Topo
Notícias

'Existe tensão': como pessoas na fronteira têm reagido a Venezuela x Guiana

Bandeiras do Brasil e da Venezuela na fronteira em Pacaraima - Ricardo Moraes/Reuters
Bandeiras do Brasil e da Venezuela na fronteira em Pacaraima Imagem: Ricardo Moraes/Reuters
Uesley Durães, Do UOL e em São Paulo
do UOL

10/12/2023 04h00

Pacaraima, ao norte de Roraima, é fronteira direta com a Venezuela e está na rota terrestre em direção à Guiana. Na cidade de cerca de 19 mil habitantes, moradores relatam um clima de tensão diante do risco de um conflito militar entre os dois países vizinhos.

"Presença de militares assusta"

Apesar de tudo estar funcionando normalmente, já assusta um grande número de militares nas ruas. Sabemos que Pacaraima seria rota para as tropas venezuelanas, o que gera, de certa forma, um clima de preocupação na população.
Harlinis Yorjeth, jornalista de Pacaraima

O que nos assusta é a abundância de militares brasileiros por aqui. Até então todo mundo tranquilo, todo mundo normal, até a imigração continua igual.
Cristobal Pereira, comerciante venezuelano que vive em Pacaraima

Há uma mistura de tensão e inquietação, que dá para perceber nas interações diárias e nas conversas locais.
Ericsson Silva, fotógrafo em Pacaraima

Conversei com algumas pessoas que já estão preparando mochilas com itens de necessidade básica, caso seja necessário sair da cidade.
Harlinis Yorjeth

O que aconteceu

A Venezuela reivindica o território de Essequibo, na Guiana. O referendo de 3 de dezembro, solicitado pelo ditador Nicolás Maduro, contou com a aprovação de 96% dos venezuelanos que votaram para retomar o controle da região.

Para chegar ao local, as tropas venezuelanas têm três alternativas: passagem pelo mar, passagem pela selva densa que divide os territórios ou usar a fronteira brasileira, mais especificamente Roraima, para acessar a região reivindicada.

A rota geograficamente mais fácil seria pela fronteira brasileira, passando pelo norte de RR. 77,4% do território de Essequibo, incluindo a fronteira terrestre direta com a Venezuela, é composto por uma densa floresta, o que dificultaria a empreitada por lá.

O Ministério da Defesa enviou reforço para a fronteira. Aparelhos militares, incluindo caminhões e blindados, foram realocados de outras regiões do país para Pacaraima, além de mais homens. Isso aconteceu antes mesmo do referendo na Venezuela.

São 130 militares circulando pela região. Desde o início do mês, o Pelotão Especial de Fronteira de Pacaraima recebeu mais 60 homens para reforçar o efetivo. O Exército informou também que a 1ª Brigada de Infantaria de Selva, que conta com cerca de 2 mil militares em Boa Vista, intensificou sua ação de presença na fronteira para tarefas de vigilância.

O governo Lula já afirmou publicamente ser muito difícil o exército venezuelano usar a passagem pelo Brasil. A declaração foi do assessor-chefe de assuntos internacionais, Celso Amorim. No entanto, há um temor institucional de que o conflito dê precedentes para outras nações instalarem bases militares na Amazônia.

Essequibo - UOL Arte   - UOL Arte
O território de Essequibo é disputado pela Venezuela
Imagem: UOL Arte

Blindados na rua

O exército está patrulhando na rua, rodando com os blindados. Do lado venezuelano não tem nenhum movimento. Só o exército brasileiro que montou uma base em um entroncamento perto de Uiramutã, que seria onde a possível rota venezuelana passaria.
Tenente da PM em Pacaraima (ele pediu anonimato)

O poder público municipal diz que a situação segue normal. O secretário de Segurança e Ordem Pública de Pacaraima, Sergio Raiol de Queiroz, comentou ao UOL que tem acompanhado a situação, mas que, até o momento, "não há alarde na movimentação". Para ele, a situação está tranquila e o fluxo segue normal.

Clima de apreensão

A população de Pacaraima se vê apreensiva com o aumento da circulação de comboios do exército pela região. Cristobal Pereira é venezuelano e trabalha em uma pousada ao lado da BR-174 em Pacaraima. Ele é favorável à reintegração de Essequibo pela Venezuela.

Moradores já reservaram mochila com itens básicos para uma possível situação emergencial, conta Harlinis. A jornalista considera precoce a avaliação de que haverá um conflito, mas participa de grupos de WhatsApp em que se conversa sobre a situação e há troca de fotos e vídeos da presença militar na região. Ela diz que tem duas filhas pequenas e seu pai é idoso, por isso teme que algo aconteça e suas rotinas sejam alteradas.

Algumas pessoas já estão se preparando para enfrentar possíveis impactos decorrentes dessa situação. Existe tensão. No local onde eu trabalho já há essa discussão. O pessoal tem em mente que isso pode acontecer, então se gera um alerta.
Harlinis Yorjeth

O fotógrafo Ericsson diz que está preocupado com uma possível interrupção de sua atividade. O jovem faz ensaios de famílias e fotografa paisagens do cotidiano da cidade.

Fake news sobre o conflito

O PM de Roraima consultado pelo UOL chama a atenção para a circulação de notícias falsas nas redes sociais sobre o conflito. Na última semana viralizou um vídeo no Instagram do que seria supostamente um grupo de militares bolivarianos do lado venezuelano da fronteira, dando a entender que estariam se preparando para avançar.

O Exército brasileiro desmentiu vídeo com mais de 500 mil visualizações. O próprio policial descartou essa possibilidade e explicou que as imagens em questão foram gravadas em outro momento, durante uma moção de inauguração de uma placa fronteiriça do país vizinho.

Conflito centenário

A disputa travada entre Venezuela e Guiana perdura há mais de um século. Ambos os países afirmam ter posse do território. A Guiana se baseia em um laudo de 1899, feito em Paris, que definiu a delimitação.

A Venezuela recorre a um acordo firmado com o Reino Unido em 1966, antes da independência do país. Esse acordo foi posteriormente anulado, o que abriu um precedente para uma possível solução negociada.

Nicolás Maduro foi em frente com o desejo de reintegrar Essequiba e violou a Corte Internacional de Justiça. Com a consulta à população por meio do referendo, o presidente disse que os venezuelanos foram favoráveis ao plano. A região em questão é rica em petróleo.

Notícias