Esquerda inflama redes com novo foco, mas fica longe de alcance da direita

A ofensiva contra o Congresso promovida por grupos de esquerda nas redes sociais atingiu números inéditos durante o terceiro governo Lula —mas ainda está longe de números expressivos atingidos pela direita em crises recentes.
O que aconteceu
Levantamento da empresa de pesquisas Nexus mostra que a campanha "BBB" já soma 4,5 milhões de posts no X, no Instagram e no Facebook. A sigla foca na taxação de bancos, bilionários e bets. O PT e seus aliados também têm usado vídeos feitos com IA para alavancar as críticas ao Congresso.
Movimento começou no dia 24 de junho. A empresa monitorou frases como "Congresso inimigo do povo" e "Ricos paguem a conta", algumas das mais utilizados pela esquerda nas redes. O volume de publicações no Instagram, no X e no Facebook aumentou após o Congresso derrubar o decreto do governo que elevava o IOF, em 25 de junho.
Entre os termos levantados, o mais citado foi "Congresso da Mamata", seguido de "Agora é a vez do povo". O primeiro teve 824.051 citações. Já o segundo foi mencionado 464.441 vezes no X entre os dias 23 de junho e 4 de julho.
93% das discussões se concentram no X. Facebook (6%) e Instagram (1%) têm uma participação residual. Somente na rede de Elon Musk, as postagens que citam ao menos um dos termos do movimento já somam mais de 3,72 milhões de curtidas, 997 mil compartilhamentos e cerca de 92,5 milhões de visualizações.
Congresso e presidente da Câmara são mencionados pela esquerda como "inimigos do povo". Hugo Motta (Republicanos-PB), foi chamado de "traidor" 347.497 vezes, e apontado em 65.172 ocasiões como alguém que "não se importa" com os mais pobres, segundo o levantamento da Nexus com base numa amostra de 1,62 milhão de posts. O Congresso foi mencionado como "inimigo do povo" 574.795 vezes.
"Mobilização revela uma força tática poderosa para moldar a percepção pública", diz o CEO da Nexus, Marcelo Tokarski, responsável pelo levantamento. Para o especialista, trata-se de "uma onda até certo ponto inédita de uma mobilização mais ligada à esquerda".
Outra pesquisa, feita pela Quaest, coletou 4,4 milhões de menções sobre o Congresso. Segundo o levantamento, 32 milhões de usuários foram alcançados por esse tipo de conteúdo a cada hora.
61% das menções criticam o Congresso, diz Quaest. Somente 11% dos posts foram favoráveis aos deputados. Os perfis que se mantêm neutros em relação ao tema são 28%.
No dia 25 de junho, a hashtag #InimigosDoPovo teve 300 mil menções. Esse dia, no qual o Congresso derrubou o novo IOF, é visto pela Quaest como um marco de movimento favorável ao governo. A empresa disse que entre os dias 30 de junho e 3 de julho houve um novo pico de menções à insatisfação contra o Congresso e críticas direcionadas ao presidente da Câmara, Hugo Motta.
Parlamentares governistas também dominaram as redes, espaço onde a direita normalmente consegue ter maior sucesso. Enquanto 119 parlamentares governistas postaram 741 vezes sobre as discussões sobre tributação, 112 parlamentares de oposição publicaram 378 vezes — para a Quaest, é a primeira vez que os parlamentares de esquerda conseguem ser mais ativos que os de direita.
Números distantes da direita
Apesar do otimismo petista com os números da campanha, os números continuam abaixo dos resultados obtidos pela direita. Até a publicação desta reportagem, o vídeo com maior audiência no Instagram do PT tinha 14,6 milhões de visualizações. Em comparação, o vídeo do deputado federal Nikolas Ferreira (PL-SP) durante a crise do Pix atingiu 200 milhões de visualizações em um dia.
Somados, os três primeiros vídeos lançados pela campanha "BBB" foram assistidos 18,7 milhões de vezes no Instagram. O quarto vídeo da campanha foi publicado às 17h de ontem e teve 14 mil visualizações em uma hora.
A Palver, empresa que monitora 100 mil grupos públicos brasileiros, diz que a campanha da esquerda chegou a 700 mil usuários de Telegram e WhatsApp. O fundador da empresa, Luis Fakhouri, afirma que o debate sobre taxação de bilionários cresce desde o dia 28, mas que a direita conseguiu entrar rapidamente na discussão.
O levantamento aponta que a cada 100 mil mensagens trocadas no WhatsApp no dia 1º de julho, 195 eram sobre a briga entre o Executivo e o Congresso. Os principais tópicos citados foram: críticas ao envolvimento do STF na decisão do Congresso, considerando o governo antidemocrático; como o aumento do IOF prejudica especialmente as classes mais baixas; e como o governo está frágil para as eleições de 2026.
O governo 'viralizou', mas ainda é visto majoritariamente como antidemocrático por acionar o STF e falsamente interessado em pautas sociais por não reconhecer o suposto impacto do aumento do IOF sobre os pobres.
Trecho do levantamento da Palver
Avaliação do governo no WhatsApp e no Telegram começou a melhorar na quarta-feira, diz a empresa. "Vídeos produzidos por IA, com referências a 'Hugo não se importa' e à injustiça social promovida pelo caráter regressivo da política tributária brasileira, receberam a seta dupla de 'encaminhados com frequência' no WhatsApp, situação pouco usual para conteúdos de esquerda", diz o estudo.
[A esquerda] conseguiu impor uma narrativa muito forte, fenômeno normalmente é mais associado aos perfis de direita.
Marcelo Tokarski, CEO da Nexus
O PT conseguiu pautar a discussão. Só que hoje a maior parte dos comentários que existem nos grupos públicos de WhatsApp e Telegram são desfavoráveis ao governo. Apesar de ter conseguido pautar o debate, a direita entrou na discussão e reforçou a tese de que é um governo que gasta muito, de que é um governo que não está preocupado com responsabilidade fiscal.
Luis Fakhouri, fundador da Palver