Eleição do PT expõe tensão entre volta à militância e flerte com centrão

Filiados do PT foram às urnas hoje para eleger a nova presidência do partido, em meio a uma disputa que expõe uma contradição interna: a escolha entre a reaproximação com pautas de esquerda ou o fortalecimento da coalizão no Congresso.
Ao todo, 2.959.823 filiados estavam aptos a votar. Em entrevistas ao UOL, diversos membros defendem que o partido deve intensificar sua aproximação com movimentos sociais. Já para os dirigentes, a eleição interna deste ano representa também um momento de transição na gestão do PT.
O que aconteceu
Eleição contou com quatro candidaturas nacionais e oito chapas. A disputa se concentrou sobretudo entre o ex-prefeito de Araraquara Edinho Silva —candidato apoiado por Lula— e o deputado federal Rui Falcão, que já presidiu o partido.
Favorito, Edinho defende alianças com o centro e setores do mercado financeiro. Já Rui critica esse caminho, afirmando que o distanciamento da esquerda fez o PT perder votos. Internamente, porém, há quem o veja como alguém que se afastou de Dilma Rousseff durante o processo de impeachment, período em que presidia o partido. Também disputam a presidência nacional os quadros históricos Romênio Pereira e Valter Pomar.
O que esperam os petistas
"Eleição mais cheia e animada". Para o professor universitário Tiago Mesquita, 46, os caminhos em disputa animaram filiados do partido. "Esta eleição mobilizou a militância popular", afirmou.
"Base sempre esteve presente". Mesquita rejeita a ideia de que o PT tenha se afastado da base. "Mas é preciso construir uma nova relação com ela, porque o partido passou a acumular muitas tarefas institucionais." Mesquita defende que o partido precisa de "mais mobilização".
Partido precisa aproveitar conjuntura favorável, diz filiada. A professora Sabrina Teixeira, 45, vê na eleição interna uma oportunidade para o PT considerar a mudança no cenário político atual. A taxação dos super-ricos é exemplo da nova fase e a posição de Lula a favor da medida indica que ele tem ouvido a militância. Tiago e Sabrina Teixeira votaram no Rio Pequeno, zona oeste da capital paulista.
É hora de redefinir rumo do partido. A avaliação é do editor Pedro Salles, 26, que vê a legenda dividida "entre pessoas que usam o partido como legenda eleitoral e quem usa como instrumento de luta". Salles votou pela manhã no Edifício Ouro para o Bem de São Paulo, na rua Álvares Penteado, região central da cidade, um dos locais com maior concentração de eleitores.
Disputa interna
Entre os dirigentes do PT, avaliação também é de que a eleição interna deste ano marca uma transição na governança do partido. A leitura dominante é que o PT precisa se preparar para a era "pós-Lula".
Caso Lula concorra à reeleição em 2026, será a última disputa presidencial do ex-presidente. "Com isso, o partido deve assumir um papel mais central no projeto político iniciado por ele", afirma uma fonte, que preferiu não se identificar.
Outro ponto de destaque entre as lideranças é expectativa que a eleição —que acontece também em âmbito estadual e municipal— traga renovação para o partido. "Uma nova geração de dirigentes, formada durante os governos do PT e com uma visão mais atualizada, está mais atuante. A relação entre as duas gerações tem pautado o futuro do partido", avalia uma dirigente.
Impactos positivos e programas sociais já não são mais associados ao PT, avaliam dirigentes. Parte da população já incorporou programas sociais como Farmácia Popular, Bolsa Família, Pé-de-Meia, Prouni e Minha Casa Minha Vida como permanentes e desvinculados do partido. "Precisamos entender por que as pessoas deixaram de ver na política a capacidade de promover os ajustes necessários para garantir equilíbrio e bem-estar", afirma uma das lideranças.
Contradições
Processo de eleições internas do PT é "absolutamente viciado", diz o cientista político Rudá Ricci. O autor de "Lulismo: Da era dos movimentos sociais à ascensão da nova classe média brasileira", avalia o cenário com ceticismo. O processo de eleições internas do PT, diz ele, virou um mecanismo de controle da corrente majoritária, a CNB (Construindo um Novo Brasil). O modelo já foi "denunciado por muitas lideranças como uma transformação do processo de escolha".
Ricci afirma que, desde os anos 1980, a CNB —então chamada Articulação— passou a desmontar as estruturas de base do partido. "Essa corrente específica troca o debate político e a participação massiva por um centralismo político", diz. Segundo ele, disputas internas passaram a ser resolvidas por "imposição administrativa", esvaziando núcleos de bairro e núcleos profissionais que antes tinham papel decisivo.
Há, portanto, limites para transformações. O controle concentrado da corrente majoritária sobre o partido e o esvaziamento dos espaços de debate impedem que mudanças profundas aconteçam, diz o pesquisador.
Militância se divide entre dois grupos, diz Ricci. O grupo dos " petistas orgânicos" é formado por aqueles que participam da estrutura interna. Já os "petistas não alinhados" são os mais ativos nas redes sociais e tendem a aderir a pautas como a taxação dos super-ricos por acreditarem, equivocadamente, que representam a linha oficial do PT.
Suspensão
Em Minas Gerais, a eleição foi suspensa. O diretório do partido adiou a votação no estado, devido a uma decisão judicial que beneficiou a candidatura da deputada Dandara Tonantzin à liderança local. Inicialmente, o PT havia barrado sua participação por atraso na quitação da contribuição partidária. A legenda justificou o adiamento alegando que a intimação chegou na noite de sábado, sem tempo suficiente para incluir o nome de Dandara nas cédulas.
Resultado ainda não tem data para ser divulgado. A votação foi feita em cédula de papel. Partido deve finalizar a contagem até esta segunda-feira.