Minority Report? Como é a 'bola de cristal do crime' almejada por Tarcísio
A recente parceria entre o Governo de São Paulo e o Edge Group (estatal de tecnologia do setor de defesa dos Emirados Árabes Unidos), que gerou o projeto "Bola de Cristal", pretende revolucionar a segurança pública com tecnologias avançadas. Especialistas em direito ouvidos pelo UOL, porém, levantam preocupações sobre a privacidade e a potencial violação de direitos civis.
Inspirado pelo conceito de previsão de crimes como no filme "Minority Report", de Steven Spielberg, o projeto, cuja parceria foi anunciada pela WAM Emirates News Agency, integra monitoramento inteligente de CCTV, drones, IA e análise de dados para identificar padrões de crimes e melhorar a resposta policial.
As principais diferenças residem na natureza das tecnologias e na abordagem de prevenção. Enquanto o filme "Minority Report" se baseia em habilidades sobrenaturais dos precogs (pessoas capazes de sonhar com o futuro) e tecnologias futurísticas, o projeto "Bola de Cristal" utiliza ferramentas emergentes e práticas, aplicáveis na realidade atual de São Paulo.
Os três objetivos estratégicos do projeto são:
- a estruturação de dados de vários sistemas;
- a análise e integração de diferentes soluções de segurança;
- o estabelecimento de uma resposta mais eficiente e rápida.
O "Bola de Cristal" visa aumentar a visibilidade sobre as estatísticas de crimes, identificar áreas de alta incidência, rastrear atividades criminosas e dar suporte às vítimas.
Com a coleta e análise de dados em tempo real, o projeto promete fornecer recursos analíticos poderosos para a tomada de decisões informadas, melhor alocação de recursos e, por fim, a redução das taxas de criminalidade.
Preocupações jurídicas e éticas
No entanto, a implementação de um sistema tão abrangente levanta preocupações jurídicas e éticas. Especialista em inteligência policial e segurança pública, o advogado e delegado André Santos Pereira, afirma que a iniciativa do projeto "Bola de Cristal" levanta questões importantes sobre privacidade e segurança das informações dos cidadãos.
Sistemas que envolvem reconhecimento facial, cruzamento de dados pessoais e uso de inteligência artificial podem gerar preocupações em relação a privacidade e possíveis riscos para os cidadãos, caso não sejam implementadas medidas adequadas de proteção de dados e garantias de transparência no uso dessas tecnologias.
A combinação de sistemas de reconhecimento facial, cruzamento de dados pessoais e uso de bancos de inteligência artificial pode resultar em informações de grande relevância. A precisão dessas tecnologias, bem como o armazenamento e uso seguro dos dados coletados, são questões que devem ser cuidadosamente consideradas. É essencial estabelecer mecanismos robustos de proteção de dados e transparência no uso de tais tecnologias para minimizar qualquer tipo de risco.
André Santos Pereira
O uso de tecnologias avançadas para prever crimes é uma tendência crescente em muitos países como uma ferramenta no combate à criminalidade. No entanto, para o especialista, é essencial garantir que essas iniciativas sejam implementadas de forma ética, legal e transparente. Embora tais sistemas possam trazer benefícios no auxílio à segurança pública e na prevenção de delitos, é necessário haver um equilíbrio entre a segurança e a proteção dos direitos individuais dos cidadãos.
Ilegalidade na presunção
Na opinião do advogado Fábio Chaim, especialista em direito criminal, o grau de segurança, com relação à invasão da privacidade dos cidadãos, depende do grau de acesso concedido para esta ferramenta com relação a dados sigilosos. Questões relacionadas com sigilo fiscal e bancário não podem ser acessadas livremente, mesmo pelos órgãos de segurança, dependendo de ordem judicial.
Ademais, utilizar um algoritmo para presumir a periculosidade do indivíduo, baseado em sua folha de antecedentes, é presumir a reincidência com base em seu passado. A função da pena é ressocializar e, apesar das condições do sistema carcerário brasileiro, existem situações em que isto é possível. Presumir um risco de roubo pelo fato de determinada pessoa com passado neste tipo penal estar transitando em determinada região, após o cumprimento da pena, é ao menos preconceituoso.
Fábio Chaim
O advogado alerta que as ferramentas de reconhecimento facial disponíveis hoje não são infalíveis, bem como dependem de dados cuja inserção e atualização são feitos por seres humanos. O risco acaba sendo que o sistema de reconhecimento facial cometa algum erro na identificação da pessoa, seja por um dado desatualizado ou inserido por engano, seja por um problema na captação ou no algoritmo de reconhecimento de imagem.
"Ademais, abordar ou deter uma pessoa com base numa presunção de periculosidade fornecida por um sistema de informática é absolutamente ilegal", alerta Chaim. "Como consequência, o risco acaba sendo a realização de abordagens ou prisões completamente desprovidas de amparo legal. A questão acaba sendo o grau de tolerância por parte das autoridades do Poder Judiciário para práticas questionáveis em Segurança Pública, que resultem na redução dos índices de criminalidade".
Em nota, a SSP-SP (Secretaria de Segurança Pública de São Paulo) esclarece que manifestou interesse em formalizar um convênio futuro, junto ao Ministério de Pesquisas Estratégicas e Assuntos de Tecnologia Avançada dos Emirados Árabes Unidos (EAU), por meio da estatal Edge Group, vinculada a este órgão, "com o objetivo de buscar soluções tecnológicas que auxiliem a restringir a mobilidade criminal e a aumentar a probabilidade de prisão dos criminosos, para melhor proteção da população".
Segundo o órgão, as tratativas ainda estão em discussão, portanto, não há nenhuma atividade laboral em andamento pela pasta.