Movimentos prometem lotar COP e cobrar o governo: 'Momento de contradição'

Os movimentos sociais prometem fazer barulho durante a COP30, em Belém, em novembro, e cobrar o governo Lula (PT).
O que aconteceu
A Cúpula dos Povos, que reúne as organizações sociais, quer levar 15 mil pessoas ao Pará, em novembro. Os grupos se dizem escanteados do debate principal, voltado aos países, e pretendem promover debates e trazer discussões nos espaços públicos da capital e nas áreas reservadas pela organização.
As reivindicações são muitas. Com diversas lideranças, os grupos tratam desde propostas mais voltadas a meio ambiente e sustentabilidade, como preservação de territórios e produção alimentar, a temas mais variados, como ancestralidade.
O consenso é que o governo passa por um conflito ao receber o evento e estimular pautas como exploração de petróleo próxima à Foz do Amazonas. "É esse momento de contradição que vivemos: há muitas demandas das pessoas que são impactadas diretamente pelo efeito das mudanças climáticas enquanto há um lobby enorme de empresas junto aos Estados-partes querendo capitalizar em cima da COP com falsas soluções com continuidade do mesmo modelo de devastação", afirma Lúcia Ortiz, do movimento Amigas da Terra Brasil.
"Neste ano, a gente quer mostrar essa força popular", afirma Ortiz. "Esperamos, agora, fazer com que o governo federal avance do diálogo para o compromisso efetivo com essas forças populares do Brasil e do mundo, unidas contra o racismo e as desigualdades e pela justiça climática."
O debate ganha mais importância por acontecer no coração do chamado Sul Global, o que aumenta a pressão sobre o governo, aponta Jesus Vázquez, liderança da organização internacional La Vía Campesina. "É importante que seja aqui, com um governo favorável [ao discurso de Sul Global], mas é mais importante ainda que as pessoas se expressem para dizer que são os povos que produzem essas mudanças, são os pequenos produtores a motriz do que a COP almeja, não os governos", diz o ativista porto-riquenho.
"As multinacionais se juntam ao governo e dizem que buscam achar soluções, mas são sempre as soluções lucrativas", reclama Vázquez. "Temos que lutar por soberania alimentar e justiça social e climática igualmente, e isso só é feito com o povo, o povo que produz, mas que muitas vezes fica à margem." Ele veio a Belém em junho para participar da reunião pré-COP e deverá voltar em novembro com mais colegas.
Os povos indígenas também prometem movimentar a agenda. Lideranças querem fazer protestos tanto contra a exploração de petróleo na Margem Equatorial —assunto já decidido no governo Lula (PT) e que não deve ser debatido na COP— quanto no pedido de aceleração do processo de demarcações de terras.
"O que a gente gostaria de ter não é sinalização, promessas, mas oficialização maior nos documentos", afirma Alana Manchineri, assessora internacional da Coiab (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira). "Não que nós achemos importantes as falas [promessas], mas a gente entende que as conjunturas mudam. Sempre que há mudança de governo, são nossos os primeiros direitos a serem usurpados. Quando você tem a documentação, quando está no papel, há mais garantias."
Ela sugere, por exemplo, que o aumento das demarcações seja atrelado às metas ambientais que o governo tem estabelecido. "Aí, pode passar o governo Lula e a gente tem esse documento que garante, pelo menos, a pressão. A gente entende a realidade do Congresso [contra demarcações], mas, se tiver escrito, a gente tem uma oficialização."
Apesar das críticas, há, no entanto, um claro tom de "ruim com ele, pior sem ele". As diferentes lideranças dizem que suas pautas avançaram de uma forma ou de outra se comparadas ao governo Jair Bolsonaro (PL), o que faz com que amenizem as críticas.
Ortiz diz que, pelo menos, há diálogo. "Já que temos no Brasil um governo democrático que, na presidência dessa 30ª Conferência do Clima, tem de ouvir nossas demandas", diz a ativista.
O governo se defende sob este mesmo argumento. Membros de diferentes ministérios que dialogam com a COP, como Meio Ambiente e Secretaria-Geral da Presidência, dizem que diversos canais de diálogos foram criados pelo governo Lula não só para o debate do dia a dia da gestão como em espaços para debate dentro da própria COP.
A coordenação da COP também lembra que este é, historicamente, um debate entre os Estados. Usando a exploração na Margem Equatorial como exemplo, articuladores dizem que não só não é papel da cúpula debater questões particulares de países como seria infringir as respectivas soberanias nacionais ao tratar de temas reservadas a cada nação-membro.