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Lenda do freestyle sobrevivente de chacina, Max B.O. lança disco para Ogum

Rapper Max B.O., que acaba de lançar "Estrada Aberta" - Mottilaa/Divulgação
Rapper Max B.O., que acaba de lançar 'Estrada Aberta' Imagem: Mottilaa/Divulgação
do UOL

Tarso Oliveira

Colaboração para o UOL, em São Paulo

29/05/2024 04h00

Um dos maiores MCs do Brasil e lenda do freestyle, Max B.O. está com álbum novo na rua. "Estrada Aberta" faz referência ao candomblé e principalmente ao orixá Ogum, que, segundo a religião, é responsável por abrir caminhos com a sua espada enquanto guia e protege seus filhos.

O disco conta com participações de Kamau, Magrão All Favela, Ravi Lobo e Ajuliacosta e chega para comprovar a genialidade de Max B.O. em contar histórias sendo um griot que foi escolhido na sua jornada para utilizar a oralidade como ferramenta de comunicação.

O orixá Ogum é definido como um orixá ferreiro e da tecnologia, por isso o artista fez uma analogia com trilhos de trens, que são estradas abertas e um exemplo de tecnologia —e a vida anda nos trilhos quando se é guiado pela proteção religiosa. Max BO relata que escapou de uma chacina na zona norte de São Paulo em 1995 e decidiu por isso —e por outros "livramentos do pai Ogum"— oferecer toda atenção ao seu orixá:

"Depois de morar bastante tempo em São Paulo, resolvi em 2022 me mudar para Camaçari (BA), onde fica o meu terreiro, onde o candomblé preza muito pela prática religiosa, e não o candomblé turístico. E, como minha arte reflete a minha vida, resolvi levar essas questões pessoais ao meu público", conta em entrevista a Splash.

Se você não conhece a caminhada de Max B.O., é um sinal de que você não conhece a complexidade da música rap no Brasil (e tá tudo bem, ninguém nasce sabendo), mas posso te garantir que essa complexidade vai fazer você se apaixonar ainda mais! Quer um exemplo? Na primeira faixa do disco, "Impossível Não Achar Possível", o MC traz versos com rimas "barra pesada", como "mesmo até longe do topo vi que já cheguei no alto" e "mestre nessa jornada que muitos reconheceram, na guerra escolhi palavras e elas me elegeram".

Esses versos retratam a admiração e o respeito que Max B.O. tem pela geração de Rashid e Emicida, que o intitula o verdadeiro mestre na arte da improvisação do Brasil. "Mesmo não sendo um artista de grandes números, o reconhecimento da cena é meu maior sucesso, tipo o Zeca Pagodinho, de quem eu sou fã! Tanto as palavras, quanto as pessoas, ficam no alto para alguns e embaixo pra outros", diz Max.

Fundador do projeto pioneiro Academia Brasileira de Rimas (1999/2000), visto como um marco histórico na cultura hip hop entre becos, vielas e nas batalhas, Max B.O. se tornou um professor na arte da improvisação, a ponto de ele mesmo se exaltar no verso "eu sou tipo o Mussum, aqui é pai de todes".

E aí você pode me perguntar, qual é a importância de todo esse reconhecimento? Eu digo: é fundamental! Porque mesmo não sendo regra, a arte da improvisação é vista com o marco zero para a carreira dos MCs. Max cita que o freestyle pode ser comparado a um jogo de futebol, definindo a rima decorada como o treino e o freestyle como o jogo. Dentro desse "jogo", o MC tem a possibilidade de aumentar o repertório criativo, seu dinamismo, mais desenvoltura silábica, tornando o freestyle um agente facilitador na desenvoltura do MC.

"Na batalha clássica que eu tive com MC Auri em 2005, de que todo mundo lembra com carinho da minha performance, eu jamais chegaria naquelas rimas se tivesse parado pra escrever. O freestyle é a espera do inesperado e isso mostra que a batalha desenvolve o domínio da oralidade."


A música rap sendo trilha sonora do movimento hip hop surgiu no bairro do Bronx, em Nova York, no final dos anos 70. Mas no Brasil o rap conseguiu construir algo único, diferente de tudo que é feito pelo resto do mundo. Esse "frescor" diferente na métrica, no flow e nas rimas possui referências de ritmos populares brasileiros como o samba e o repente. E Max B.O., sendo o único membro do hip hop a integrar a ala de compositores da Vai-Vai e por ter um disco de samba com o grupo Partido B.O., tem propriedade e vivência quando diz que o Brasil é repleto de modalidades de freestyle, como o trio nordestino Marinês e a Sua Gente, que faz versos com uma quantidade maior de sílabas inseridas para encaixar no andamento rítmico do forró pé de serra, ou Aniceto do Império, que utilizava partido alto para se comunicar com o público. Na faixa "Diálogo com a Consciência", ele aborda isso com o verso "tipo o samba de uma nota só, a vida não tem dó, a corda é bamba e o bamba anda sem deixar só"

Em "Azar É Desistir" e "Savana das Questões", a persistência e a resistência por necessidade são colocadas em voga com versos como "resistir é existir" e "enquanto pra alguns tá uma uva, para outros é sem saída ". O artista independente relata as dificuldades que enfrenta na sua caminhada e a obrigação de se manter firme no seu objetivo.

Aliás, a arte sempre foi um objetivo na vida de Max. Além da missão de MC e cantor, o multiartista tem formação em teatro desde dos 11 anos, escreve e interpreta peças, é artista plástico com trampos por meio de colagens analógicas e foi apresentador do clássico programa "Manos e Minas", na TV Cultura nos anos 2000.

"É difícil, não é fácil! Eu vejo a arte como uma escola em que eu posso sair de uma sala e entrar em outra. Um artista como eu vive de arte e não de números! A arte sendo sem fronteiras faz você sair da zona de conforto e ir além do que é premeditado pra você. Principalmente para nós, pessoas negras vivendo na diáspora."
Max B.O.

Sobre as participações em "Estrada Aberta", o músico mencionou que as escolhas foram feitas por meio do reconhecimento, da amizade e da admiração pelos artistas. Kamau —feat que o público pedia com muita ansiedade pra acontecer— por exemplo, é um amigo de longa data desde o tempo das Academias Brasileiras de Rimas. Ravi Lobo é um grande expoente do rap da Bahia e participa da faixa "Bagaça essa Desgraça" com rimas potentes e contestadoras.

A nova geração do rap também esteve presente representada por Magrão All Favela e Ajuliacosta. Uma geração que, para Max, traz um molho diferente para a cena do rap nacional, mesmo com as dificuldades estabelecidas pelos bastidores que transformam os festivais de rap numa verdadeira novela por convidarem sempre os mesmos artistas.

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