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Ela deu à luz intubada: 'Meu filho teve sepse, necrose e parada cardíaca'

Michelle conheceu o filho Isaac quase três dias após o parto - Arquivo pessoal
Michelle conheceu o filho Isaac quase três dias após o parto Imagem: Arquivo pessoal
do UOL

De VivaBem, em São Paulo

31/05/2024 04h05

O risco era alto, mas a fisioterapeuta Michelle Inácio Malzoni, 37, conseguiu engravidar e manter a gestação até 33 semanas. O filho, hoje com 7 anos, resistiu a problemas graves de saúde durante os quatro meses em que ficou internado na UTI neonatal.

"Os médicos falaram que não tinha o que fazer, que o Isaac poderia morrer, que eu tinha que aceitar. Mas eu tinha tanta fé que não entendi", diz. Ela deu à luz em novembro de 2016. A VivaBem, Michelle conta sua história.

"Fui diagnosticada com adenomiose aos 26 anos. Desde os 15, tinha hemorragia, um fluxo intenso que precisava transfundir sangue e chegava a desmaiar.

Eu estava fazendo pós-graduação na Santa Casa de São Paulo nessa época. A médica que cuidava de mim falou que era hora de engravidar, porque meu útero não ia se manter por muito tempo.

Iniciei o processo de FIV (fertilização in vitro), mas comecei a sentir muita dor e parei. A médica falou, então, para eu desacelerar. Trabalhava em dois hospitais e passei a trabalhar apenas em um, em período mais curto. Comecei a me alimentar melhor e foquei em exercício físico.

Em seis meses, senti que estava grávida. Um dia antes do meu aniversário, comprei um teste e vi que estava mesmo.

Fui ao ginecologista, fiz ultrassom, e estava com descolamento de placenta. Ele disse para não acreditar muito, porque poderia não vingar. Tomei remédio para segurar o bebê e com uma semana tive sangramento.

Precisei parar de trabalhar, porque era uma gravidez de risco. Ficava ansiosa, e isso mexeu bastante com meu psicológico.

No quinto mês, estava tudo indo bem, tinha sido liberada para fazer algumas coisas, mas comecei a ter pressão alta. Tomei todas as medicações em casa e nada. Então fui internada na Santa Casa para fazer ultrassons de controle.

Já imaginava que o Isaac ia nascer prematuro, mas imaginar e acontecer é diferente. Fiquei apavorada.

'Não vi meu filho nascer'

Fui para a sala de parto muito nervosa, minha pressão subiu muito e fiquei intubada. Só senti um desespero grande. Antes, conversando com Deus, falei que se Ele fosse me tirar o filho que me prometeu, aceitaria, mas que me avisasse. Meu irmão tinha me falado que a promessa não estava cancelada, então me apeguei a essa palavra.

Não vi o Isaac nascer. Meu marido, no começo, não ia assistir ao parto, mas como estava muito grave, ele teve que ir. Os médicos falaram que, talvez, ele teria que escolher: 'ou ela ou o bebê'.

Só vi o Isaac dois dias e meio depois do nascimento. Foi maravilhoso conhecer o rostinho dele, que parecia muito com a minha sogra, que tinha falecido um pouco antes. Mas, ao mesmo tempo, foi muito desesperador.

Estava muito machucada, sofri muito, sentia muita dor. Mas em nenhum momento podia desistir porque ele estava me esperando.

Taquicardia, necrose e diálise

Ele foi extubado nas primeiras 24 horas e colocado no CPAP [aparelho que mantém uma pressão positiva contínua nas vias aéreas]. Estava tudo indo bem, ele veio para o meu colo e foi muito bom senti-lo. Era muito assustador, mas era um lugar conhecido para mim. Tinha medo do futuro, mas estava tranquila porque a equipe era boa.

Na primeira semana, ele deu sinal de infecção: febre, taquicardia, sepse tardia e foi intubado de novo para tratar. Com 26 dias, teve distensão abdominal, mas nos exames não dava para ver o que estava acontecendo.

A médica falou que tinha de abrir a barriga dele para dar uma olhada. Foi um choque.

Às 7h do dia 25 de dezembro, ele foi levado para a cirurgia. Parecia estar sozinha no mundo com meu marido. Depois do procedimento, ele melhorou, foi extubado e estava aprendendo a mamar, mas 15 dias após a cirurgia, deu taquicardia e sinal de nova infecção.

isaac - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Isaac, 7, ficou 4 meses na UTI neonatal
Imagem: Arquivo pessoal

Ele teve uma parada cardíaca e a equipe o reanimou. Tiveram que intubar de novo para tratar a infecção, que era meningite.

No outro dia, quando cheguei ao hospital, a fisioterapeuta estava enrolando o pé dele com algodão. Quando olho, era uma necrose. Me falaram que, provavelmente, ele não ia perder só o pé, mas as mãos e os dedos.

Ele estava muito grave, o rim parando, nível baixo de plaquetas, com hemorragia intracraniana.

No momento da terceira infecção, ele convulsionou e entraram com o monitoramento cerebral. Vi o doutor Gabriel Variane em vários momentos, ele ficava o dia inteiro olhando para o aparelho, as curvas, um empenho fora do comum.

Isaac foi para diálise e foi desesperador de novo. Mas, como sempre, Deus falou comigo.

Quando me perguntavam como ele estava, eu dizia que estava ótimo. Mas se o Isaac fosse embora, não ia aguentar a dor.

'Aceito a minha história'

Ele ficou uns três dias grave, sem responder a nada. Em dado momento, os médicos falaram que não tinha o que fazer, que o Isaac poderia morrer, que tinha que aceitar.

Mas tinha tanta fé que não entendi que eles tinham 'desistido'. A medicina fez tudo que tinha para fazer por ele.

Uma noite, ele melhorou, o rim voltou a funcionar. Quando as funções começaram a melhorar, tinha preocupação com a hemorragia na cabeça, que foi de grau 1 no parto para grau 3.

michelle - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Michelle com o marido Sergio e o filho Isaac
Imagem: Arquivo pessoal

Mas apesar da imagem dos exames, ele apresentou melhora clínica e foi para casa com hidrocefalia e um sangramento que, depois, absorveu.

Foi tudo muito difícil, mas tive o amparo da família e da equipe. Tudo o que aconteceu, por mais que tenha sido doloroso, foi para eu estar com o Isaac hoje. Aceito a minha história e as coisas que aconteceram comigo porque deu tudo certo.

O Isaac é uma criança muito feliz e forte. Vai para a escola e leva uma vida como a de outras crianças, sem muita proteção. Gosta de jiu-jitsu, ir ao cinema e a restaurantes."

Tecnologia em prol da saúde neonatal

Isaac foi monitorado por uma tecnologia da PBSF (Protecting Brains & Saving Futures) que tinha acabado de ser criada. A UTI neurológica digital inclui monitoramento cerebral e hipotermia terapêutica para prevenir sequelas em bebês que nascem com problemas como os dele, em especial a falta de oxigênio no cérebro.

O aparelho identifica crises convulsivas que, em recém-nascidos, não têm manifestações visíveis, como tremor ou rigidez.

A combinação de múltiplas informações (ondas cerebrais, oxigenação, pressão arterial, frequência cardíaca, exames de imagem) dá um visão da fisiologia e permite diagnósticos precoces.

A inteligência artificial ajuda a enxergar correlações automaticamente para classificar o risco do bebê. Segundo Gabriel Variane, fundador da empresa, é possível analisar centenas de dados fisiológicos em tempo real, o que seria impossível aos olhos humanos.

Pela natureza digital do conceito, é possível levar a tecnologia para qualquer lugar do Brasil: 50 hospitais adotam a UTI neurológica digital, sendo 21 públicos e 29 privados. Com o acompanhamento e suporte da central da PBSF, o caso de um paciente pode ser discutido à distância quando necessário.

Não existem barreiras físicas, o que promove alcance de metodologias específicas e redução do custo estrutural. Gabriel Variane, fundador da PBSF

O protocolo também permite homogeneidade de atendimento nos centros de saúde, ainda que tenham diferentes recursos.

Acesso pelo país

Na Santa Casa de Misericórdia do Pará, a tecnologia foi implementada em 2019. Desde então, já foram quase 20 mil horas de monitoramento de mais de 200 recém-nascidos.

"Antes da tecnologia, praticamente 100% dos bebês evoluíam com sequela, porque o tratamento era para manutenção da vida", diz Salma Saraty, chefe da neonatologia do hospital, onde há três leitos nessa modalidade.

O centro dispunha de ventilação mecânica, encefalograma, sedativo, anticonvulsivante, mas, por vezes, o pequeno paciente era subtratado ou hipertratado. "Ao final, evoluía com hidrocefalia, paralisia cerebral, sequela motora e cognitiva."

A proteção cerebral também se dá pela hipotermia terapêutica, ou seja, reduzir a temperatura corporal, de forma monitorada, para proteger o cérebro e evitar a morte de neurônios.

Na rede Unimed Goiânia, cinco hospitais dispõem da UTI neurológica neonatal. Desde 2021, já foram mais de 25 mil horas de monitoramento em mais de 500 bebês. Em 90% do casos, as crises convulsivas não foram reconhecidas pelos médicos, mas pelo aparelho —e, portanto, tratadas a tempo.

Segundo Marcela Regina Araújo, hematologista e conselheira de administração da rede, neuropediatras especializados em neonatologia são escassos, o que dificulta o correto diagnóstico clínico.

Com a tecnologia e o suporte da equipe à distância, a vantagem hoje é conduzir o tratamento mais assertivo. É um fator que, segundo ela, protege o bebê de alterações causadas por má prática médica de forma involuntária.

Desafios e soluções

A implementação do protocolo nos hospitais da rede de Goiânia veio de uma demanda dos próprios profissionais, que repassaram a Araújo a necessidade da UTI neurológica.

"No meu desconhecimento, pensava ser inviável no modelo que a gente tem", diz. Mas quando entendeu o conceito, viu que valia o investimento.

Entre as barreiras para aderir a uma nova tecnologia, principalmente tão específica, a médica destaca:

  • Resistência do dono do hospital: a ideia de ter outra equipe acompanhando o trabalho de profissionais, mesmo que distante, gera um empecilho, como se houvesse uma fiscalização.
  • Orgulho médico: é um desafio para o profissional que lidera a UTI aceitar a tecnologia ou o acompanhamento externo como uma parceria do seu trabalho, não uma concorrência.
  • Gestão: a sempre discutida barreira econômica, mas não só no sentido de cobertura do serviço.

Tem de desenvolver visão estratégica de investimento no benefício, que melhora o atendimento dele para um desfecho positivo. Marcela Regina Araújo, conselheira de administração da Unimed Goiânia

Diferente do que se possa imaginar, Variane diz que a barreira para adoção das tecnologias não é o custo, visto que, no longo prazo, prevenir sequelas hoje reduz gastos com cuidados médicos no futuro.

O problema está na educação clínica. "Mudar a prática clínica requer treinamento inicial, longitudinal e mostrar resultados." O desafio também é concorrer com outras prioridades do sistema de saúde, além dos ritos tradicionais do setor público para avaliações e contratações.

Saraty comenta que, ainda que haja a tecnologia no Pará, o acesso é restrito à Santa Casa. Por isso, vislumbra pelo menos uma unidade de atendimento especializado em cada região do estado.

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