Topo
Notícias

A rotina dos cães farejadores que buscam desaparecidos em Brumadinho

31.jan.2019 - Com cães farejadores, bombeiros continuam as buscas por corpos em Brumadinho (MG) - Mauro Pimentel / AFP
31.jan.2019 - Com cães farejadores, bombeiros continuam as buscas por corpos em Brumadinho (MG) Imagem: Mauro Pimentel / AFP

Luiza Franco - Enviada da BBC News Brasil a Brumadinho (MG)

08/02/2019 08h42

Bombeiros que trabalham com cães farejadores costumam dizer que um deles vale por 20 militares. Sua principal ferramenta é o olfato, capaz de detectar partículas imperceptíveis para os seres humanos, já que eles têm dez vezes mais receptores olfativos do que nós.

Nas buscas por desaparecidos na lama de Brumadinho, onde a profundidade chega a 15 metros em alguns locais, eles têm sido fundamentais. Desde o dia do rompimento da barragem de rejeitos, já encontraram mais de 20 mortos. Na etapa atual de buscas, duas semanas após a tragédia, o Corpo de Bombeiros já percorreu toda a parte superficial da lama, e agora procura por desaparecidos em camadas mais profundas.

À medida que as chances de encontrar pessoas com vida se aproximam de zero, os cães têm desempenhado o importante papel de localizar mortos. Até a noite de quinta-feira, 7 de fevereiro, 158 mortes haviam sido confirmadas e 182 pessoas seguiam desaparecidas.

A BBC News Brasil conheceu três dos cães empregados: a labradora Santa, a pastora alemã Angel e o border collie Thor, os três muito dóceis, e conversou com seus "condutores", como são chamados os responsáveis por cada cão, para entender a rotina de trabalho.

Os animais são levados a locais onde acredita-se que existam vítimas - MAURO PIMENTEL/AFP/GETTY IMAGES - MAURO PIMENTEL/AFP/GETTY IMAGES
Os animais são levados a locais onde acredita-se que existam vítimas
Imagem: MAURO PIMENTEL/AFP/GETTY IMAGES

A rotina dos cães na lama de Brumadinho

Ao planejar as buscas, o Corpo de Bombeiros identifica áreas onde pode haver um número grande de vítimas. Quando está diante da lama com seu cão, o condutor dá o comando "dead" ("morto" em inglês) e o cão vai em busca daquele odor. Se houver alguém vivo, o cachorro também indicará a presença da pessoa, pois é treinado para identificar ambos os cheiros.

Em alguns lugares, os bombeiros fazem buracos fundos com bastões e abrem o que chamam de "cone de odor" para o cão detectar se há algo ali que os seres humanos não estão percebendo. Se acharem alguém, os cães latem.

O cão precisa estar atento, com a boca fechada, puxando ar só pelo nariz. Se estiver com a boca aberta, é hora de descansar. Para cada dez minutos de trabalho, diz a norma, são vinte de descanso.

Desde o dia do rompimento da barragem de rejeitos, os cães farejadores já encontraram mais de 20 mortos - DIVULGAÇÃO/CBMG - DIVULGAÇÃO/CBMG
Desde o dia do rompimento da barragem de rejeitos, os cães farejadores já encontraram mais de 20 mortos
Imagem: DIVULGAÇÃO/CBMG

O olfato canino detecta cheiros humanos emitidos de diversas formas, como as cerca de 40 mil células que se desprendem por minuto da pele de pessoas vivas, a transpiração e gases respiratórios ou a decomposição dos mortos.

Como os animais são treinados para identificar odores específicos, eles têm sido úteis em Brumadinho também para confirmar se um segmento de corpo pertence a um ser humano ou a um animal, também atingidos pela lama.

Os cães que trabalham em Brumadinho são os de dupla função - são treinados para achar pessoas vivas e mortas. Durante o treinamento, eles são apresentados a cada tipo de odor e estimulados a identificá-los - DIVULGAÇÃO/CBMG - DIVULGAÇÃO/CBMG
Os cães que trabalham em Brumadinho são os de dupla função - são treinados para achar pessoas vivas e mortas. Durante o treinamento, eles são apresentados a cada tipo de odor e estimulados a identificá-los
Imagem: DIVULGAÇÃO/CBMG

O treinamento dos cães farejadores e dos humanos que os conduzem

Para conduzir um cão de busca e salvamento, militares também passam por um treinamento básico de adestramento. Aprendem os comandos mais comuns, alguns dados em inglês - "sit", deita, fica - e outros mais específicos.

Depois, pegam um filhote, que passa a ser de sua responsabilidade, e começam a treiná-lo. Cada bombeiro tem o seu. "Eles pertencem ao Estado, mas a gente se apega", diz o tenente Eduardo Domingos, que atua com cães há nove anos, enquanto faz carinho no pescoço da pastora alemã.

Em seguida, desenvolvem com o cão treinamento para a atividade específica a ser exigida dele - identificar drogas, explosivos, pessoas.

Os cães que trabalham em Brumadinho são treinados para achar pessoas vivas e mortas. Durante o treinamento, eles são apresentados a cada tipo de odor e estimulados a identificá-los.

Labradores têm melhor faro, mas se cansam mais rápido. Já um pastor alemão trabalha 40 minutos direto - BBC/LUIZA FRANCO - BBC/LUIZA FRANCO
Labradores têm melhor faro, mas se cansam mais rápido. Já um pastor alemão trabalha 40 minutos direto
Imagem: BBC/LUIZA FRANCO

É importante que o treino seja o mais parecido possível com as situações reais. O ideal, portanto, seria usar carne humana, mas, segundo uma pesquisa do Corpo de Bombeiros de Santa Catarina, nem todos os Estados permitem isso. A alternativa é usar químicos com cheiros similares.

Raças

Não é qualquer raça que pode ser usada para esse tipo de trabalho. Os cães farejadores devem ser fortes para, no caso de Brumadinho, passar horas andando na lama, e resistentes a temperaturas altas.

Labradores têm melhor faro, mas se cansam mais rápido. Enquanto um pastor alemão trabalha 40 minutos direto, um labrador consegue farejar, sem se cansar, por apenas 20.

Labradores são também os mais fáceis de treinar. Em geral, bombeiros iniciantes ficam com essa raça.

Border collies são muito "sensíveis", segundo o tenente Domingos. Essa raça e os pastores belgas malinois são consideradas mais inteligentes, pois precisam de menos repetições para aprender durante o treinamento.

"Eles trazem alegria. Ainda mais numa tragédia como esta, um animal faz toda a diferença", diz a sargento Clarissa Carvalho - BBC/LUIZA FRANCO - BBC/LUIZA FRANCO
"Eles trazem alegria. Ainda mais numa tragédia como esta, um animal faz toda a diferença", diz a sargento Clarissa Carvalho
Imagem: BBC/LUIZA FRANCO

O tempo que leva para um cão ser considerado formado depende da raça e do indivíduo. A carreira militar começa logo após o desmame, com dias de vida. Em geral, com dois anos, um cão já trabalha. O bicho "se aposenta" com oito anos de efetivo serviço ou dez de idade.

A sargento Clarissa Carvalho, do Corpo de Bombeiros de Minas, está começando agora o treinamento. Ela diz que os cães fazem grande diferença na eficiência do trabalho - e também no bem-estar da equipe.

"Eles trazem alegria. Ainda mais numa tragédia como esta, um animal faz toda a diferença."

Para receber notícias do Brasil e do mundo, acesse o Messenger do BOL, digite "Notícias" e clique em "Sim". É simples e grátis!

Notícias