Como mães italianas ajudaram a condenar chefões da Mitsubishi por poluentes

Do portão escancarado da antiga fábrica da Miteni, em Trissino, o que se vê é mato alto, placas enferrujadas e um nome apagado "Miteni". Ali, por décadas, uma das maiores produtoras de PFAS (substâncias perfluoroalquiladas) da Europa despejou no solo e nos rios toneladas de substâncias tóxicas, os chamados "poluentes eternos". Esse tipo de produto não se degrada, viaja pela água, se acumula no sangue e, como hoje se sabe, está associados a doenças graves como câncer, distúrbios hormonais e problemas cardíacos.
Foi justamente o sangue contaminado dos filhos que transformou um grupo de mulheres comuns em protagonista da maior mobilização ambiental já registrada na Itália. As "Mamme No PFAS", como ficaram conhecidas, começaram sem saber por onde começar. E terminaram vencendo um dos maiores impérios industriais do país.
A sentença que veio das mães
Na tarde de 26 de junho de 2025, no Tribunal de Vicenza, a juíza Antonella Crea começou a ler: "Vistos os artigos 533 e 535 do Código Penal?". O que seguiu foi uma sentença histórica: dos 15 acusados, 11 foram condenados com penas que somam mais de 140 anos de prisão. Eles são ex-dirigentes da Miteni, da Mitsubishi e do fundo europeu ICIG. Entre os crimes: envenenamento das águas, desastre ambiental e gestão ilícita de resíduos.
Entre os condenados, estão três chefes japoneses da Mitsubishi Corporation, ex-proprietária da Miteni: Hosoda Maki (11 anos), Naoyuki Kimura (16 anos) e Yuji Suetsune (16 anos). Além deles, também foram condenados altos executivos europeus do fundo ICIG, como o irlandês Brian McGlynn (17 anos e 6 meses), o holandês Alexander Nicolaas Smit (17 anos), o austríaco Martin Leitgeb (4 anos e 6 meses) e o italiano Luigi Guarracino (17 anos), ex-diretor operacional da fábrica.
"A gente chorou porque sabia o que significava", disse Maria Cristina Cola, uma das porta-vozes do movimento. Quando descobriu que a água que sua família bebia estava contaminada por PFAS, tudo mudou. Mãe de dois filhos na pequena Lonigo, em Vêneto, sentiu um choque que ultrapassou o físico e tomou conta da alma. "Nunca imaginei que aquele líquido transparente que saía da torneira pudesse estar destruindo a saúde dos meus filhos", disse a italiana, que recebeu a reportagem do UOL em seu escritório na cidade de Arzignano, enquanto folheava os documentos e exames que marcaram o começo da mobilização das "Mamme No PFAS".
Tudo começou com um exame de sangue
Em 2017, o Vêneto descobriu que ao menos 300 mil pessoas haviam sido contaminadas com PFAS, graças a uma série de exames realizados pelo sistema de saúde regional. Em algumas amostras, os níveis de PFOA (ácido perfluorooctanóico, um tipo de PFAS) no sangue chegavam a 90 mil nanogramas por litro, mais de 10 vezes o limite de segurança (8 ng/L). Muitos contaminados eram adolescentes ou crianças.
Lembro bem quando recebemos uma carta do sistema de saúde nos convidando a fazer exames de sangue para verificar a presença de PFAS, porque haviam identificado uma contaminação dos lençóis freáticos. Quando recebemos os resultados, vimos que tínhamos essas substâncias no sangue. O laudo listava nomes de compostos que a gente nunca tinha ouvido falar. Eu, naquele momento, não sabia o que era PFOA, PFOS, nada disso. Mas estava claro que o limite seguro era até 8, e um dos meus filhos tinha 75, o outro 85. Na época, eles tinham 18 e 19 anos. Ficamos completamente desnorteados, porque a gente não sabia o que significava. E o pior: a gente só foi fazer esse teste quatro anos depois de a região ter sido avisada da contaminação. Quatro anos em que seguimos com a nossa vida de sempre, completamente ignorantes do risco. Durante todo esse tempo demos água da torneira em casa, sem saber que estava contaminada. Antes de sabermos dos resultados dos exames, ninguém falava nada. Nem um aviso, nada
Maria Cristina Cola
Foi o resultado do exame de sangue que uniu as mães, que resolveram agir. "A gente não podia ficar parada. Decidimos entrar no processo que estava sendo iniciado contra a Miteni e suas controladoras como parte civil, para mostrar que nós, pessoas comuns, podemos participar e exigir justiça."
Maria Cristina é advogada, tem familiaridade com leis e com o Código Penal, mas outras mulheres do grupo não. Juntas, enfrentaram a burocracia, a pressão das empresas e o silêncio das instituições. Foi um caminho doloroso e cheio de obstáculos, mas também de solidariedade e esperança.
"Foi como ver Davi derrotar Golias"
Ela lembra que foi preciso muita coragem para desafiar uma multinacional como a Mitsubishi, controladora da Miteni por mais de uma década, e outras gigantes que passaram pela gestão da fábrica. "A gente sabia que era pequeno demais diante deles. Quando decidimos nos constituir como parte civil no processo, já havia uma investigação em curso graças ao trabalho de outras associações, como ISDE, Legambiente e Medicina Democratica. Nosso mérito, talvez, tenha sido mostrar para as pessoas comuns que elas também podiam participar, que não deviam delegar tudo aos 'de cima'."
"Eles sabiam da contaminação desde os anos 90, tinham estudos internos, mas escolheram esconder a verdade. A gente ouviu isso no tribunal, e dói saber que a nossa saúde foi desprezada."
A fábrica da Miteni, inaugurada em 1965, produzia PFOA e PFOS sem qualquer controle ambiental. Documentos internos apreendidos pela polícia ambiental (Noe) mostram que a direção da empresa sabia desde os anos 1990 da gravidade da contaminação.
A sentença reconheceu o dolo: os executivos sabiam dos danos, tinham poder para agir, mas decidiram não fazer nada — ou pior: continuar produzindo, mesmo após a empresa americana 3M alertar, em reuniões internas, que os PFAS eram perigosos demais para continuar em uso.
Documentos depositados no processo mostram que a Miteni sabia do perigo. "Em uma reunião nos Estados Unidos, a 3M disse: vamos parar. A Miteni respondeu: a gente aumenta a produção. Isso foi em 1998. Meu filho nasceu nesse ano. Saber que naquele exato momento eles estavam cientes do veneno e mesmo assim decidiram seguir me destruiu."
Uma fábrica, três províncias, milhares de vítimas
A contaminação foi tão vasta que atingiu um território de 180 quilômetros quadrados, espalhando-se pelas províncias de Vicenza, Pádua e Verona. Tornou-se o maior desastre ambiental da história da Itália. Foi criada uma zona vermelha, onde o nível de contaminação era maior e as pessoas não podiam mais beber água da torneira. Segundo estimativas da Universidade de Pádua, nos últimos 38 anos, a zona vermelha teve uma incidência superior de mortes: cerca de 4.000 pessoas morreram, além de milhares de casos de doenças crônicas.
Mesmo diante desse cenário, a Mitsubishi jamais respondeu às solicitações das mães, nem compareceu às audiências. "A gente contatou a empresa no Japão. Nunca nos responderam. Mas jornalistas japoneses estão nos procurando. Talvez eles se importem com a imagem da empresa por lá."
A sentença é um marco e abre um precedente jurídico importante: quem polui, paga a conta. Mas é só o começo. A condenação é de primeiro grau e ainda cabe recurso. E o mais grave: a área contaminada ainda não foi limpa, e a legislação italiana continua branda. Só em 2026 o país deve passar a ter um limite legal nacional de PFAS na água potável — 100 ng/l para 24 tipos de substâncias, valor considerado alto por especialistas e pelo próprio Instituto Superior de Saúde italiano, que recomenda um limite de 20 ng/L.
"Queremos uma lei que proíba a produção e o uso de PFAS no país, e que as autoridades cumpram a promessa de limpar a água e o solo, e que haja um cuidado concreto com a saúde de quem foi exposto. Não podemos esperar mais", disse a italiana. "Não fizemos isso por dinheiro, nem por fama. Fizemos por dignidade, por respeito à vida dos nossos filhos. Porque sabemos o que foi tirado de nós e não vamos deixar que isso se repita."