Ele é o único habitante de uma ilha isolada da Europa: 'Mais feliz sozinho'
Você é feliz? Eu pergunto na minha última — e principal — dúvida. Ele responde: "Quando você vive sozinho, é mais feliz que no meio das outras pessoas". Salvu Vella tem 72 anos e é o único morador fixo de uma ilha isolada em um dos menores países da Europa: Malta.
Situada no coração do Mediterrâneo, ao sul da Itália e a nordeste da Tunísia, Malta encanta com sua rica história, praias paradisíacas e arquitetura que remonta a milhares de anos com evidências de civilizações antigas como os fenícios, romanos, árabes e cavaleiros templários.
Conhecida pelas águas cristalinas e cênicas paisagens naturais, a ilha de Comino — o tal território de um homem só — é um dos lugares mais famosos para visitar no país. A Blue Lagoon (ou Lagoa Azul), com suas águas azul-turquesa, é um destaque imperdível para nadar, fazer snorkel ou relaxar ao sol.
Apesar de atrair centenas de turistas todos os dias, poucos deles sabem que o homem que é uma espécie de "zelador" da Lagoa Azul reside solitário na modesta ilha de Comino, de apenas 3,5 km².
Salvu é o único remanescente das seis famílias que viveram na ilha. Nascido em Malta, ele se mudou para Comino com apenas uma semana de vida — na época, o destino ainda não havia sido descoberto pelos turistas.
Com o tempo, a população foi minguando. Ele foi o último estudante da única escola que existiu na ilha e também a derradeira pessoa a trabalhar no hotel que havia sido erguido anos atrás — hoje uma construção abandonada.
Ilha histórica no arquipélago
A Ilha de Comino não é apenas um destino de belezas naturais, mas também possui uma rica herança histórica. Durante séculos, serviu como refúgio para piratas e, mais tarde, como base militar estratégica devido à sua posição central no Mediterrâneo. Suas águas testemunharam batalhas navais e foram frequentemente utilizadas por marinheiros para se esconderem dos inimigos.
Hoje, os visitantes podem explorar os vestígios históricos da ilha, como a Torre de Santa Maria, construída pelos Cavaleiros de São João no século 17 para proteger a ilha dos invasores otomanos.
A ilha também serviu como cenário para vários filmes, como "O Conde de Monte Cristo" (2002), estrelado por Jim Caviezel; e "Troia" (2004), com Brad Pitt.
O sobrevivente da ilha
Para chegar na ilha, é necessário embarcar em um ônibus em Malta e viajar por aproximadamente uma hora até o terminal dos ferries na cidade de Cirkewwa. Ali, há travessias regulares de passageiros entre as ilhas, em trinta minutos de percurso.
Não é um trabalho fácil localizar o solitário Salvu — ele não é conhecido entre centenas de turistas que passam na ilha diariamente. Mas, assim que cheguei, consegui algumas informações com comerciantes locais — que voltam para Malta todo fim de dia.
Com base nas pistas obtidas, consegui determinar a direção de sua residência e iniciei uma jornada de quase três horas para finalmente encontrar o personagem central da Lagoa Azul.
Invenções de um autodidata
O morador da ilha trabalhava em um dos seus jipes na garagem de casa quando me apresentei. Desconfiado, mas educado, me recebeu para contar um pouco sobre sua vida.
Ao contrário da imagem de um eremita avesso às tecnologias, Salvu se destaca por uma notável inventividade potencializada pelo aprendizado em vídeos na internet. Ele desenvolveu suas próprias "engenhocas" a partir de conhecimentos adquiridos através de vídeos no YouTube — como ele mesmo diz.
Uma das coisas que me surpreendeu foi um sistema automatizado para movimentar seu barco, utilizando um motor de carro e um controle remoto. " Ao longo dos anos, criei soluções inovadoras, como esse sistema que leva o barco da minha casa até a praia de Santa Maria quando eu quero sair para pescar ou fazer compras na outra ilha, de Gozo", conta.
É um trabalho árduo, especialmente considerando que nunca frequentei a universidade. Todas as ideias nascem da minha própria mente
Tecnologia nas alturas
Depois de algumas horas conversando com ele, enquanto manuseia algumas ferramentas e termina de consertar seu jipe, eu peço licença para conhecer sua casa. Ali, me deparo com uma outra surpresa em um dos quatro cômodos: uma coleção de drones.
Apaixonado pelos aparatos já há alguns anos, Salvu tem 18 drones de estilos, tipos e tamanhos diferentes. E explora os céus de Comino com um entusiasmo juvenil.
A última compra foi o modelo DJI Mavic 3 Pro, avaliado no Brasil em cerca de R$ 30 mil.
Eu uso para hobbie, e sempre mantenho os drones mais antigos, porque fazem parte da história dessa ilha também. São imagens lindas que eu vejo diariamente
É através da sua renda de sua aposentadoria, com anos de serviços prestados à ilha para o governo de Malta, que ele ao longo do tempo foi se estabilizando.
"Minha pensão é vital para a minha subsistência, considerando que toda a ilha pertence ao governo, eu não pago aluguel e vivo bem com o que eu ganho", diz.
Desafio: emergências médicas
Você pode estar se perguntando também qual seria a alternativa caso Salvu precisasse de um auxílio médico, certo? Para o maltês isso nunca foi um problema e, sim, algo que provavelmente ele nunca vai precisar.
É muito tranquilo, se preciso ir ao médico eu uso o meu barco ou então aproveito um dos barcos que vêm até a ilha, assim como do mesmo jeito chegam as minhas compras de supermercados e outras coisas. E se algo urgente acontecer, eu consigo acionar o helicóptero vinculado ao governo
Durante a entrevista, um dos policiais que eu havia cruzado anteriormente para pedir informações aparece em frente à casa de Salvu e lhe entrega algumas correspondências.
"Nós somos os 'Correios' dele, nós pegamos a encomenda em Gozo e trazemos até aqui. Vemos ele quase todos os dias, e o ajudamos no que ele precisar", fala o policial, que trabalha apenas na temporada de verão.
Salvu complementa: "Eu tenho internet, eletricidade, e tudo que precisamos para viver. Há muito tempo atrás, eu tinha muitos animais que produziam alimentos, mas não preciso mais disso".
Apesar de ter tudo o que necessita, ele também enaltece que a vida solitária na ilha fez com que ele nunca conseguisse ter um relacionamento. Quando eu pergunto se isso não faz falta, ele afirma:
Eu tenho muitos amigos, por todos os lugares, e posso visitá-los de barco. Mas nunca me casei, acredito porque não é fácil querer ter o mesmo estilo de vida que eu
É um cidadão ilustre não só para Comino mas também por todo o país, Salvu foi condecorado alguns anos atrás com o título de cidadão honorário concedido pela República de Malta em reconhecimento aos seus esforços contínuos na preservação e cuidado da ilha de Comino.
Para quem desconhece sua história, pode parecer que ele exerce apenas o papel de vigilante da ilha. No entanto, sua verdadeira missão transcende os poucos quilômetros de terra: ele buscou sua própria felicidade.