou o autor do atentado neste sábado.

"Felicitações a este homem corajoso e consciente do dever que atacou o apóstata e depravado Salman Rushdie em Nova York", escreveu a publicação, cujo editor-chefe é designado pelo líder supremo do Irã, o aiatolá Ali Khamenei.

Questionado pela agência de notícias ultraconservadora Fars, o aiatolá Hossein Radai, professor de teologia na Universidade Shahed, também justificou o ataque.

"Uma pessoa que se afasta da religião do Islã [...] se chama apóstata. É alguém como Salman Rushdie, que não apenas rechaçou o Islã, [mas] tratou de insultá-lo. Segundo a jurisprudência, tal apóstata merece a morte", disse.

ap/sk/vl/aoc/eg/rpr

© Agence France-Presse

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