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Alemanha está despreparada para combater o crime organizado

Anabel Hernández (ca)

11/12/2019 11h12

A criminalidade organizada é global e não conhece fronteiras, mas alguns países carecem de instrumentos para combatê-la. É um absurdo que nações não se unam para enfrentar juntas esse problema, escreve Anabel Hernández.Como outros países da Europa, a Alemanha sofre ataque constante de vários grupos do crime organizado transnacional que se dedicam principalmente ao narcotráfico, introduzindo toneladas de drogas ilegais em território alemão, bem como grandes quantidades de dinheiro ilícito para que seja lavado na economia legal do país.

Ao contrário de países na América Central e na América do Sul, na Europa o crime organizado geralmente não é violento, não mata pessoas, não queima mulheres, bebês e crianças em seus veículos, não explode bombas. Ele não se deixa perceber; por não ser visível, há pouca consciência sobre sua periculosidade. A Espanha e a Holanda, por exemplo, vivem as consequências disso; a Alemanha também.

Uma das regiões onde a presença de tais organizações criminosas cresceu de maneira preocupante é a Renânia do Norte-Vestfália, um dos 16 estados alemães. Como na Espanha e na Holanda, um dos fatores que o tornam "atraente" é sua localização geográfica e seu desenvolvimento econômico.

O estado é vizinho à Holanda, um dos principais produtores de metanfetaminas do mundo, e à Bélgica. Através do rio Reno, ele tem conexão direta com o porto de Antuérpia. Sua forte economia produz mais de um quinto do PIB alemão e concentra mais de 17 milhões de habitantes, o que representa um mercado consumidor em potencial para os traficantes de drogas. Segundo fontes ligadas à Justiça e à segurança pública, é por essa região que a maior parte das drogas entra na Alemanha.

Em 2013, a Europol havia identificado 3,6 mil grupos de crime organizado na Europa; em 2018, a agência detectou ao menos 5 mil. O Relatório Mundial sobre Drogas, publicado em 2019 pelas Nações Unidas, informou sobre uma pesquisa realizada em 73 cidades da Europa, focada na análise de urina em busca de sinais de anfetaminas, cocaína, ecstasy e metanfetaminas.

Segundo os resultados do estudo, na Alemanha foi detectado o maior uso de metanfetaminas, ao lado de Holanda e Bélgica. As três cidades com maior consumo foram Erfurt, Chemnitz e Dresden.

Como outras nações da União Europeia, a Alemanha não possui instrumentos para combater organizações criminosas que traficam e distribuem drogas no país e efetuam operações de lavagem de dinheiro.

Quando, em 2011, a 'Ndrangheta, da Calábria, na Itália, assassinou seis pessoas em Duisburg, na Renânia do Norte-Vestfália, acendeu-se um sinal de alerta que ao longo dos anos se tornou um sinal vermelho. Foi um ajuste de contas entre clãs que operam na Alemanha.

Naquela época, as autoridades asseguraram que não haviam detectado "nenhuma atividade mafiosa". Hoje, o secretário de Justiça do estado, Peter Biesenbach, junto a promotores e autoridades policiais, tem como missão enfrentar organizações criminosas que operam em seu território: italianas, mexicanas e turcas, entre outras.

Chama atenção dos investigadores o fato de que, quando conseguem deter "testemunhas colaboradoras", estas se mostram abertas a falar sobre as operações da 'Ndrangheta, mas quase nunca dos cartéis mexicanos, porque mesmo entre os criminosos eles são considerados os mais violentos. Através dessa difusão do terror, os cartéis mexicanos crescem mais rapidamente. Principalmente o Cartel de Sinaloa, que é o mais antigo e mais experiente nesse ramo criminal.

No início de novembro, Biesenbach e uma equipe de colaboradores participaram em Palermo, na Sicília, de um grupo de trabalho antimáfia, chefiado pelo procurador-geral Roberto Scarpinato. Este é membro do primeiro pool mundial de especialistas criado na Itália nos anos 1980 para lutar de maneira especializada contra uma forma de crime organizado que eles chamavam de "máfia" e que estava se expandindo na Sicília, confrontando o Estado, assumindo o controle do cotidiano de seus cidadãos, distorcendo os valores sociais.

De acordo com conversas informais com membros da delegação alemã, Berlim tem três desvantagens para lidar com esse tipo de crime organizado: do ponto de vista cultural, é difícil para os alemães entenderem como são e como operam essas organizações.

O crime de associação criminal foi introduzido na legislação apenas em 2017, mas faltam outras reformas legais que facilitem a investigação dessas organizações. Há escassez de instrumentos legais mais fortes para a investigação de suas operações e de seu patrimônio: faltam interceptação e infiltração.

Outro fator negativo para o combate legal a essas organizações criminosas é que a lei criminal alemã é feita para punir crimes cometidos por indivíduos, não pelo crime organizado.

Crime organizado investe em países com menos riscos legais

Na década de 1980, o Estado italiano criou uma lei de "prevenção patrimonial" que permite confiscar bens quando há suspeita de origem ilegal, sem a necessidade de provar um crime específico. A legislação permite o confisco de bens quando se evidencia uma desproporção entre o patrimônio e os lucros declarados ao Fisco.

Segundo investigações da Justiça italiana, desde a adoção dessa lei, organizações criminosas como 'Ndrangheta, Cosanostra e La Camorra não deixam mais ativos ilegais na Itália, porque há uma alta probabilidade de serem confiscados.

É por isso que esses capitais migram para outros países, como a Alemanha, onde há falta de conhecimento do problema, de legislação correspondente e de treinamento específico de agentes da lei. São ativos sangrentos cuja geração custou milhares de vidas humanas no México, mas também são capitais perversos que só conhecem as regras de seus próprios benefícios sem nenhuma ética, consciência ou responsabilidade social.

Nos dois anos em que me aprofundei no modelo italiano de combate ao crime organizado, comparando-o também com outros esforços, incluindo o americano, o estilo italiano de enfrentar a máfia aparece, certamente, como um modelo que demonstrou sua eficácia: prenderam e condenaram centenas de membros de grupos mafiosos, mas também políticos, servidores públicos, comerciantes, empresários e profissionais que se aliaram a tais grupos do crime organizado.

Mas o modelo chega a um limite, o mesmo enfrentado pelo México, Espanha e Holanda: o crime organizado é global, não conhece fronteiras, interage rompendo barreiras.

O crime organizado transnacional sabe como se conectar globalmente, compartilhando seus ativos, infraestrutura e capital para crescer junto e contornar as fronteiras nacionais. É um absurdo que países do mundo não se unam pelo menos numa base continental para enfrentar essa ameaça com uma política comum e meios legais coordenados, compartilhando inteligência, infraestrutura e recursos.

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Autor: Anabel Hernández (ca)

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