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Prostitutas sagradas: sexo já foi ligado ao divino e era feito em templos

Cena erótica em Pompeia; sexo era visto de forma diferente por povos antigos - Getty Images/iStockphoto
Cena erótica em Pompeia; sexo era visto de forma diferente por povos antigos Imagem: Getty Images/iStockphoto
do UOL

Colaboração para Universa*

17/04/2024 04h00

Usar o corpo como meio de se aproximar do divino era comum para povos não cristãos da Antiguidade. Historiadores especializados em sexualidade dizem que a prostituição era sagrada para muitos nessa época.

A prostituição nunca foi tolerada por religiões patriarcais e monoteístas, que sempre buscaram repreendê-la. Mas prostitutas existiam na Antiguidade e, em culturas como Babilônia e Grécia, suas práticas eram tratadas com naturalidade.

O corpo era parte importante dentro da sacralidade.

Prostitutas viviam em templos

Há evidências de práticas sexuais em templos ou em contextos ritualísticos, envolvendo diversas classes ou tipos de sacerdotisas, que serviam a diferentes deuses do panteão e se entregavam em troca de pagamentos.

 Inanna, principal divindade do panteão sumérico - Divulgação - Divulgação
Inanna, principal divindade do panteão sumérico
Imagem: Divulgação
Sexo agradava às divindades

Os achados arqueológicos da cidade de Pompeia, por exemplo, mostram a existência de "casas de prostituição". Na Bíblia e na Torá também são encontradas menções a "prostitutas cultuais", chamadas de "qdshah" —traduzidas como "prostitutas sagradas".

No livro "Além da Religião", David N. Elkins, PhD e professor da Universidade de Pepperdine, nos Estados Unidos, observa que as prostitutas da Antiguidade eram tratadas com honra e respeito por sua posição espiritualizada e compromissada.

Em algumas culturas, de cada mulher se esperava que servisse ao menos por algum tempo no templo como prostituta sagrada. As mulheres não viam isso como uma obrigação, mas como uma oportunidade de expressar suas paixões sexuais a serviço de deuses. As donzelas assumiam o papel de prostitutas sagradas para que fossem iniciadas na feminilidade. Outras mulheres permaneciam no templo durante anos, dedicando seu corpo e sua vida.

Rituais de fertilidade

As relações sexuais dentro dos templos também estariam ligadas a rituais de agradecimento e pedidos de devotos. Como exemplo, homens faziam sexo com prostitutas sagradas a fim de se aproximar de divindades femininas, ligadas à fertilidade e que poderiam abençoá-los com filhos ou mesmo com um casamento feliz.

Prostitutas pertenciam aos santuários, como o da deusa grega Afrodite, e estavam lá para servir. Os homens faziam donativos e mantinham relações carnais legítimas.

No caso da Mesopotâmia, existia o culto à deusa suméria Ishtar ou Inanna, que regia a guerra e o sexo. Um rito de ano novo consagrado a essa divindade incluía prostituição de uma sacerdotisa com um rei, visando boas colheitas e prosperidade.

Relações sexuais não serviam somente para o prazer ou para o recebimento do valor pago. Envolviam também um aspecto sagrado e ritualístico, de satisfazer a divindade e manter o equilíbrio na Terra. O mundo divino e o mundo humano não estavam separados.

Ascensão das religiões patriarcais

Se no mundo antigo, cultos às deusas eram comuns e praticados ao longo de milhares de anos, com a ascensão das religiões patriarcais eles foram abolidos. Em seu livro, David N. Elkins explica que as próprias culturas agrárias e a ação de invasores estrangeiros contribuíram para a substituição do poder feminino pelo masculino e o declínio das prostitutas sagradas.

O corpo e a sexualidade feminina, tão valorizados nos cultos às deusas, passaram a ser depreciados. As mulheres foram tidas como propriedade dos homens e frequentemente como objeto de uso, controle e exploração, conforme aos homens aprouvesse. O judaísmo e o cristianismo, que têm raízes na antiga cultura hebraica, de uma forma ou de outra sempre retrataram Deus como sendo masculino e consideraram blasfemo adorar uma deusa.

A consequência, explica Elkins, foi a criação de uma cultura repressora, em que as mulheres que expressavam sua sexualidade de maneira aberta ou simplesmente contrariavam seus maridos, eram mortas apedrejadas, enforcadas, queimadas, ou, então, ridicularizadas em público, presas e até banidas do convívio social por meio de tabus masculinamente introduzidos.

No entanto, não é possível afirmar que antes, quando a prostituição era sagrada, existia um clima de liberdade sexual. Na Antiguidade, era uma profissão, mas legitimada pelo reino e pelas crenças religiosas, o que concedia às sacerdotisas, inclusive, o direito à herança paterna para conseguir sobreviver.

A condenação da prostituição, hoje, se dá justamente pela sua não regulamentação —e, muitas vezes, ligada a fatores morais que envolvem crenças religiosas que condenam o sexo fora do casamento. Em diversos países, como o Brasil, o Estado e a lei fecham os olhos para a questão da prostituição, preferindo simplesmente coibir sua prática, mesmo que ela continue existindo sem que as prostitutas tenham quaisquer direitos trabalhistas.

Fontes: Janaina de Fátima Zdebskyi, mestra e doutoranda em história pela Universidade Federal de Santa Catarina; e Sergio Feldman, doutor em história pela Universidade Federal do Paraná, perito em Antiguidade Tardia, Cristianismo e Judaísmo e professor na Universidade Federal do Espírito Santo , com matéria publicada em 17/06/2019

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