Moradores se unem a policiais para rondas de barco em ruas de Pelotas
A Brigada Militar não está acostumada a realizar incursões sobre águas - sem considerar as equipes especializadas. E pilotos e navegadores de Pelotas (RS) não estão acostumados a fazer trabalho de polícia. Mas, após enchentes atingirem a cidade, as experiências de ambos foram unidas com intuito de ajudar os moradores das áreas afetadas.
Cerca de 30 moradores do município e que, por isso, conhecem cada parte da cidade, começaram a fazer rondas nos bairros atingidos, como a Praia do Laranjal. Num primeiro momento, para resgatar quem pedia socorro. Depois, para retornar com as pessoas para buscar itens. Agora, fazem rondas diárias, filmam as casas e repassam os vídeos aos moradores, para tranquilizá-los.
"Nós tivemos a iniciativa de solicitar apoio deles justamente porque eles têm uma capacidade técnica de operar as embarcações que nós não temos no policiamento ostensivo. O policiamento ostensivo se dá, eminentemente, em viaturas", diz Alexander Cardoso, 51, tenente-coronel da Brigada Militar e comandante regional de Polícia Ostensiva da região Sul.
Eles conhecem quem são os proprietários das casas, quem ficou nas casas, quem não ficou, e isso nos ajuda muito, facilita o nosso patrulhamento.
Tenente-coronel Alexander Cardoso
Para diferenciar os voluntários de outras pessoas, que possam tentar se passar por eles, a Brigada Militar fez uma identificação específica e cada barqueiro usa uma pulseira com seus dados. "Então, os policiais que fazem patrulhamento rotineiro aqui identificam essa pulseira e sabem que eles são um apoio", afirma Cardoso.
Os barqueiros
O estudante e produtor rural Marck Sastre, 29, participa das rondas desde quando a Praia do Laranjal foi inundada, no início de maio. "Tem dias que a gente pega cedo e vai até tarde. Dependendo do dia, a gente dorme 3, 4 horas", diz.
Nos primeiros dias, a gente tirou pessoas de casa. Muita gente saiu, pensando que era coisa de um, dois dias e não levou nada. Então, a gente faz os resgates dos bens materiais.
Marck Sastre
Sastre diz que a parceria com a Brigada Militar tem surtido efeito de segurança - para a população e também para os voluntários. "Eu entrei na água de noite? Mando a localização para eles. Eles sabem onde eu estou, porque eles não sabem quem é ladrão e quem não é na noite", relata.
Outro barqueiro, o estudante de zootecnia Matheus Rodrigues, 29, é morador de Rio Grande, uma cidade vizinha a Pelotas. "Minha profissão é estudante, e eu estou na parte final da faculdade, só no estágio. Então eu disse, 'cara, vou mobilizar meu tempo 100% pra isso'."
Igor Pedro, 41, empresário, relembra que domingo (19) foi o dia que mais o comoveu. "Foi o resgate de uma senhora. Quando a gente abriu a porta, nos deparamos com água nas cobertas, que estavam em cima da cama. Ela queria levar pelo fato de que era só que uma ela tinha.
Um quadro na parede que salvou, ela queria levar. Uma meia que estava boiando na água, também.
Igor Pedro
O empresário Marcelo Fonseca, 36, que também tem atuado na cidade, diz que ainda há pessoas morando nas áreas alagadas, e que eles também os ajudam. "A gente leva suprimentos, alimentos, roupas também. Para alguns locais, a gente leva lenha também, para aquecer o pessoal que está morando lá", diz.
Ilhados, solidários e gratos
O mecânico Jorge Quevedo, 39, mora na Praia do Laranjal, próximo da orla. Nos primeiros momentos da enchente, se dedicou a ajudar a resgatar pessoas e animais. "Em seguida, começou a demanda de manutenção dos motores [dos barcos], do pessoal que está aqui no apoio", afirma.
A navegação é difícil, porque não é um lugar de navegação. Então acaba acontecendo muitos problemas.
Jorge Quevedo
Morando no segundo andar de seu sobrado, Quevedo atendeu, sem cobrar, cerca de 30 barqueiros com problemas nas embarcações. "De tudo o que é tipo: jet ski, barco, motor de popa, tudo", diz. As únicas cobranças que ele faz são das peças que, eventualmente, precisa comprar.
A ajuda é uma via de mão dupla. Enquanto Quevedo conserta os barcos, os barqueiros levam alimentos, lenha, gelo e também carregam baterias de carros, que o mecânico usa como energia elétrica em casa e na oficina.
"Tenho reserva que eu posso me sustentar e o pessoal tem me atendido bastante com gelo, com as coisas que a gente precisa para cá. Todo mundo está ajudando todo mundo", diz.
O motorista de distribuição Moisés Pereira, 43, decidiu não sair de casa. "No início de tudo começaram uns comentários de roubo, essas coisas. A gente está aqui porque o que a gente conseguiu salvar dos nossos bens, não tem como abandonar", complementa.
Na tarde de quarta-feira (22), Moisés recebeu de barqueiros um galão com gasolina para abastecer o gerador de energia da casa. No dia a dia, ele observa o nível da água, inclusive usando uma trena. "O sobe e desce da água é toda hora. É o que tem para fazer, ficar cuidando que não vai subir muito. Se subir muito, aí não tem o que fazer, né? A gente vai embora."