Funk liberado, namoro proibido: conventos viram casa de universitárias
Esqueça as repúblicas e as quitinetes: em busca de um espaço para sair da casa dos pais, essas mulheres encontraram um lar nos conventos, ao lado das freiras católicas, sem ter de seguir a religião para isso.
Lar um tanto diferente
Maria Julia Frazatto, 20, conta que chegou a alugar um apartamento com duas colegas, mas teve de procurar uma alternativa com urgência depois de ser expulsa de casa.
Ela pediu ajuda a amigos no Instagram e uma colega de faculdade falou sobre o convento, uma opção não anunciada nos sites de aluguel mais famosos.
Lésbica e desfeminilizada —como são conhecidas mulheres que não seguem o estereótipo feminino—, Maju conta que sentiu um certo preconceito. Ainda assim, conseguiu viver em paz no convento nos Jardins, bairro nobre de São Paulo, por quase dois anos.
A maioria das meninas que morava lá soube do lugar por indicação de amigos e familiares. Inclusive, tinha uma moradora que já era da segunda geração morando lá. A mãe também tinha vivido no convento.
Entre os "prós", Maju destaca a facilidade para alugar um quarto e a qualidade do café da manhã e do almoço, que faziam parte do contrato do convento.
Com a necessidade de sair logo do antigo apartamento e as opções caras no mercado, ela encontrou no pacote a alternativa perfeita.
"A mensalidade contemplava o quarto —individual, duplo ou triplo— as refeições e as despesas gerais da casa como água, luz e internet. Tudo somado não dava R$ 2 mil e eu morava em um quarto individual."
"O maior benefício disparado eram as refeições. Eram saudáveis, muito bem feitas e praticamente todo dia, com exceção de domingo."
"Não é nada assustador, as freiras ajudam em tudo"
Maria Eduarda Bernardes Menezes também decidiu se mudar para um convento depois de enfrentar dificuldades para alugar uma quitinete.
Aprovada no vestibular de administração na UFRJ, ela precisou sair da casa dos pais, em Niterói, para morar mais perto da faculdade, na zona sul do Rio.
"Tudo estava muito caro. Até achei algo legal na Glória, mas precisava de fiador ou seguro fiança e eu não conseguiria nenhum dos dois. Aí a namorada do meu cunhado falou sobre morar nesse convento e fui visitar."
A suíte de Eduarda, grande e individual, custa R$ 1.260, mas o convento oferece opções mais baratas: quem aceitar dividir o espaço com uma colega paga R$ 850.
E, ao contrário do convento em que Maju morava, as jovens são totalmente responsáveis pelas próprias refeições, feitas em uma cozinha compartilhada.
"Juro que não é nada assustador, pelo contrário. As freiras são uns amores, te ajudam em tudo. E as regras são as de convivência, normal, como não deixar nada sujo nos espaços comuns."
Toque de recolher, funk liberado, namoro proibido: as regras do convento
Apesar das facilidades, a vida no convento também envolve restrições —mesmo que as "inquilinas" não tenham de ser católicas para viver ali.
No convento de Maju, eram proibidos xingamentos, bebida alcoólica e cigarro, até mesmo em áreas abertas — o que não impedia que as moradoras conseguissem burlar as regras.
Já quando o assunto é diversão, as meninas ouviam até funk sem sofrer críticas, mas não era permitido se manifestar politicamente fora dos quartos ou receber amigos homens.
Apenas mulheres da família podiam entrar nos quartos —e pagando uma diária de R$ 120 caso quisessem dormir.
Mas o que mais chama atenção é o toque de recolher. No convento nos Jardins, ninguém podia entrar ou sair a partir das 23h30.
Já na zona sul do Rio, o horário é ainda mais restrito: de segunda a sexta, todas tinham de chegar até as 22h30, com uma leve flexibilidade aos sábados, quando o horário sobe para 23 horas.
"Às vezes quem pedia o jantar por delivery tinha de cancelar o pedido porque passou do horário e as freiras trancavam tudo", conta Maju.
Para quem quer esticar a noite, dormir fora é permitido, desde que com aviso prévio —apesar de a experiência não ter sido tão tranquila no caso da paulista.
A gente tinha de informar o endereço de onde íamos ficar e a data de retorno. Se alguém quisesse passar o mês inteiro fora, podia. Mas eu já levei bronca de uma das irmãs por dormir fora nos finais de semana e acredito que a razão da queixa foi baseada em preconceito, porque essa cobrança só acontecia comigo e eu era a única lésbica assumida.
Além disso, ela conta que outras colegas foram "deduradas" pelos pais ao não informarem todos os dados sobre a saída temporária. Ao sentir a falta da inquilina, as freiras ligavam para seus responsáveis informando sobre a situação.
Já Maria Eduarda nunca teve problemas nas suas idas para a casa do namorado.
"Não costumo sair à noite, mas quando saio, durmo no meu namorado. As freiras são zero controladoras, não se intrometem em nada."
"Me vejo morando aqui por bastante tempo"
Maju deixou o prédio do convento em outubro do ano passado, depois de um ano e seis meses, porque o espaço passaria por uma reforma.
Ela ficou "sob o regime" das freiras até dezembro de 2023, morando em um lar provisório. Das cerca de 40 meninas que moravam nos Jardins, apenas uma decidiu se mudar para outro prédio do convento, no Ipiranga, segundo ela.
Influenciadora com mais de 700 mil seguidores no TikTok, Maju optou por encontrar uma casa para viver sozinha.
"A estrutura (no Ipiranga) é precária, a localização não é tão boa para nós, universitárias, e não havia vagas suficientes. Nós fomos obrigadas a sair."
Já Maria Eduarda continua no convento e pretende se manter por lá por pelo menos mais seis meses —mas sem pressa para se mudar.
"Os benefícios são a segurança, a sensação de acolhimento e a oportunidade de conhecer meninas do Brasil todo. Me vejo morando aqui por bastante tempo."
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