OPINIÃO: Uma mancha difícil de apagar
O Flamengo não é a Vale tampouco a Boate Kiss. Clubes de futebol mexem com o imaginário, as emoções, os sonhos... E acontecimentos como o do incêndio no Ninho do Urubu deixam marcas que não podem ser apagadas. Diante da maior tragédia da história do Flamengo, como sentenciou o presidente Rodolfo Landim na primeira entrevista coletiva após a morte de dez jovens da base, a omissão dos dirigentes em declarações à imprensa - e que perdurou duas semanas - repercutiu negativamente logo no maior patrimônio do clube: o seu torcedor.
Não foram poucas as mensagens de reprovação de flamenguistas em meio à postura adotada pelos cartolas. Principalmente após o fracasso da tentativa de conciliação no âmbito do Ministério Público e da Defensoria Pública. A proposta inicial do clube às famílias das vítimas foi demasiadamente abaixo do desejável. Os motivos para lamentar são muitos. E dolorosos. A extensão da tragédia face a grandiosidade do clube obrigava ao Flamengo tomar decisões do tamanho da sua existência para servir de jurisprudência para futuras decisões.
Sabe-se que nenhum valor preencherá o vazio deixado por uma vida. E justamente por tal motivo, lidar com a frieza dos números ao analisar as receitas do clube ou levar em conta o teto indenizatório fixado pela Justiça em casos com vítimas fatais não é o melhor dos caminhos a ser percorrido. Quando se discute a indenização às famílias dos jovens que perderam suas vidas no alojamento do clube, as cifras não podem ganhar destaque. O Flamengo, certamente responsável pelo ocorrido, junto de outros entes e privado, frustra a expectativa ao acenar com uma postura de indenizar minimamente estes familiares. O mecanismo robótico de conduzir as etapas do processo, permitindo com que o assunto fosse propagado aos montes sem adotar um posicionamento justo, não representa nem de longe o status de clube mais popular e querido do Brasil.
Vivemos em uma sociedade carente de comportamentos tidos como exemplares. Não é de hoje que o futebol desperta a paixão avassaladora de multidões, de crianças e adultos, representando uma função social atribuída originalmente ao estado, cada vez mais esfacelado e ausente de suas obrigações. Um clube de massa detém uma ferramenta poderosa: a de se relacionar com as pessoas. Constitui-se um formador de opinião, influencia na medida em que se torna objeto de desejo e ideal de milhões de adeptos.
Ao não se reportar ao caso com uma proposta incondicionalmente acima do padrão e causar dor e revolta aos parentes já combalidos das vítimas, o Flamengo deu vexame, colocando em xeque, sim, o seu futuro. O valor atribuído como marca se esvai no instante em que nota-se um esforço para gastar menos e pôr fim ao assunto.
Em tempos de reforma no Brasil, resta aos dirigentes do clube da Gávea refletirem nos últimos episódios dessa tragédia e decidirem criar um Flamengo diferente. Que a partir de uma indenização sem precedentes e no que mais for necessário - custe o que custar - a fim de que estas famílias sigam em frente, o Rubro-Negro seja futuramente reconhecido como um clube que soube ser gigantesco no momento certo. Que galgou um caminho limpo ao assumir e
aprender com o seu erro. Que deu valor ao maior bem que existe, a vida, e se tornou exemplar, inaugurando uma nova era no implemento de sua responsabilidade social. Que revolucionou a função do futebol como agente de formação de futuros cidadãos, aliando o poder transformador de um clube.
Por enquanto, resta a reputação rubro-negra uma mancha difícil de apagar.
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