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Jovem pede ajuda na web após nove anos sendo perseguida pelo ex-namorado

Jornalista pede ajuda ao relatar perseguição de ex-namorado - Reprodução
Jornalista pede ajuda ao relatar perseguição de ex-namorado Imagem: Reprodução
do UOL

Colaboração para o UOL

14/04/2021 19h51Atualizada em 15/04/2021 16h50

Beatriz Alencar, de 25 anos, decidiu pedir ajuda na internet depois de nove anos sendo perseguida por um ex-namorado em Americana, no interior de São Paulo.

Em um desabafo publicado em suas rede sociais, a jornalista contou que os episódios de assédio do rapaz incluem desde a criação de perfis falsos na web para espalhar fotos da jovem nua até uma aprovação no vestibular para poder estudar na mesma faculdade que ela, com o intuito de vigiá-la presencialmente.

"Há anos eu não uso redes sociais. Me privei de muita coisa e hoje cansei. Preciso explanar para o mundo para que eu possa viver sem tanta gente vindo me perguntar o motivo de eu estar enviando fotos íntimas minhas para pessoas com as quais nunca conversei", desabafou a jovem na página intitulada "Justiça para Beatriz", no Facebook.

Em entrevista ao UOL, Beatriz explicou que tudo começou em 2012. Ela tinha 16 anos de idade - o homem, 24. Ambos moravam em Americana (SP), no interior do estado de São Paulo, e se aproximaram pelo chat de um jogo on-line.

O bate-papo permitia interações entre pessoas de todo o mundo. Por isso, a jovem ficou surpresa quando descobriu que o jogador do outro lado da tela estava a vinte minutos de distância de sua casa.

"Passamos a nos falar com muita frequência e migramos as conversas para o MSN. A relação virou uma espécie de namoro virtual. Dois meses após o começo do relacionamento, nós nos conhecemos pessoalmente e, quando isso aconteceu, já nos considerávamos namorados. No primeiro encontro, minha mãe estava junto", lembra Beatriz.

Três meses depois, a jovem descobriu que, diferentemente do que havia contado em um primeiro momento, o homem não estava morando em Americana porque queria cursar uma faculdade, e sim para estar próximo de uma namorada que teve antes de Beatriz.

O relacionamento entre ele e a ex havia acabado há cerca de dois anos, mas o rapaz ainda enviava mensagens para ela diariamente. Depois, ela descobriu que o rapaz frequentava sites de conteúdo adulto, inclusive postando imagens de mulheres nuas.

"Ele veio na minha casa, deixou o e-mail logado e eu vi que ele enviava mensagens para ela diariamente. Tempos depois, descobri muitos sites de conteúdo adulto ligados ao nome dele, com fotos de mulheres nuas. Algumas delas eram conhecidas por isso. Em outros casos, percebi que eram imagens muito amadoras. Nas duas situações, ele me disse que sabia que estava errado e que ia mudar o comportamento. Jovem e sem discernimento, eu acreditava", relata Beatriz."

Em um dado momento, o homem passou a pedir que a namorada também tirasse fotos sensuais. De acordo com ela, ele chegava a orientar como queria as imagens - posadas em frente ao espelho, em geral. "Ele me pedia as fotos e eu tirava. Hesitei em várias ocasiões, mas ele me questionava sobre minha confiança nele, e como comprovação de que eu confiava, eu tinha que mandar", lembra a jovem.

Jornalista Beatriz Alencar - Reprodução - Reprodução
Beatriz Alencar publicou pedido de ajuda em rede social
Imagem: Reprodução

Fim do namoro, início da perseguição

O relacionamento entre Beatriz e o homem terminou ainda em 2012, após um episódio em que ele divulgou as primeiras fotos da jovem nua.

A história chegou até um primo, que a comunicou.

"Foi nesse momento que eu percebi que a insegurança que eu tinha quando enviava as fotos para ele não era imaginação minha. Quando o primeiro vazamento de fotos veio à tona (...) eu entendi que não estava louca", conta Beatriz.

Após o término, começou a perseguição. O homem ia até a casa da jovem na tentativa de conversar, mesmo depois de diversas negativas, sempre quando ela estava sozinha na residência.

"O tempo passou e, mesmo quando as perseguições presenciais cessaram, ele continuava me enviando mensagens. Em 2016, eu já tinha sérios problemas psicológicos. Síndrome do pânico, transtorno de ansiedade, depressão, fobia social", lembra.

Em 2013, Beatriz ingressou no curso de jornalismo em uma faculdade particular em Campinas (SP). Foi nessa época que ocorreu um dos episódios de perseguição que mais a assustou.

"Ele me enviou um e-mail dizendo que também havia sido aprovado no mesmo curso, na mesma Universidade, e que, para estar perto de mim, era só questão de querer. Eu duvidei até ler o nome dele na lista de ingressantes. Pouco tempo depois, cheguei a vê-lo no campus em um dia. Eu simplesmente surtei. Ele ameaçava imprimir minhas fotos nua e espalhar pela faculdade. Nessa época, também criou perfis falsos de colegas de sala e até de professores para me adicionar em uma rede social", detalha.

Os episódios também se estenderam às pessoas próximas da jovem. Na faculdade, quando ela iniciou um namoro, o novo companheiro recebeu ameaças de morte do rapaz, que dizia que ele tinha poucos dias para terminar o relacionamento com Beatriz.

Perseguição sem fronteiras

Jornalista Beatriz Alencar (foto 2) - Reprodução - Reprodução
Jornalista Beatriz Alencar, de 25 anos, durante intercâmbio
Imagem: Reprodução

"Depois de a minha família mudar de casa, deu me privar de redes sociais, de não me permitir sequer ter muitos relacionamentos com amigos ou amorosos, decidi tentar um intercâmbio. Quando deu certo, me senti protegida. Pensei: 'Aqui ele não me encontra'. Ele me encontrou", relata.

A viagem aconteceu em 2018. No período, o homem continuou espalhando fotos de Beatriz para amigos, que a avisavam. Além disso, ele conseguiu descobrir o número que ela estava usando em Sydney - cidade australiana que fica a cerca de 13 mil km de Americana.

"Os episódios de homens chegando até mim após receberem minhas fotos, enviadas por ele, foram muitos. Isso mexeu com o meu psicológico especialmente por conta de quem era próximo da minha família e acreditava que aquelas mensagens eram minhas. Era difícil para mim acreditar que aquelas pessoas realmente pensavam que eu seria capaz daquelas atitudes", desabafa.

Além das ameaças, o ex-namorado já enviou mensagens para Beatriz com textos de cunho misógino, gordofóbico e xenofóbico.

O último contato do homem com conhecidos da jovem, para divulgar suas fotos, aconteceu há cerca de um mês, apesar de já existir um inquérito em curso sobre o caso.

Sob sigilo

A investigação do caso ocorre sob sigilo na Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) de Americana.

"O sigilo é porque envolve a imagem de uma adolescente. Quando as fotos da Beatriz foram divulgadas, ela tinha 16 anos", esclarece Paulo Sarmento, advogado da jovem.

A defesa tenta fazer com que o homem responda pelos artigos 241 A e E, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), e 218 C, do Código Penal que condena a divulgação de imagens pornográficas de crianças e adolescentes mesmo depois que eles completam a maioridade.

O UOL tentou contato com o ex-namorado de Beatriz, sem sucesso. Familiares dele também foram contatados pela reportagem, mas se negaram a falar.

A Polícia Civil segue em busca do homem mas, até o momento, não o localizou.

Nova lei criminaliza 'Stalking'

Um ato publicado no Diário Oficial da União no dia 1º de abril tipifica o crime de perseguição, também conhecido como stalking. A Lei Nº 14.132, de 2021 altera o Código Penal (Decreto-Lei Nº 3.914, de 1941).

"Antes dessa mudança, a perseguição não era um crime, mas uma contravenção penal. Molestar alguém ou perturbar sua tranquilidade tinha como pena a prisão simples de 15 dias a dois meses ou multa. Ou seja, uma penalidade muito branda", pontua a advogada e membro do Coletivo Mulheres pela Justiça, Manoela Santos, que atua em defesa de mulheres vítimas de violência doméstica.

Na avaliação dela, o endurecimento da penalidade para quem comete o crime de perseguição é positiva, pois tende a ser um incentivo para que as mulheres denunciem essas situações.

"Como a mulher poderia antes se sentir protegida ao fazer uma representação, tendo em vista que o perseguidor dela ficaria, no máximo, dois meses preso - podendo até pagar uma multa e ser liberado?", argumenta.

Apesar da nova lei, o advogado de Beatriz lembra que a punição não vale para crimes passados.

"O crime de stalking entrou em vigor recentemente. É uma lei de 2021, e o direito penal nunca retroage para prejudicar alguém. Se ele continuar a perseguindo daqui por diante, pode-se vir até a enquadrar em perseguição, não na questão da divulgação de imagens dela nua, mas pelos contatos por telefone, e-mail, redes sociais, dentre outros", pontua Sarmento.

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