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"A tocha olímpica é um símbolo de união, não uma peça decorativa", diz designer da tocha Rio 2016

16/04/2024 09h12

Esta terça-feira (16) marca o momento em que a chama olímpica é acesa pelos raios do sol em Olímpia, na Grécia, como manda a tradição. Símbolo de unidade e de paz, o fogo espalha o espírito dos Jogos, dando o início às comemorações para Paris 2024. Para entender melhor esse acontecimento, a RFI Brasil conversou com o designer brasileiro Gustavo Chelles, o idealizador da tocha olímpica dos Jogos Rio 2016. 

Esta terça-feira (16) marca o momento em que a chama olímpica é acesa pelos raios do sol em Olímpia, na Grécia, como manda a tradição. Símbolo de unidade e de paz, o fogo espalha o espírito dos Jogos, dando o início às comemorações para Paris 2024. Para entender melhor esse acontecimento, a RFI Brasil conversou com o designer brasileiro Gustavo Chelles, o idealizador da tocha olímpica dos Jogos Rio 2016. 

Maria Paula Carvalho, da RFI

Após percorrer cidades gregas e cruzar o Mar Mediterrâneo a bordo do veleiro Belém, a tocha olímpica chegará à França no dia 8 de maio, em Marselha, onde iniciará a sua jornada de três meses, passando por diversas regiões e pelos territórios ultramarinos, percorrendo 12 mil quilômetros. 

"A tocha olímpica é um símbolo, ela não é um uma peça decorativa, não é um produto, mas um instrumento para carregar a chama. A gente fala muito sobre o revezamento da tocha, mas não há revezamento de tocha, e sim revezamento da chama", explica Chelles. "Cada pessoa pega uma tocha e faz o que se chama de 'beijo'. Na hora que eles passam a chama de uma tocha para outra e vão transmitindo a chama para que chegue à pira olímpica", descreve.

"A chama tem a simbologia da vida, da energia, da iluminação, da luz que o esporte traz para as pessoas, pois o esporte é uma ferramenta de inclusão, uma ferramenta de superação", diz Gustavo Chelles. "Os Jogos Olímpicos têm o poder de mostrar que as pessoas são capazes de chegar onde muita gente não acreditava", destaca.  

O designer brasileiro fala sobre os desafios de construir uma tocha olímpica: "tem essa parte técnica realmente complicada e a questão da construção do símbolo". Ele destaca que "há toda uma metodologia para fazer com que a tocha transmita tanto os valores olímpicos quanto também a essência cultural de cada país que sedia os Jogos".  

"Diferente de um queimador de fogão"

A Tocha de Tóquio 2020 tinha uma simbologia relacionada com a cultura japonesa, da flor da cerejeira, significando mudança e harmonia. Já a tocha da Rio 2016, tinha muito a ver com a vibração e a alegria do Brasil, colorida e com movimento e que tinha uma novidade a mais. "O fato de a tocha abrir foi um desafio. A gente já tinha alguma experiência com combustão, porque a gente sempre fez muito projeto de fogão e você tem um queimador. Mas um queimador de fogão é diferente do queimador de uma tocha. Você tem a questão de entrada de oxigênio, de rendimento, de constância da chama. E a gente perdeu muito tempo durante o projeto para poder fazer com que a chama fosse o mais estável possível e fosse visível, porque a chama visível é amarela e ela precisa ser vista pela televisão, precisa ser vista pelas pessoas de longe", observa o criador da tocha carioca. 

Gustavo conta que precisou ir várias vezes para a Espanha, país onde a tocha da Rio 2016 foi fabricada, para trabalhar com fornecedores. "A gente teve que superar muitos obstáculos para poder ter alguma coisa que realmente funcionasse e fosse segura para as pessoas conduzirem", relembra.  

No caso do Rio, foram feitas 15.000 unidades. "A tocha tem que ter um certo peso para que as pessoas consigam portar, mesmo deficientes e idosos. Ela não pode ser muito pesada, então você não pode ter muito combustível, né? Por isso os trechos de revezamento são curtos, justamente para permitir que todo mundo, seja qual for a idade, seja qual for a condição física, possa participar. Então, o gás dá para queimar durante dez minutos, em média", explica o designer. "As pessoas escolhidas pelas comunidades para portar o fogo ganham as tochas dos patrocinadores. Então, além da emoção de participarem do revezamento, elas ficam com aquela lembrança também para a vida".

Apenas a tocha que entrou no estádio do Maracanã, no dia da abertura da olimpíada carioca, tinha mais gás, para suportar um trajeto mais longo. Outra curiosidade é que havia dez tochas com câmeras para filmar o revezamento. "O Bob Burnquist, o skatista logo antes da gente, veio andando de skate, passou por uma outra pessoa que passou para a gente e a gente tem essa lembrança também filmada", celebra Chelles.

Design parisiense

A tocha olímpica de Paris foi apresentada ao público no dia 25 de julho de 2023, um ano antes dos Jogos Paris 2024. Feita em aço, na cor champanhe, pelo designer francês o Matt Lehanneur, ela transmite valores de igualdade por ter os dois lados iguais e tem a representação do rio Sena, com ondas desenhadas. "Eu achei muito bonito o projeto. É um símbolo simples, mas, ao mesmo tempo, é orgânico também", observa Chelles. "Justamente, ele está falando da questão humana, da organicidade. A tocha tem a ver com a humanidade e tem a ver com as águas também, que são tão importantes para Paris, pois o rio Sena banha a cidade. E é interessante que ela também é disruptiva, não é uma tocha igual a todas. Eles foram bem ousados em relação ao formato", completa. "Eu acho que o design tem essa função de provocar, de olhar para coisas novas, o que tem a ver um pouco com o design francês também", avalia. "Cada tocha traz essa emoção, essa inovação e certeza de que o ser humano é capaz de se reinventar, até mesmo no esporte", acrescenta.  

Mitologia

Conta a mitologia grega que Prometeu roubou o fogo dos deuses e entregou para os humanos. Assim teria nascido a chama que a cada quatro anos volta a ser acesa na Grécia. "Na verdade, Prometeu foi punido, ele foi acorrentado para sempre porque deu esse poder para os homens", conta Gustavo Chelles. "Mas acho que é uma simbologia interessante dar esse poder dos deuses para os homens. E o esporte mostra isso, essa capacidade humana de ir além dos limites. Você vê que sempre tem quebra de recordes. As atletas acham uma forma de treinar, de se desenvolver, de sonhar com algo mais e que impulsiona a humanidade positivamente em relação ao futuro", diz.

"União em tempos de guerra"

"Tem duas coisas importantes aqui: o fogo tem a ver com a iluminação, com a luz. Porque quando as pessoas viviam nas cavernas, na época dos caçadores-coletores, o fogo deixava os animais longe, ele protegia as pessoas também", contextualiza. "A chama tem uma simbologia muito forte na história humana e tem um pouco a ver, também, com a guerra que a gente está vivendo agora, essa coisa horrível que está acontecendo no Oriente Médio. E os Jogos Olímpicos sempre foram uma forma de chamar a atenção para união das pessoas", destaca Chelles. "Acho que é uma coincidência importante, de teremos esses Jogos Olímpicos agora, justamente durante essa escalada de violência e de conflito entre as pessoas, para que a gente possa falar novamente de juntar as pessoas e não de afastar", continua. 

Nesta terça-feira, o fogo simbólico foi aceso com a luz do sol, com o uso de um espelho. "É uma das tradições mais bonitas que tem, né? De uma coisa muito pura. Na verdade, é a energia fundamental, pois o sol gera toda energia para a gente, para as plantas, para os animais. O sol é vida. Isso é importante para a gente perceber o valor que é a vida no nosso planeta e também para a gente pensar que depende disso", alerta o designer brasileiro.

"A gente precisa preservar essa simplicidade. E quando a gente pensa em sustentabilidade, pensa em meio ambiente. Eu acho muito interessante o fato de eles estarem trazendo a tocha por um veleiro, porque você não tem emissão de carbono", observa Chelles sobre o projeto francês, lembrando que durante a Rio 2016 a equipe "pensou em várias formas de poder compensar carbono, chegando a testar o uso de etanol em vez de usar gás". Porém, as experiências com o combustível não foram muito bem sucedidas e optou-se pelo gás.

Expectativa para os Jogos em Paris  

"Eu estou voltando a estudar francês. Eu tenho uma ligação cultural com a França bem forte, e vai ser muito emocionante. A expectativa é muito grande pelo fato de eles terem feito a cerimônia não no estádio fechado, mas sim em um local aberto, onde mais pessoas possam participar", avalia Chelles sobre a festa prevista para acontecer no rio Sena para a abertura dos Jogos Paris 2024. "Eu acho que foi uma ideia fantástica, de ter essa integração do evento com a cidade. Paris é muito especial, uma cidade icônica no mundo e eu acho que tem tudo para ser um dos momentos mais impactantes", acredita. 

Gustavo Chelles ainda lembra que quando o espírito olímpico chega na cidade, muda tudo. "Você sente uma energia diferente. Eu acho que as pessoas vão começar a perceber", aposta. "Eu estava conversando com uma francesa com quem trabalho e ela dizia que sairia de Paris porque haveria muita gente. Eu falei: olha, pela minha experiência, não saia, participe, porque você não vai se arrepender. Vai ser uma coisa inesquecível. Traz uma energia muito bacana para o coração e para a mente também", relembra.  

E se o fogo apagar?

À época da Rio 2016, o Brasil vivia um momento político turbulento, que acabou se refletindo no revezamento, alvo de vários protestos. "Tentaram apagar a chama várias vezes. Só que a gente fez o projeto tão bem feito que não conseguiram", diz orgulhoso. "Só em Angra dos Reis, no Rio de Janeiro, que pegaram a tocha e colocaram em um balde de água e aí conseguiram apagar", recorda Chelles sobre um dos momentos mais tensos do revezamento no Brasil.

Porém, "com a chama oficial vêm dois backups, em duas lanternas. Então, se a chama principal apaga, você usa o backup para poder reacender. Assim, teoricamente, não tem problema, porque de vez em quando apaga mesmo, às vezes dá algum problema, bate uma rajada de vento estranho", conta o designer. "Mas foi muito mais complicado do que todo mundo imaginava poder resolver a constância e a robustez da chama", finaliza o designer brasileiro.   

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