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Pesquisadores brasileiros participam do Cartas com Ciência, projeto que estimula troca de correspondência com estudantes nos países de língua portuguesa

16/05/2021 07h30

Comunicar ciência de uma forma acessível, incentivar crianças a chegarem ao ensino superior e fortalecer a língua portuguesa. São objetivos que se complementam dentro do projeto Cartas com Ciência, iniciativa que promove um verdadeiro intercâmbio acadêmico e cultural entre pesquisadores e estudantes dos países que falam Português.

Caroline Ribeiro, Lisboa

Quando a bióloga Anaclara Pincelli soube do projeto, não teve dúvidas de que queria participar. "É uma vontade de não conversar só entre cientistas e a gente está vendo o quão importante isso é, de a Ciência não ficar só com ela mesma", explica.

Doutoranda em Ciências Biomédicas na Universidade de São Paulo, a bióloga começou a se corresponder com uma adolescente de 13 anos de São Tomé e Príncipe. "Ela me contou das comidas que tem em São Tomé, perguntou se eu conhecia esses pratos. Perguntou se eu era médica, então foi bem interessante comentar que eu não faço esse trabalho de assistência, como médicos e enfermeiros, mas que, de certa forma, posso contribuir para a tomada de decisão na área da saúde. Em cada bloco de cartas, temos sugestões de temas que podemos aprofundar, contei um pouco do percurso que eu tive, como foi para chegar onde estou, foi muito legal".

Para se tornar um cientista correspondente é preciso estar no meio acadêmico, sendo pesquisador ou professor, e todos passam por um treinamento. "Por um lado, é para eles ficarem inteirados de como funciona o Cartas com Ciência e porque o projeto é importante. E é também para dar algumas ferramentas e sugestões de como escrever as suas cartas em uma linguagem acessível, que as crianças consigam compreender", explica Rafael Galupa, co-fundador da iniciativa.

Cada estudante passa um ano letivo se correspondendo com o mesmo cientista. Para acertar nas duplas, são levadas em conta as áreas de interesse de cada um. "No início do ano letivo, os estudantes preenchem um questionário em que escolhem, numa lista de palavras, alguns tópicos científicos. Os cientistas escolhem esses mesmos tópicos, que estão relacionados à pesquisa que fazem. Às vezes há empate e como perguntamos o que as crianças e cientistas gostam de fazer nos tempos livres, usamos isso para desempatar", conta o responsável.

Fundado há apenas um ano, o projeto já conta com 500 cientistas cadastrados e com cerca de 100 estudantes de escolas participantes em São Tomé e Príncipe, Timor-Leste e Portugal, mas o objetivo é chegar a todos os nove países de língua portuguesa. "No próximo ano letivo, em setembro, vamos começar em Cabo Verde e Angola, possivelmente em Guiné-Bissau. Na chegada do ano letivo do hemisfério Sul, no início de 2022, pensamos em organizar a primeira turma no Brasil", diz Rafael Galupa.

Para Judá Lobo, professor do Instituto Federal do Paraná, que se corresponde com uma estudante de 13 anos de São Tomé e Príncipe, o projeto se torna ainda mais relevante no contexto atual do Brasil. "A questão da Ciência no nosso país hoje tem um apelo político muito forte. A minha impressão é de que a Ciência no Brasil não é exatamente um valor. Claro que existem Universidades, comunidades científicas, mas talvez elas tenham ficado fechadas demais por muito tempo. Participar é muito importante, como cientistas e politicamente como cidadãos brasileiros", afirma.

O Cartas com Ciência é inspirado em um projeto americano. No cenário da lusofonia, em que cinco dos nove países falantes de português estão na lista dos menos desenvolvidos da ONU, a iniciativa quer reforçar a nossa língua como ferramenta de desenvolvimento social. "Reforço muito nas cartas que falamos de lugares tão diferentes, tão distantes, culturas tão diferentes, mas unidos pela língua portuguesa. É uma língua de oportunidades para nós e para eles", diz Judá Lobo.

Segundo a organização, para 90% dos alunos que participam é a primeira vez que entram em contato com um pesquisador científico e mais da metade deles, até então, nunca tinham escrito ou recebido uma carta.

"É emocionante e gratificante saber que nós influenciamos a vida futura de muitas crianças. Sabermos que podemos contribuir para que uma criança consiga fazer a sua escolha. Por isso que me emocionei ao receber a minha primeira carta da minha amiga por correspondência", diz a bióloga Agnes Novela, professora da Universidade Pedagógica de Maputo, em Moçambique, que troca cartas com uma menina da cidade de Coimbra, em Portugal.

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