Reabertura de inquéritos de delegado do caso Marielle abre guerra na OAB-RJ
A OAB-RJ (Ordem dos Advogados do Brasil) enfrenta uma debandada de mais de 500 advogados que integram diferentes comissões da entidade.
O que aconteceu
A renúncia coletiva acontece logo após o anúncio da reabertura de casos envolvendo o ex-chefe da Polícia Civil do Rio Rivaldo Barbosa, preso por envolvimento no caso da morte da vereadora Marielle Franco (PSOL) e seu motorista, Anderson Gomes, em março de 2018.
Exoneração de presidente da CDH foi estopim da crise. O assunto veio à tona após Ítalo Aguiar, agora ex-presidente da Comissão de Direitos Humanos (CDH), ser exonerado na semana passada. Em um post nas redes sociais, ele atrelou sua saída ao pedido de reabertura dos inquéritos conduzidos pelas autoridades policiais indiciadas no caso Marielle.
"Política de omissão". "Como não aceitei a política da omissão, diante da necessidade de enfrentar a relação entre política, polícia e crime organizado em nosso estado, fui exonerado do cargo", disse o ex-presidente da comissão.
Aprofundar investigações paradas. O objetivo da reabertura dos inquéritos é aprofundar investigações arquivadas ou que estavam paradas e não avançaram durante a condução de Rivaldo Barbosa. Ele foi preso no dia 24 de março, depois de a Polícia Federal atribuir a ele participação no planejamento do assassinato de Marielle e Anderson.
Anúncio antecipado teria provocado exoneração. Segundo a OAB-RJ, a exoneração deveu-se ao fato de o pedido de reabertura dos inquéritos ter sido anunciado diretamente pela CDH, quando o anúncio deveria ter sido feito pelo presidente do órgão. José Agripino da Silva Oliveira assumiu como novo presidente da Comissão de Direitos Humanos após a exoneração de Ítalo Aguiar.
É uma questão de hierarquia e de peso institucional. Os cargos são de livre nomeação do presidente da OAB-RJ e são de confiança. Quando a confiança acaba, o presidente também tem o direito de exonerar a pessoa que perdeu a sua confiança. É assim em todo lugar
José Agripino da Silva Oliveira, novo presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-RJ
Renúncia solidária. Álvaro Quintão foi um dos que pediram renúncia do cargo. Ele era secretário-geral da OAB-RJ, além de representante da Comissão de Direitos Humanos, e já foi presidente durante quatro anos.
Recebemos alguns casos de advogados que queriam reabrir investigações em que o Rivaldo Barbosa teria atuado. Isso gerou uma revolta muito grande. O presidente da OAB-RJ, Luciano Bandeira, disse que foi pressionado, constrangido e, com base nessa exoneração, cerca de 500 pessoas renunciaram a seus cargos. Foram mais de 170 na semana passada e, só nesta segunda-feira(15), outras 300 pessoas renunciaram em solidariedade à comissão
Álvaro Bandeira, advogado
Pressões dentro da OAB-RJ. Segundo Álvaro Bandeira, há cerca de um mês e meio eles passaram a sofrer pressões dentro da OAB-RJ. "As pressões vieram após a vice-presidente da OAB se filiar à comissão de juristas conservadores, a mesma que defende que o artigo 142 da Constituição permite intervenção militar. É a comissão que Flavio Bolsonaro integra", diz Bandeira. O STF enterrou a tese do artigo 142 na semana passada.
"Por questão de sigilo e segurança, não vou citar os casos que seriam investigados. Temos quatro que foram levantados e estávamos verificando a sua procedência, mas tivemos que parar o atendimento. Agora vamos acompanhar as famílias e ver se de fato isso será investigado. Não sei qual destino tomarão. Eu realmente não sei a quem interessa essa "não reabertura".
Álvaro Quintão, advogado
OAB-RJ fala em jogo de interesses políticos
Defesa de candidatura está por trás das renúncias, diz OAB. Segundo a OAB, a saída desses 500 advogados faz parte de um jogo de interesse político, para defender a candidatura indicada pela CDH, de Sylvia Drummond. Na última semana, o presidente apoiou o lançamento da candidatura de Ana Tereza Basílio, que vai concorrer à sucessão de Luciano Bandeira no órgão.
Caso Marielle usado indevidamente, diz novo presidente da CDH. A instituição enviou duas notas à reportagem. Uma delas, assinada por Luciano Bandeira, diz que a condução das investigações será uma missão prioritária do novo presidente da comissão e que a morte de Marielle e Anderson foi usada de forma eleitoral dentro do órgão.
"A memória de Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes merece respeito. Lamentavelmente, o que estamos vendo é um uso absurdo desse caso por uma corrente eleitoral dentro da OAB-RJ, criando uma mentira contra a própria entidade.
José Agripino da Silva Oliveira, novo presidente da Comissão de Direitos Humanos
"Rigor e responsabilidade". Já a outra nota fala sobre "informações falsas" que circulam na internet referentes à troca de comando na comissão e à solicitação de reabertura de inquéritos comandados por autoridades policiais sob suspeição. "Esse trabalho [reabertura de investigações conduzidas por Rivaldo] será realizado com rigor e responsabilidade, respeitando os preceitos que sempre conduziram as ações da Seccional. A criação e a veiculação de inverdades por parte de um grupo político não apenas ferem a memória de Marielle e Anderson, mas também a institucionalidade da OAB-RJ", diz a nota na íntegra.
Reabertura de inquéritos como missão prioritária. A OAB do Rio diz que, assim que José Agripino foi chamado a assumir a Comissão de Direitos Humanos, ele recebeu como missão prioritária tratar dos inquéritos arquivados relacionados ao delegado Rivaldo Barbosa.
Lamentamos que a memória de Marielle, respeitada e reverenciada nesta casa, esteja sendo usada para amalgamar estratégias eleitoreiras sem adesão com a realidade concreta
OAB-RJ