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Terceira virada de mesa seguida leva a Liesa para o fundo do poço

Detalhe do desfile do Império Serrano em 2019 - Buda Mendes/Getty Images
Detalhe do desfile do Império Serrano em 2019 Imagem: Buda Mendes/Getty Images
do UOL

04/06/2019 16h07

O Carnaval das escolas de samba do Rio de Janeiro atingiu o fundo do poço de sua credibilidade. Após a decisão de cancelar, sem nenhum motivo plausível, o rebaixamento da Imperatriz Leopoldinense, os dirigentes de oito escolas do Grupo Especial arrastam o espetáculo, que nos últimos anos tem merecido o desprezo do prefeito Marcelo Crivella e sofrido com a fuga de patrocinadores, para um quadro em que, salvo alguma mudança sensível e a curto prazo, caminhará para uma espiral de descrédito jamais vista.

Pelo terceiro ano seguido, o Grupo Especial não terá o rebaixamento de uma agremiação de poder político. Cada episódio tem uma característica - sempre estarrecedora. Em 2017, prevaleceu o senso de preservação preventivo. Após um desfile catastrófico da Unidos da Tijuca e a iminência do rebaixamento da escola, decidiu-se, antes da apuração, cancelar o rebaixamento. Por um outro mal ancestral do Carnaval, naquela ocasião, o julgamento de bandeira prevaleceu e a lanterna ficou com o Paraíso do Tuiuti.

No ano passado, foi a vez o velho compadrio. Após ficar em penúltimo lugar, a Grande Rio arvorou-se ao direito de permanecer entre as grandes baseada em relações de amizade, patrocinadores e mídia que trazia para o desfile, além de seu gigantesco camarote. Com a exceção de Portela e Mangueira, as demais aceitaram que o regulamento fosse rasgado pela segunda vez e a Grande Rio ficou no grupo, ao lado do Império Serrano, que havia ficado em último lugar. Detalhe interessante: após a decisão, a Grande Rio desativou o seu camarote na Sapucaí.

Após a decisão de 2018, tudo parecia que seria diferente. O Ministério Público entrou na jogada e fez a Liesa assinar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) que preconizava uma multa de R$ 750 mil em caso de descumprimento do regulamento. Após o julgamento do Carnaval de 2019, o presidente da Imperatriz Leopoldinense, Luizinho Drumond, encarou com tranquilidade o resultado e afirmou que desfilaria no Grupo de Acesso. O Império Serrano, também rebaixado, deixou seu barracão na Cidade do Samba.

O presidente da Imperatriz Leopoldinense, Luizinho Drumond - Wallace Barbosa/AgNews - Wallace Barbosa/AgNews
O presidente da Imperatriz Leopoldinense, Luizinho Drumond
Imagem: Wallace Barbosa/AgNews

A virada de mesa de 2019 é regida pela surrealidade. Em primeiro lugar, porque ela parte apenas de pressupostos. Segundo o que foi admitido pelo demissionário presidente da Liesa, Jorge Castanheira, ela foi motivada pela preocupação de oito escolas com os rumos que tomará a Lierj (Liga das Escolas de Samba do Rio de Janeiro), responsável pelo Grupo de Acesso e, que, recentemente, elegeu uma nova diretoria e talvez poderia não receber dignamente a Imperatriz em seu desfile. Talvez, faço questão de ressaltar.

Desta forma, por receio do tratamento que a Imperatriz poderia vir a ter nesta divisão, decidiu-se por sua permanência no grupo principal. E, para reforçar esse roteiro que Gabriel Garcia Marquez assinaria com gosto, deixa-se entregue à própria sorte o Império Serrano, que não será beneficiado com a manobra. Estranha entidade a Liesa: salva uma escola fundadora e condena a outra ao cadafalso. A confusão está formada: com qualquer advogado mediano o Império Serrano conseguirá, a qualquer momento, uma liminar para permanecer no desfile principal. Com 14 barracões para 15 escolas, como a Cidade do Samba abrigaria o Império?

Outro ingrediente nesta trama bizarra: a virada de mesa contou com o apoio irrestrito de São Clemente (logo ela, que neste ano criticou em seu desfile a virada de mesa do ano passado!), União da Ilha, Paraíso do Tuiuti e Estácio de Sá. Apenas a Síndrome de Estocolmo pode explicar um voto que institucionaliza, de uma vez por todas, que existem dois grupos dentro de um: o das escolas que não podem cair e das que podem cair. Ou será que seus presidentes têm a singela esperança de que tal gesto será feito em seu favor futuramente?

Para além da surrealidade, o episódio também demonstra que a correlação de forças no mundo do Carnaval começa a ter um novo diapasão. A votação desta segunda-feira registra a maior derrota da história para mandatários que criaram a Liesa: Anísio Abraão David e Capitão Guimarães, que controlam, respectivamente, Beija-Flor e a Vila Isabel. Em represália, a escola de Nilópolis já anunciou que cancelou a festa de lançamento de seu enredo, que ocorreria no próximo domingo. A Vila lançou dura nota nas redes sociais.

A novela promete novos capítulos, com a queda de braço entre os dois grupos. Há promessas de tentativa de reversão do resultado em reunião do Conselho Superior da entidade. Uma coisa é fato: a Liesa, como instituição inabalável, morreu na noite do dia 3 de junho. Os desdobramentos, no que diz respeito ao comando do Carnaval carioca, são completamente imprevisíveis.

Por ora, o certo é que a credibilidade está abaixo do pré-sal, o Ministério Público certamente tomará suas medidas e o hostil prefeito Marcelo Crivella terá ainda mais motivos para, sorrindo de orelha a orelha, destilar seu festival de hipocrisia e desrespeito com um patrimônio cultural carioca. E desta vez, até com certa razão. Afinal, por mais gigantesco que seja o legado das escolas e o seu envolvimento com a vida do carioca comum, este patrimônio está entregue às traças por culpa de seus próprios mandatários.

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