Como guiar um Jeep antigo mostra que virtudes do passado estão nos SUVs
Dirigir um carro antigo vai muito além de uma simples interação entre homem e máquina. Além da experiência de guiar um veículo sem os confortos da modernidade, existe todo um sentimento de nostalgia proporcionado por um veículo que muitas vezes remete a boas memórias.
São lembranças como essas que os SUVs da Jeep tentam evocar em vários aspectos, principalmente pelo design. Só que a marca reuniu alguns dos clássicos que construíram sua história para mostrar que a relação vai muito além das aparências.
Seleção de raridades
Ainda que um pouco reticente, aceitei o convite para um dia que seria bastante divertido. O evento chamado de Jeep Legacy trouxe vários modelos que ajudaram a transformar a marca Jeep em sinônimo de categoria - a ponto de ser incorporada na língua portuguesa, devidamente traduzida para "jipe".
A seleção de jipes fazia inveja a qualquer fã de 4x4. A linha de frente tinha os exemplares da série CJ (abreviatura para "Civilian Jeep", ou "Jeep Civil", em livre tradução), como CJ-2, CJ-3, CJ-5 e CJ-6.
Destaque para algumas raridades dignas de exposição, como o raro CJ-6 quatro portas 1966 totalmente original e um Willys militar da década de 1950 - que, infelizmente, não puderam ser dirigidos justamente pelo caráter extremamente colecionável dos veículos.
Apesar de a produção nacional ter sido encerrada em 1983, quando a Ford descontinuou a linha de montagem do Jeep CJ-5, então conhecido como Jeep Ford, a marca voltou na década seguinte ao Brasil, agora representada por um importador.
Daquela época havia dois exemplares interessantes: o primeiro era um Wrangler 1992, com faróis quadrados e uma peculiar combinação de motor 2.5 de quatro cilindros (sim, o mesmo da picape Dodge Dakota fabricada no Brasil) e câmbio manual, tida como um fracasso comercial nos Estados Unidos.
O segundo era um Grand Cherokee Limited, nada menos do que um dos maiores símbolos de riqueza nos anos 1990. Com o excesso de detalhes dourados e o possante motor V8, ele apresentou o brasileiro ao SUV e virou sonho de consumo de nove entre 10 endinheirados. Até porque o décimo provavelmente já tinha um?
Experiência inesquecível
Entre os felizes proprietários, conheci o "Seu" Luiz. Durante o primeiro contato, ele contou que o exemplar fabricado em 1962 está em sua família desde zero-quilômetro e é preservado com bastante zelo. Apesar de tanto carinho, ele não fez cerimônia antes de me entregar as chaves do seu xodó. "Pode sentar a bota nele, é para isso que um Jeep serve!", disse, com um sorriso largo no rosto.
Meu juízo não permitiu seguir seu conselho, mas desfrutei de bons momentos ao volante do jipe, cuja geração ficou conhecida pelo apelido de "Bernardão".
Após alguns instantes, você facilmente pega o jeito da transmissão de quatro marchas, que tem o engate da marcha a ré para a frente (onde ficaria a primeira marcha) e o da primeira marcha para trás (no lugar da segunda marcha).
A embreagem bastante leve faz do jipe um carro surpreendentemente dócil de ser guiado. A primeira marcha é bastante longa e seria possível até percorrer a trilha inteira daquela maneira. Sobra torque no motor de seis cilindros, a ponto de vencer diversos obstáculos mesmo em segunda marcha. É só pisar fundo no acelerador que o jipe cumpre a missão sem pressa, mas com facilidade.
Ao lado da alavanca do câmbio existem outras duas manoplas: uma para engatar a tração nas quatro rodas (a qual só precisei recorrer quando o carro precisou vencer um pequeno atoleiro) e a segunda para ativar a reduzida. Tudo funciona de forma bastante simples e intuitiva - como um veículo desenvolvido para operar em guerras deveria ser.
Evidentemente não existe conforto. A suspensão dura faz os ocupantes chacoalharem para todos os lados e praticamente não absorve os impactos. O volante não tem assistência alguma e manobrar o jipe equivale a uma boa sessão de academia depois de alguns minutos. Ar-condicionado? Nem pensar.
Só que o Jeep CJ-6 do "Seu" Luiz - e todos os clássicos lá presentes - tinham um item de série que a maioria dos veículos modernos de hoje não oferecem de fábrica: o sorriso no rosto. Quem gosta de carros (como eu) se diverte a ponto de poder ficar horas se sujando de lama sem reclamar.
E os Jeeps atuais?
Lá no começo dessa matéria disse que o Jeep Legacy nasceu para mostrar que as semelhanças entre gerações de 4x4 vão muito além das aparências. Foi por isso que resolvi dirigir o Wrangler 1992 para compará-lo com a geração mais recente do Wrangler que havia acabado de guiar.
Apesar das diferenças dos projetos separados por três décadas, a posição de dirigir do "primo" moderno lembra muito a dos jipes clássicos. Isso significa que o motorista viaja bem próximo da porta e levemente deslocado para a esquerda.
Mas o que mais aproxima os modelos antigos da atual gama da Jeep é a valentia com que eles enfrentam as trilhas. Isso vale para qualquer modelo que carrega o emblema "Trail Rated", uma espécie de selo atribuído aos carros da Jeep capazes de enfrentar atoleiros e outras situações que a maioria dos SUVs abriria o bico.
Vale ressaltar que essa classificação só é dada às versões Trailhawk de Renegade e Compass, que possuem suspensão mais elevada, maiores ângulos de entrada e saída e outras características que os tornam mais preparados para sair do asfalto. E nem seria preciso dizer que Wrangler e Gladiator também ostentam o cobiçado selo. Mesmo assim, até o recém-lançado Grand Cherokee 4xe superou obstáculos de dificuldade considerável sem grandes complicações.
É claro que a tecnologia embarcada nestes modelos, que são equipados com bloqueio de diferencial e diversos modos de condução, facilita a tarefa. O Wrangler Unlimited, por exemplo, tem até um sistema que desacopla a barra estabilizadora. Só que os SUVs da Jeep oferecem mais recursos capazes de livrá-los de apuros que dificultam a vida da maioria dos rivais.
Ao fim do dia, fica claro que os Jeeps atuais não transmitem a mesma robustez dos seus antecessores. Entretanto, a desenvoltura dos SUVs modernos na lama mostra que não é prudente achar que a única semelhança entre passado e presente está no desenho da lanterna do Renegade ou nas sete fendas da grade frontal. Quem pensar assim poderá se surpreender.Dirigir um Jeep antigo mostra que elo com passado segue nos SUVs atuais