Topo
Notícias

América Latina foi seduzida por caudilhos, diz escritor chileno Roberto Ampuero

29/05/2024 12h37

O povo da América Latina deixou-se seduzir pelos caudilhos e terminou mal, afirma o escritor e político chileno Roberto Ampuero em entrevista à AFP, cujo último livro se debruça sobre a vida de um homem forte, o alemão Erich Honecker. 

"Nunca voltarei a Berlim" conta a história do homem que liderou a Alemanha Oriental comunista desde o início dos anos setenta até quase a queda do Muro de Berlim, do qual foi seu construtor, e que passou seus últimos dias exilado no Chile, ainda sem entender como seu país se voltou contra ele, segundo Ampuero.

No livro, o ex-chanceler chileno, na sua juventude comunista e agora liberal, fala de líderes fortes que marcaram os povos da América Latina aproveitando-se da fragilidade das instituições democráticas.

PERGUNTA: Neste livro você retrata Erich Honecker, mas antes escreveu sobre outros homens fortes. O que lhe interessa nesses personagens e como você vê o papel deles na América Latina? 

RESPOSTA: O que me assombra, especialmente na América Latina, é como as nossas vidas (...) foram marcadas e definidas por homens fortes ou ditadores ou caudilhos, quando o que deveria ter definido as nossas vidas é o que queríamos ser, em um marco democrático absoluto.

No caso da Venezuela, quantos foram marcados para sempre? Por Hugo Chávez ou por Nicolás Maduro. Quantos em Cuba? Eles estão sob a ditadura há 65 anos. Todas as suas vidas e circunstâncias foram marcadas por um irmão (Fidel Castro) ou outro irmão (Raúl). 

O nosso povo muitas vezes se deixou seduzir pelos caudilhos e no final acabou muito mal (...) E isso é terrível, porque é uma restrição quase feudal (...) É doloroso.

P. Quais características da América Latina facilitam o surgimento dessas lideranças?

R. O fracasso das nossas repúblicas, pelas fragilidades da nossa democracia e pela responsabilidade da classe política, mas também os cidadãos, que votam (...). Essa ainda é a realidade na América Latina, a falta de instituições políticas sólidas. 

São homens fortes que seduziram povos inteiros e os levaram, inclusive com cantos de sereia, a aprovar constituições que acabaram sendo cadeados, dos quais não podem mais escapar. 

É por isso que a separação de poderes é tão importante, (...) democracia representativa, direitos individuais, liberdades individuais. Nada disso pode ser tocado por qualquer Constituição, porque o quantitativo não pode prevalecer sobre o que é essencialmente humano.

P. Como surgiu 'Não voltarei a Berlim', romance coral sobre o líder da ex-RDA, cujo falecimento completa 30 anos nesta quarta-feira?

R. Tive três reuniões, não pessoais, com Honecker e ele me interessou como figura. A primeira, muito jovem e depois do golpe de Estado de Augusto Pinochet - cheguei a morar na Alemanha Oriental. 

A segunda, eu já morando no Ocidente, em Bonn, onde era correspondente, a agência de notícias italiana me disse (...) para relatar o que estava acontecendo lá. Tive que presenciar tudo isso que aconteceu, que terminou com a queda do muro. 

E a terceira, quando voltei ao Chile, em 1993, Honecker chegou ao Chile, destituído, velho, doente. É quando eu digo: 'esse homem está me perseguindo'. Ele está me pedindo um livro. Fiquei com isso na cabeça por muito tempo e de repente saiu.

P. Este romance encerra a trilogia que começou com "Nossos Anos Verdes Oliva", sobre sua vida na Cuba comunista, e "Atrás do Muro", sobre suas experiências na ex-RDA. O que você estava interessado em contar?

R. Há assuntos que estão em aberto, como quando há conversas pendentes entre um casal ou entre amigos (...). Há coisas às quais é preciso voltar, seja para restabelecer a amizade ou o relacionamento ou simplesmente para ter tranquilidade consigo mesmo.

Vivi a experiência ditatorial dos regimes comunistas que conheci, Alemanha Oriental e Cuba. Então sou muito marcado por isso (...). Acho que muitas coisas deixaram de ser faladas e é interessante voltar a examiná-las.

du/al/mb/aa/mvv

© Agence France-Presse

Notícias