Defesa Civil: evento em mina é inédito, mas houve tempo de se preparar
Em situação de emergência desde a última quarta-feira (29), a cidade de Maceió vive um clima de espera, aflição e revolta por causa da possibilidade de colapso de uma mina de sal-gema da petroquímica Braskem, no bairro do Mutange. É mais um capítulo de uma história que se arrasta desde 2018, quando foram registrados afundamentos em cinco bairros. Estima-se que cerca de 60 mil residentes tiveram que se mudar do local e deixar para trás os seus imóveis.
O risco de colapso em uma das 35 minas de responsabilidade da Braskem vem sendo monitorado pela Defesa Civil de Maceió e foi detectado devido ao avanço no afundamento do solo. Ontem (3), houve uma diminuição no ritmo, que passou para 0,3 centímetro (cm) por hora. Pela manhã, esse número era de 0,7 cm. Nas últimas 24 horas, o afundamento foi de 7,4 cm. Desde terça-feira (28), a mina 18 acumula 1,69 metro de afundamento.
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O coordenador da Defesa Civil de Maceió, Abelardo Nobre, em entrevista à Agência Brasil, destacou que as áreas que podem ser mais afetadas já foram evacuadas, e que o órgão trabalha com um cenário mais brando, de afundamento lento e sem ruptura total, e um cenário de ruptura, com possibilidade de formar uma cratera. A Defesa Civil descarta a possibilidade de que a água nas minas esteja "vazando" para a Lagoa do Mundaú.
Nobre lembrou que esse é um cenário inédito no país, mas que a Defesa Civil teve tempo para se preparar e conta com o auxílio de técnicos da Defesa Civil Nacional. Ele evitou ainda falar sobre a responsabilidade da Braskem na tragédia.
Confira abaixo os principais trechos da entrevista.
Agência Brasil: Como foi a atuação da Defesa Civil de Maceió quando foi detectada a movimentação de terra na mina de número 18 da Braskem na semana passada?
Abelardo Nobre: Isso já foi na terça-feira à noite, quando a gente identificou que os dados transmitidos pelos equipamentos instalados na região, como também as informações via satélite, indicavam para uma possibilidade iminente de colapso da Mina 18, que é uma das 35 minas da Braskem. Nós passamos a informação para o prefeito de Maceió que, imediatamente, criou gabinete de crise. Nós também "startamos" o nosso plano de contingência, que já tinha sido elaborado. Começamos a intensificar o nosso monitoramento que já era feito 24 horas. Intensificamos também o monitoramento em campo e, ao perceber a evolução do evento, começamos a trabalhar muito a questão da comunicação, porque no próprio momento em que a gente deu o alerta máximo houve uma chuva de fake news na cidade que promoveu uma série de ocorrências que atrapalharam muito o trabalho da Defesa Civil na preparação da própria população para esse possível colapso dessa mina e suas consequências.
Agência Brasil: Qual é o plano de contingência? O que já foi cumprido e o que mais está previsto pela Defesa Civil?
Nobre: Veja, são muitas etapas, porque são muitas ações. Porque engloba o trabalho de várias agências, de vários órgãos, tanto do município como do estado, do governo federal. Cada um estabelecendo o seu papel. Por exemplo, a Marinha do Brasil faz todo o patrulhamento da área dentro da Lagoa [do Mundaú], que foi previamente demarcada com boias de sinalização. A Marinha fez os patrulhamentos necessários para informar os pescadores que não adentrassem nessa área. Inclusive, recentemente, a própria Marinha do Brasil delimitou uma área maior em relação ao que antes tinha sido demarcada.
O Exército Brasileiro já ficou de prontidão para a necessidade de qualquer intervenção. Tivemos também a Defesa Civil Nacional, que veio com seus técnicos. Dois técnicos estão aqui dentro da Defesa Civil do município dando apoio necessário e encurtando a distância entre Brasília e a Defesa Civil municipal para captação de recursos e ajuda técnica.
As próprias secretarias do município como, por exemplo, a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social, com papel de montar os abrigos, deixar os abrigos prontos para caso haja necessidade de deslocamento, de realocação, de abrigamento de moradores. Que esses abrigos já estejam prontos para receber a população. A Secretaria de Saúde disponibilizou mais veículos para a Defesa Civil e montou um plantão especial de profissionais nesses abrigos. Tudo isso faz parte desse plano, para a devida a resposta ao fenômeno.
Agência Brasil: Quais os cenários para esse fenômeno?
Nobre: Ele pode ser brando. De repente, a mina se autopreenche ali, migrando para a superfície, mas não provocando uma ruptura abrupta. E aí você tem na verdade apenas um fenômeno de ela provocar o afundamento do solo, mas não abre aquela cavidade. Então teremos aí uma resposta X.
Mas há um outro cenário que pode ser o resultado desses indicadores que nós estamos analisando. Os inúmeros microssismos que aconteceram nos últimos dias, da velocidade de afundamento, ou seja, de deslocamento do solo, dentro do solo. Chegou num momento que o deslocamento era de 5 cm por hora.
Para você ter uma ideia, para normalidade, que já não é normal, vamos dizer assim, a gente mede a velocidade [de deslocamento do solo], a gente detecta a velocidade em milímetros por ano, milímetros por ano! Nós chegamos a medir 5 cm por hora. Então era uma velocidade bastante considerável.
Neste momento, nós estamos a 0,30 cm por hora, então baixou bastante. Só que ainda é uma velocidade considerável para esse tipo de fenômeno, então a gente continua em alerta máximo.
É bom lembrar que a área que pode ser mais afetada, ter algum dano na superfície, já foi totalmente evacuada, você não tem mais moradores e trabalhadores. E é um fenômeno que nunca aconteceu no Brasil. É único e a gente se preparou durante um certo tempo, tinha os equipamentos necessários para que neste momento a gente pudesse realmente tranquilizar a população e dar resposta necessária para salvaguardar as vidas.
Agência Brasil: No boletim deste domingo à noite, houve uma redução de pelo menos metade do ritmo do desabamento do solo. Houve ainda ocupação pela água da Lagoa de Mundaú na Mina 18? Como vocês estão avaliando essa situação?
Nobre: Ela é positiva, mas ela não traduz ainda uma estabilização. De qualquer forma, o caminho para estabilização é que todos os dados entrem no patamar de normalidade. Agora essa possibilidade de já estar entrando água na lagoa a gente descarta. [Boa parte das minas da Braskem se localiza na borda da Lagoa Mundaú]. Porque a gente está fazendo monitoramento superficial e a gente não vê esse comportamento.
O que a gente observa até o presente momento é que esse movimento que a cavidade fez foi muito rápido. A gente tinha até o início do mês microssismos que estão ali na casa dos 700 metros de profundidade e, quando foi agora no dia 28, já estava em 300 metros. Foi algo muito forte que aconteceu e acaba gerando todo esse movimento.
A gente tem essas duas possibilidades [de ocorrerem com a Mina 18]: ou ela se acomoda, provocando esse afundamento. De qualquer forma, você já tem um impacto ambiental porque uma parte da água já entrou ali numa área que era emersa.
Ou há o rompimento abrupto causando um outro cenário que seja justamente o de a água da lagoa poder entrar nessa cavidade gerando um impacto bem significativo.
Agência Brasil: Foram visualizadas rachaduras na superfície da Mina 18?
Nobre: Aquelas rachaduras em cima na área de aterro não são o teto da mina. Os últimos dados dos sismógrafos colocam que a mina deve estar ainda a 200 metros, 300 metros de profundidade. Aquelas rachaduras ali, na verdade, são o resultado da deformação do solo. O solo não só está se deslocando verticalmente, ele também se desloca horizontalmente. O que que ocorre [é que] há um rompimento, ele tem um grau de maleabilidade, de elasticidade, então, com essas tensões, ele vai gerar aquelas rupturas. Mas são rupturas, a princípio, superficiais, mas que demonstram para gente que o teto da cavidade está sendo rebaixado.
Agência Brasil: Houve manifestações nesta semana de comunidades, como dos Flexais, pedindo para serem incluídas na área de risco, para serem alocadas, e uma crítica em relação à Defesa Civil de Maceió em relação a isso. Outras comunidades, como do Bom Parto e da Marquês de Abrantes, também fazem esse pedido. Por que elas não foram incluídas nesse Mapa de Risco que já foi atualizado?
Nobre: Esse é um mapa de linhas prioritárias com base em informações sobre a movimentação do solo. Essas áreas que foram criadas mais recentemente foram para áreas de monitoramento, que, no caso, a Justiça tornou essas áreas uma área de realocação. Mas, dentro dos padrões técnicos, padrões da Defesa Civil, de normas de segurança, eram áreas que ainda passariam por todo esse processo de monitoramento, porque podem passar pelo processo de estabilidade. Você não tinha ali a presença de cavidades que possam gerar maior risco, como o caso da Mina 18, que está a mais de 1,5 quilômetro de distância desses locais. Mas você tem um movimento horizontal que, em longo prazo, médio prazo, pode trazer algum dano. Então a gente vai fazer o devido monitoramento, mas a Justiça já tornou essa área [parte do bairro Bom Parto] como área de realocação.
No caso do Flexal, a Defesa Civil fez um trabalho em 2021, mostrando que ela passa por um processo de ilhamento socioeconômico, a própria força-tarefa aceitou essa nossa tese, levou à frente, e foi feito um novo acordo. É claro, sem realocar os moradores, que a gente sabe que é um pleito dos moradores. Mas, até o presente momento, naquela área, a gente não encontrou nenhum indício, nenhum dado, nenhuma informação técnica de que haja uma movimentação do solo, uma deformação do solo, causado pela presença das cavidades.
Esse mapa de linhas prioritárias, ele tem que levar a critério, de forma bastante rigorosa, para depois não serem contestados esses dados dos equipamentos, dos aparelhos, do satélite, para que realmente não haja dúvidas com essa correlação do que acontece naquela região e o processo de subsidência causado pela mineração. Para que depois a gente não abra um precedente para qualquer pessoa, em qualquer local de Maceió, pedir realocação. Até porque várias vezes, eu já falei em outros momentos, em que há localidades dentro de Maceió e que foram colocadas para essa realocação facultativa, em que já se estabilizaram, não há hoje mais movimento.
Agora, é claro, você tem as especulações de diversas pessoas, que muitas vezes têm um conhecimento técnico, mas não têm as informações que nós temos aqui, não têm os dados. Então criam teorias, criam um terror nas pessoas enorme, que, ao invés de ajudar, só piora. É claro que a gente tem uma preocupação especial com as pessoas da área do Flexal, porque as pessoas realmente estão isoladas e ilhadas. Há todo esse projeto de revitalização do bairro e que aí também sofre com um processo político-partidário muito importante naquela região que atrapalha esse benefício de chegar até a população.
Mas a gente já tem ali, na Marquês de Abrantes, uma parte em que identificamos movimentação do solo, identificamos a direção, identificamos uma consistência, que além de consistência também uma persistência desses sinais. Então se justificou colocar ela como uma área de monitoramento e aí vai agora para realocação.
Agência Brasil: Neste momento, tem outras famílias ou imóveis comerciais realocados? Ou foram apenas as famílias do bairro do Pinheiro por determinação judicial?
Nobre: Não, na verdade ainda tinha 23 famílias no Pinheiro, ali na área zero, e que precisavam ser retiradas urgentemente pela iminência do colapso da mina. Isso foi uma ação. Como o plano de contingência consiste na formação, na criação desses abrigos, os abrigos já estavam montados. E aí diversas pessoas ligavam para Defesa Civil aterrorizadas por diversas fake news, dizendo que um buraco já tinha sido aberto na região, que haveria a formação de um tsunami, que uma catástrofe se disseminava em Maceió. Quando começaram as ligações, fizemos uma reunião e, junto com a orientação da própria força-tarefa, nós começamos a ofertar para essas pessoas um abrigamento, para que essas pessoas pudessem ir para o local e dormir de forma sossegada, pudessem dormir no ambiente de paz, que se sentissem seguras.
Mas aí o que acontece? Quando as nossas equipes saíram daqui e foram para essas duas localidades, do Bom Parto e Flexal, houve uma distorção da ação da Defesa Civil. As pessoas pensavam que a gente estava indo lá para tirar as pessoas à força, para realocar as pessoas, e não era nada disso. Por mais que o pessoal explicasse e tal. Porque elas não estavam informadas de forma correta. São 23 pessoas acolhidas, abrigadas, nesse abrigo voluntário e preventivo. Mas nenhuma foi retirada à força, foi alocada, porque neste momento são áreas em que não há risco.
Agência Brasil: Mas, então, além dessas 23 pessoas do Pinheiros que têm a decisão judicial, não houve mais nenhum realocamento permanente?
Nobre: Não.
Agência Brasil: Mas houve a informação neste domingo que a Igreja Batista do Pinheiro informou que seria o último dia de culto, que eles também teriam que ser realocados.
Nobre: Eu preciso corrigir essa informação. A Igreja Batista do Pinheiro está sim dentro de uma área já mapeada [para realocamento].
Agência Brasil: Mas por que eles não foram retirados antes? Estão sendo só agora? Tem uma parte que ainda está sendo retirada?
Nobre: O que ocorre é que há, na verdade, uma negociação, entre as pessoas, os proprietários dos seus imóveis, as associações, com a empresa [Braskem]. E, mesmo com essa não saída dessas pessoas em 2021 ou 2022, a Defesa Civil vinha monitorando e notificando essas pessoas, tanto físicas como jurídicas, da possibilidade de, a qualquer momento, haver uma retirada compulsória nas regiões previamente mapeadas. Então não houve retirada, que isso fique bem claro, não houve retirada, não houve relocação de ninguém em área fora do mapa de ações, de linhas de ações prioritárias.
Agência Brasil: Pesquisadores, principalmente da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), publicaram uma carta reclamando da falta de divulgação dos dados do Mapa de Risco, da necessidade de uma análise independente. Como vocês veem essa crítica da academia?
Nobre: A gente que trabalha, que faz, vai ter muita gente que vai estar sentada na sua cadeira, trabalhando só para criticar. Porque qualquer instituição como você até falou, da Universidade Federal de Alagoas, que está sempre com a gente, vários pesquisadores, professores sabem muito bem como se tem as portas abertas na Defesa Civil. Qualquer solicitação de relatório, de mapas, a gente faz um trabalho bastante colaborativo. Esse tipo de crítica, eu acho que é daquela pessoa que, ou não sei, mas assim, há críticas bastante infundadas, críticas de quem está lá sentado com a única exclusiva função de criticar. Porque todas as informações são públicas, são informações disponíveis aqui na Defesa Civil.
Agora é claro, num momento desse em que a gente está trabalhando 24 horas num plano de contingência, numa preparação para o tipo de desastre que a gente está enfrentando, fica difícil a gente dar uma resposta a uma crítica de quem está reclamando porque não tem um mapa detalhado de uma situação que neste momento não impõe risco.
Agência Brasil: Qual é o papel da Braskem nesse plano de contingência?
Nobre: Olha, veja só, com relação a Braskem eu prefiro que ela responda.
Agência Brasil: E sobre a situação dos pescadores e marisqueiros que viviam da Lagoa do Mandaú, além do risco aos manguezais. A Defesa Civil também é responsável por apoiar essa questão ambiental?
Nobre: Nessa questão do meio ambiente, a gente tem o IMA [Instituto do Meio Ambiente de Alagoas], que deve neste momento ter um plano bastante abrangente e efetivo com relação a essas possibilidades. A nossa secretaria que trata também de meio ambiente deve ter também já tudo já engatilhado para esse monitoramento e possíveis ações. Com relação aos pescadores e marisqueiros, isso também já está sendo assistido pela nossa Secretaria de Desenvolvimento Social, que já faz entregas de cestas básicas, cadastramento, reunião com as colônias de pescadores. É uma área que é está sendo muito bem trabalhada com as outras secretarias e outros órgãos. Para que a Defesa Civil possa trabalhar dentro do seu escopo, que é justamente na mitigação do risco, no acompanhamento do risco, na resposta.
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