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Barcelona 1992: Jogos Olímpicos de abertura e unidade

21/02/2024 08h57

Após um longo período de controvérsias e conflitos, as Olimpíadas de Barcelona, em 1992, anunciavam um período de abertura e unidade, na sequência de mudanças políticas em todo o mundo no final dos anos 1980 e início dos anos 1990, que permitiram a realização de uma Olimpíada sem boicote, pela primeira vez, desde 1972.

Como foram os Jogos Olímpicos que coincidiram com a unificação da RDA (República Democrática Alemã) e da RFA (República Federal da Alemanha) e o desaparecimento da URSS (União Soviética) e da Iugoslávia? 

Armando Calvo ingressou no Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos de Barcelona em 1987, primeiro como Diretor-geral de Tecnologia e Infraestrutura, depois como Diretor-geral de Operações e, durante os Jogos, como Gerente-geral da Vila Olímpica. Antes de se juntar à equipe olímpica, ele trabalhou para a empresa Sony, na Espanha. Segundo ele, ninguém no Comitê Organizador de Barcelona 1992 tinha experiência na organização de grandes eventos esportivos. 

"O principal desafio era que ninguém da comissão organizadora tinha experiência em organizar um evento tão importante", diz Calvo. "Conversamos com pessoas que trabalharam em outros comitês organizadores, cheguei a morar em Seul por três meses às vésperas das Olimpíadas de 1988 para acompanhar os preparativos. Mas ninguém da nossa comissão organizadora tinha essa experiência", reforça.

"Os Jogos Olímpicos são um evento planejado e preparado com antecedência, que acontece de forma muito descentralizada. Também é desafiador, porque você precisa entender que, uma vez que você envia sua equipe para o campo, tudo o que você planejou acontece de forma caótica. Por isso, é importante confiar na sua equipe e dar-lhes a liberdade para tomar decisões no terreno. Quando algo acontece, por exemplo, no estádio você não tem tempo para consultar seus superiores: o problema tem que ser resolvido em poucos minutos, em poucos segundos. Então, você tem que escolher sua equipe com cuidado", observa. 

A abertura dos Jogos Olímpicos aconteceu em 25 de julho de 1992. O cenário da cerimônia era baseado nos mitos e lendas das façanhas de Hércules, considerado o fundador de Barcelona. 

Os cantores Freddie Mercury e Monserrat Caballé estavam programados para apresentar a música "Barcelona" na cerimônia de abertura, mas devido à morte de Mercury, oito meses antes dos Jogos, uma gravação da dupla foi apresentada naquele 25 de julho. Na cerimônia de abertura, Sarah Brightman e José Carreras interpretaram ao vivo "Amigos Para Siempre", de Andrew Lloyd Webber e Don Black, outra canção emblemática de Barcelona 1992. 

O mascote das Olimpíadas de Barcelona era um filhote chamado Cobi, um cão pastor catalão, cujo nome foi inspirado na sigla COOB'92 - Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos de Barcelona 1992. Cobi foi criado pelo designer valenciano Javier Mariscal. Quanto ao emblema oficial dos Jogos, era representado pela figura abstrata de um homem saltando sobre uma barreira composta por cinco anéis olímpicos, em um desenho do artista de Barcelona Josep Maria Trias. 

 

Como todos os Jogos Olímpicos, a edição de Barcelona não escapou à influência do contexto geopolítico e diplomático. O historiador esportivo Thierry Terret explica que, entre 1989 e os Jogos Olímpicos de 1992, a história se acelerou: o muro de Berlim caiu, o regime comunista chegou ao fim no Leste Europeu, um processo geopolítico ativo ocorreu nos Bálcãs, novas nações independentes foram formadas e adversários recentes se uniram. "Naquela época, as Olimpíadas eram realizadas em Barcelona, ou seja, em um país (Espanha) que não passava por sérias dificuldades geopolíticas, mas o mundo ao seu redor pegava fogo, se reconstruía", diz o historiador. 

As Novas Nações 

Em Barcelona, a Alemanha entrou em campo com uma única equipe pela primeira vez desde a sua reunificação. Armando Calvo conta que a unificação das Alemanhas comunista e capitalista aconteceu sem dificuldades na preparação para os Jogos Olímpicos.? "Lembro que tivemos reuniões com diferentes comitês olímpicos nacionais (NOC, na sigla em inglês). Na época, tive reuniões com representantes dos Comitês da República Federal da Alemanha e da RDA. Mas, no final, tudo correu da melhor forma possível: a certa altura, nos informaram da fusão, e isso não representou quaisquer problemas organizacionais", diz. 

O desafio maior, lembra Calvo, foi o surgimento de novos países no mapa olímpico, após o colapso da URSS e a guerra nos Bálcãs. "Uma guerra estava acontecendo nos Bálcãs e a Iugoslávia havia deixado de existir. Para nós, isso significou a perda de todos os nossos contatos habituais, uma vez que estávamos trabalhando com o Comitê Olímpico Nacional Iugoslavo. E surgiram os Comitês da Croácia, da Eslovênia e da Bósnia e Herzegovina", observa Armando Calvo. 

Segundo o historiador Thierry Terret, para as nações recém-independentes, a existência de um comitê olímpico próprio e a participação nos Jogos Olímpicos foram sinais de reconhecimento em nível internacional. O registro do Comitê Olímpico Nacional de um novo país muitas vezes precedeu a sua legitimação em nível das Nações Unidas. 

Pela primeira vez, Bósnia e Herzegovina, Croácia e Eslovênia foram representadas nos Jogos Olímpicos de 1992 como nações independentes. "Imagine: na época, no início da olimpíada, não tínhamos um hino nacional para Croácia ou Bósnia e Herzegovina. Pedimos a esses países que nos fornecessem uma bandeira e um hino. Só tínhamos a bandeira e o hino da Iugoslávia", recorda Armando Calvo. 

Além disso, Barcelona 1992 foi a primeira edição dos Jogos Olímpicos em que Estônia, Letônia e Lituânia participaram como nações independentes com suas próprias seleções nacionais, após o fim da URSS. Ao contrário das outras repúblicas pós-soviéticas, as nações bálticas conseguiram solicitar o registro de seus Comitês Olímpicos nacionais a tempo, e sua adesão, que havia sido interrompida às vésperas da Segunda Guerra Mundial, foi restabelecida. Como resultado, equipes individuais e delegações de cada um dos três países viajaram para Barcelona. 

Atletas neutros 

A Sérvia, por outro lado, pôde enviar sua delegação para os Jogos Olímpicos com a condição de que os atletas competissem de acordo com a neutralidade olímpica. Armando Calvo, diretor da Vila Olímpica de Barcelona 1992, disse que os organizadores temiam que a guerra nos Bálcãs criasse conflitos entre as delegações. Um lugar especial foi preparado na Vila Olímpica para os atletas sérvios. Mas as interações entre as seleções nacionais da ex-Iugoslávia não foram problema nos Jogos Olímpicos. "Na Vila Olímpica, durante a competição - e posso dizer isso com certeza - não houve problemas. Eu mesmo testemunhei a interação entre os atletas sérvios e croatas, vi como, no refeitório da Vila Olímpica, sérvios e croatas se sentaram lado a lado, na mesma mesa, e não houve problemas", lembra Calvo. 

Os atletas sérvios, por outro lado, não tiveram sua própria bandeira ou seu próprio hino nos Jogos de Barcelona. 

"Do ponto de vista desportivo, lembro que a equipe iugoslava de basquetebol foi selecionada para o torneio olímpico, mas desde que a Iugoslávia desapareceu, a Federação Internacional teve de encontrar um substituto para a equipe iugoslava, que também já não existia. Os sérvios competiram nos Jogos Olímpicos de 1992 como atletas olímpicos independentes, o que significa que competiram apenas em esportes individuais e não nos esportes coletivos. E quando eles entravam no estádio ou ganhavam medalhas, usávamos a bandeira e o hino do Movimento Olímpico", relata Armando Calvo. 

Além disso, durante a guerra nos Bálcãs, o Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos de Barcelona e a população da cidade forneceram ajuda humanitária à população da outra cidade olímpica - Sarajevo, sede dos Jogos de Inverno de 1984. 

A Equipe Unificada 

Em 1991, a URSS entrou em colapso. Nem todos os novos Estados independentes em seu território tiveram tempo de solicitar o registro de seus próprios Comitês Olímpicos. Por isso, o Comitê Olímpico Internacional (COI) tomou uma decisão excepcional: permitir que os países competissem como uma equipe unificada da ex-URSS.

O grupo foi composto por representantes da Armênia, Azerbaijão, Bielorrússia, Geórgia, Cazaquistão, Quirguistão, Moldávia, Rússia, Tajiquistão, Turcomenistão, Ucrânia e Uzbequistão. Nos protocolos oficiais das competições, a equipe era chamada de "EUN", abreviação de Equipe Unificada. A bandeira olímpica foi hasteada para as vitórias dos membros da EUN nos eventos por equipes e a bandeira nacional do país de origem dos atletas foi hasteada quando eles venceram eventos individuais. 

Armando Calvo conta que na cerimônia de abertura, cada equipe (da Equipe Unificada) desfilou com sua própria bandeira, mas na frente dela havia uma bandeira comum - a bandeira Olímpica. "Na Vila Olímpica, toda vez que uma nova delegação chegava, fazíamos uma recepção oficial para dar as boas-vindas aos recém-chegados, fazer um breve discurso, hastear a bandeira do país e ouvir o hino nacional. No caso da ex-URSS, acolhemos uma delegação composta por 12 grupos, cada um representando uma antiga república, cada um com a sua própria bandeira. Em homenagem a esta delegação, hasteamos a bandeira do Movimento Olímpico ao som do hino Olímpico", lembra. 

O Legado Olímpico 

"Nós colocamos Barcelona no mapa-Mundi", diz Armando Calvo, comentando o legado deixado pelas Olimpíadas de 1992. De fato, os Jogos de Verão de Barcelona são frequentemente citados como um exemplo positivo da influência olímpica em uma cidade-sede.

Barcelona se propôs a modernizar e renovar bairros inteiros para o evento. O exemplo mais marcante da transformação urbana olímpica é a área portuária. Foi decidido construir a Vila Olímpica perto da costa; os novos bairros de Villa Olímpica, Poblenou e Fórum criaram de fato uma nova imagem de Barcelona como uma cidade costeira. O antigo porto industrial teve suas águas filtradas e novas praias e áreas de lazer foram criadas. Como resultado, esta área tornou-se residencial e movimentada, além de uma grande atração turística. Barcos turísticos estão atracados no cais construído para as Olimpíadas.

Armando Calvo diz que, desde os Jogos Olímpicos, o fluxo de turistas para Barcelona aumentou consideravelmente, mas ele destaca, particularmente, a importância do turismo marítimo com o aparecimento de navios de cruzeiro no porto de Barcelona. 

Para o próprio Calvo, o principal motivo de orgulho de sua participação na organização e execução dos Jogos Olímpicos de 1992 é a oportunidade de fazer algo de bom para a comunidade. "Entrei para o Comitê Organizador depois de trabalhar em uma empresa privada e, depois da Olimpíada, voltei para o setor privado. Tenho orgulho de ter trabalhado pela cidade. Nunca pensei que na minha carreira profissional teria a chance de trabalhar para pessoas. E no Comitê Organizador, tive a chance de criar algo para o povo de Barcelona. Tenho muito orgulho disso", conclui. 

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