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Como cidades devem se preparar para enfrentar eventos climáticos extremos

Homem é resgatado por bombeiros militares após enchentes em Canoas (RS) - Renan Mattos - 4.mai.24/Reuters
Homem é resgatado por bombeiros militares após enchentes em Canoas (RS) Imagem: Renan Mattos - 4.mai.24/Reuters
do UOL

Thais Matos

Colaboração para Ecoa

22/05/2024 04h00

As previsões de que eventos climáticos extremos serão cada vez mais frequentes aumentam as probabilidades de desastres urbanos como inundações, deslizamentos de terra, escassez de água potável e mortes acidentais, como ocorre atualmente no Rio Grande Sul. "Todos somos refugiados climáticos em potencial", afirma o climatologista Alexandre Araújo Costa, professor na Uece (Universidade Estadual do Ceará). Ele argumenta que nenhum lugar está a salvo dos eventos climáticos extremos ligados ao aquecimento global. "Quanto mais elevarmos a temperatura do planeta, maior o risco".

Diante deste cenário, estratégias de planejamento urbano que promovam formas e estruturas mais sustentáveis são essenciais para a adaptação aos impactos das mudanças climáticas.

O primeiro passo para gestores e governos é mapear as áreas de risco, tais como locais mais propensos a alagamento ou deslizamento de terras. O mapeamento é importante para que obras de adaptação sejam feitas e que os moradores sejam preparados para desocupação emergencial.

A identificação dos locais de risco também permite o planejamento urbano para evitar o adensamento populacional nessas regiões e, quando for o caso, realocar os moradores a partir da reconstrução de bairros em áreas seguras.

Mas, essa mudança esbarra em barreiras como custo das obras e a pressão do mercado imobiliário. "Em Porto Alegre, as áreas planas são as mais valorizadas, apesar de terem mais risco", explica o ecólogo Marcelo Dutra, professor da Furg (Universidade Federal do Rio Grande).

O segundo passo fundamental é o investimento em obras que aumentem a capacidade de drenagem, o "tema menos lembrado do saneamento" na avaliação de Dutra. Proteger e ampliar as áreas verdes são estratégias que podem aliviar inundações e reduzir o efeito de ilha de calor nas regiões altamente urbanizadas.

A implantação de zonas de transição nas margens de rios, mares, e outros corpos hídricos é importante para permitir a oscilação natural da água. Ela pode ser feita por meio da construção de diques compartimentalizados com diferentes alturas, como é feito na Holanda, explica a pesquisadora Renata Cavion, urbanista e autora de uma tese de doutorado sobre políticas urbanas para cidades inundadas.

A professora também cita a pavimentação permeável de vias como uma boa solução não só para o escoamento de água, como também para o esfriamento das cidades, uma vez que o asfalto tem grande poder de concentração de calor. "Existem alternativas para minimizar a concentração de calor nas áreas urbanas através dos revestimentos como o pavimento brando de Alta Reflexão (PAR) de concreto para vias e ciclovias e o pavimento permeável de cor clara para calçadas", explica.

O conceito de parques alagáveis é um bom exemplo de aumento da capacidade de drenagem aliada a uma oferta de lazer para a população. Cidades na China, EUA e Europa investem nesses espaços que absorvem, retêm e liberam a água, permitindo que ela flua de volta para seu ciclo.

Mas obra não é tudo, defende a oceanógrafa Regina Rodrigues, professora da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) e coordenadora de Desastres Naturais da Rede Clima, que estuda como as mudanças climáticas intensificam o El Niño e seu efeito sobre os oceanos.
Ela explica que, apesar de serem importantes, as soluções "de engenharia" não são suficientes para preparar as cidades para o pior. "É preciso ter um trabalho conjunto de educação ambiental, redução drástica das emissões de carbono e cobrança do poder público para que persiga essas medidas", diz.

A promoção de ações que ajudem as regiões a se tornarem mais sustentáveis, como o planejamento de áreas verdes e de proteção é imprescindível. Preservar os locais que ainda têm vegetação nativa e recuperar espaços onde a vegetação foi danificada precisa fazer parte da gestão pública.

Os benefícios climáticos dessas medidas são múltiplos. Primeiro, as árvores fazem um trabalho importante de capturar o gás carbônico da atmosfera. Em casos de onda de calor extremo, essas áreas ajudam a diminuir a temperatura, explica Rodrigues.

Além disso, localidades de mata ciliar absorvem a água em situações de enchentes. No caso de Porto Alegre, por exemplo, as áreas planas e inundáveis funcionam como uma esponja natural, explica Dutra.

Quando o pior acontece

"As pessoas precisam saber como evacuar suas casas, para onde se deslocar com segurança e quais medidas tomar durante esses eventos", alerta o professor Dutra. No Rio Grande do Sul, por exemplo, "muitas famílias não sabiam o que fazer ao deixar suas casas", completa.

As cidades são especialmente suscetíveis às mudanças climáticas por serem verdadeiras ilhas de calor. As temperaturas nas zonas urbanas são mais elevadas que nos ambientes rurais como consequência da perda de vegetação natural, aumento de áreas construídas que absorvem mais calor e maior emissão de calor, como de veículos e indústrias.

Além do controle das áreas físicas das cidades, gestores também têm alguma previsibilidade sobre a ocorrência de fenômenos como chuvas ou estiagens intensas, afirmam as professoras Francielly Velozo Aragão, da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), e Daiane Chiroli, da UFTPR (Universidade Federal Tecnológica do Paraná).

Elas são autoras do estudo "Integrando resiliência e sustentabilidade: Uma análise sistemática de cidades resilientes", que aborda a importância de cidades utilizarem dados e inteligência para prevenir desastres ambientais.

"Claramente o poder público precisa investir em tecnologias que sejam capazes de monitorar e prever esses eventos, a fim de antecipar os avisos de alerta. Mas também, se faz necessário desenvolver planos de evacuação eficazes e sistemas de alerta precoce, além de criar programas de educação e conscientização pública sobre preparação para desastres", explicam as pesquisadoras.

Especialistas de diversas áreas registram dados meteorológicos e conseguem traçar informações importantes na previsão de acontecimentos. Dutra é um deles. Nos últimos anos, ele vem monitorando a temperatura e o regime de chuvas na região sul e já havia feito alertas sobre a o volume intenso previsto, inclusive em câmaras de vereadores.

Regina, da UFSC, também alertou sobre a situação. No ano passado, depois do anúncio de recorde de calor a partir do meio do ano, ela chamou a atenção para o agravamento de extremos climáticos no Brasil: chuvas intensas no Sul, a seca prolongada na Amazônia e onda calor no Centro-Oeste e Sudeste.

Esse monitoramento de dados é capaz de gerar informações seguras para tomadas de decisão e precisa fazer parte da governança dos poderes locais, concluem Aragão e Chiroli. As cidades que quiserem ser resilientes (termo usado para descrever municípios capazes de se adaptar e prever desastres naturais) precisam ser também inteligentes.

A guerra contra o aquecimento global

A preparação para eventos extremos não pode deixar de mirar um aspecto fundamental das mudanças climáticas: a diminuição da emissão de gases de efeito estufa causadores do aquecimento global, como dióxido de carbono, óxido nitroso e metano.

O problema é que o resultado das reduções de emissões vai demorar para aparecer. De acordo com Regina, se a sociedade "fizesse tudo certo e zerasse as emissões até 2030", a temperatura começaria a diminuir no final deste século. "Com certeza, esses eventos climáticos vão continuar acontecendo até 2070", ela diz.

Porém, uma pesquisa recente indica que os esforços atuais para redução de emissões não serão suficientes para cumprir o limite de aquecimento de 1,5 ºC estabelecido no Acordo de Paris.

Para promover algum efeito sobre o clima, o comprometimento deve ir além da escala local, ressalta a Cavion. "As ações devem ser conjuntas, entre cidades vizinhas, abrangendo uma grande região", ela diz.

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