Torre secreta, festa 'picante': 9 curiosidades da maior biblioteca de SP

Neste ano, a Biblioteca Mário de Andrade, localizada no centro de São Paulo, completa cem anos. O local tem um dos maiores acervos do país, com milhões de itens.
Apesar de muita gente passar pelo prédio sem nem saber, muitas vezes, o que é, a biblioteca oferece muito mais que um local "cheio de livros". Existem grupos de leitura, festivais de filmes, cursos de escrita e poesia. O UOL esteve no local e conta as principais curiosidades.
1. A 'torre' de livros
De fora não dá para perceber, mas dentro da biblioteca existe uma "torre de livros". No elevador reservado para quem trabalha no local, são mais de 20 andares com livros — ou outras obras que precisam de um cuidado especial. Mas não é aberto ao público.
Só para ter uma ideia, o acervo total da biblioteca é composto por aproximadamente 1,3 milhão de itens — passando de 1 milhão de livros. Com isso, é a biblioteca pública com o maior acervo da cidade e do estado de São Paulo, sendo também a segunda maior biblioteca pública do país em número de itens.
2. Acervo de obras raras tem livro 'mais antigo que o Brasil'
Para conhecer as obras raras da biblioteca, é preciso marcar um horário pelo site, telefone, e-mail ou presencialmente. Há uma série de cuidados com esses itens — são mais de 56 mil livros, quase 9.000 periódicos, publicações oficiais e almanaques, 500 mapas raros e mais de 3.000 documentos como manuscritos, álbuns de fotografias, gravuras e moedas.
Há ainda dois livros "mais antigos que o Brasil", de acordo com Joana de Andrade, chefe de Obras Raras e Especiais da biblioteca. São eles: "Suma Teológica", de Santo Antonino, de 1477. O outro é o "Crônica de Nuremberg", de 1493, escrito em latim.
A 'Suma Teológica' estava com a capa muito danificada quando chegou aqui, então tiramos a original, que não tinha mais nada, e fizemos uma capa de preservação no pergaminho, com ajuda de um profissional experiente. Joana de Andrade, bibliotecária e chefe de Obras Raras e Especiais
3. Mário de Andrade guardava primeiras edições para biblioteca
Outra curiosidade da biblioteca é que há algumas edições raras de livros de Mário de Andrade, como a primeira edição de "Macunaíma", publicado em 1928, e o "Há uma Gota de Sangue em Cada Poema" (escrito ainda sob pseudônimo de Mario Sobral, em 1917). Aliás, há dedicatórias do artista em alguns livros.
"Toda vez que Mário publicava um livro, ele pegava o número um e guardava para a biblioteca [que ainda não recebia o nome dele na época]", explica Andrade. Aliás, a biblioteca só passou a levar o nome dele em 1960, 15 anos depois da morte do escritor, aos 51 anos.
Qual a diferença entre livros raros e especiais? Quando um livro 'mais comum' tem a dedicatória de Mário de Andrade, por exemplo, ou é ilustrado por um artista famoso, é raro? Não, mas a dedicatória ou a ilustração torna este livro especial. Joana de Andrade, bibliotecária
4. Biblioteca tem livros 'queridinhos'
A coleção circulante (livros que são emprestados) tem um acervo de cerca de 50 mil livros. Lívia Domingues Silva, bibliotecária da Mário de Andrade, contou que o mais queridinho do momento, com maior fila de espera, é "Um Defeito de Cor", de Ana Maria Gonçalves. Ela comentou que a "Mitologia dos Orixás", de Reginaldo Prandi, é outro que está sempre emprestado.
Atualmente, Silva explica que os maiores frequentadores do espaço são homens jovens — as mulheres, segundo a bibliotecária, costumam pegar os livros e só voltam para devolvê-los. "Eles geralmente estão estudando ou fazendo as próprias leituras. Mas isso mudou muito depois da pandemia, as pessoas permanecem menos no espaço", diz.
5. Local é abrigo para pessoas em vulnerabilidade social
Silva cita ainda a presença de pessoas em vulnerabilidade social nos espaços da biblioteca — o que sempre existiu, mas essa população circulante aumentou pós-pandemia.
A bibliotecária reforça que esse movimento não é algo exclusivo de São Paulo, mas de outras bibliotecas pelo mundo. Silva enxerga o "fenômeno" como mais uma chance de se adaptar às mudanças frequentes.
É só pensar: qual outro outro espaço, aqui no Centro, permite que as pessoas tenham acesso ao banheiro, à água, a um lugar com sombra, tranquilo e seguro? Lívia Domingues Silva, bibliotecária
"Sabemos que à noite, na rua, eles precisam sobreviver. Então que aqui, durante o dia, eles encontrem um lugar de descanso", diz Silva. A ideia, ainda de acordo com ela, é saber o que essas pessoas desejam encontrar ali.
Ela explica que os funcionários estão em diálogos constantes sobre a relação com os seguranças patrimoniais da biblioteca. "Fizemos um treinamento e explicamos que aqui é um órgão social e, caso seja necessário abordar alguém, eles nos comunicam e nós fazemos a abordagem."
6. Artistas ensaiavam falas em estátua
Biblioteca também acumula acontecimentos históricos no local. Quem cita alguns deles é a arquivista e bibliotecária Mônica Gomes, chefe do Núcleo de Memória Institucional da Mário de Andrade.
Logo na entrada da biblioteca está a estátua "A Leitura", inspirada na deusa mitológica Minerva. Na frente da obra, diversos artistas passavam o dia ensaiando peças, segundo a arquivista. "A Fernanda Montenegro, por exemplo, ficava ali ensaiando as falas, assim como Manoel Carlos", lembra.
"Antes, aqui no Centro, ficava toda a 'elite paulista'. O Masp ficava aqui, assim como Museu da Arte Moderna, que também começou na região, e o Theatro Municipal", diz Gomes.
7. Bibliotecária encontrou documentos raros em 2019
Ao assumir o cargo em 2018, Gomes descobriu diversas caixas na sala dos arquivos e memórias da biblioteca. No ano seguinte, resolveu organizar tudo.
Um dos "tesouros" encontrados é um livro da ata de inauguração do local, de 1925, que estava totalmente danificado. Inicialmente, a ideia era que os visitantes assinassem as páginas. Mas depois, os frequentadores passaram a deixar longas mensagens.
"Tem tanta mensagem linda aqui, inclusive uma do próprio Mário de Andrade", conta. "Comecei a fazer um curso de paleografia [estudo da escrita] e a ideia é digitalizar todas essas mensagens neste ano do centenário."
Ela também encontrou mais de 2.000 fitas com shows, palestras e seminários que aconteceram na biblioteca entre 1968 a 2007. "Tem Dominguinhos, Lígia Fagundes Telles, Gilberto Gil, Marilena Chaui. Esse acervo é riquíssimo", diz.
8. Clube de leitura já uniu casais e teve visita de autores
O clube da prosa, um grupo independente, usa o espaço da biblioteca para fazer os encontros mensalmente desde 2014. O pesquisador Heitor Botan organiza, media e seleciona os livros como voluntário.
"Somos um clube independente e autônomo, então a gente tem a biblioteca como uma grande parceira da divulgação dos encontros. Eles apoiam nossa programação e buscam espaços que sejam mais confortáveis para a gente", diz Botan.
"Casais já foram formados aqui. Outra coisa legal é quando o escritor do livro aparece no clube", conta o pesquisador. Um exemplo foi quando Milton Hatoum esteve no encontro, em 2018. "Ele disse que queria ouvir primeiro o que as pessoas tinham achado [do livro]. No final, ele falou uma coisa que me marcou muito: 'Vocês leram um livro que eu não escrevi'. Isso é muito rico. Cada leitor lê um livro diferente a partir do seu ponto de vista", fala.
9. Festa 'picante' e clima de terror na madrugada
Em 2015, a biblioteca começou a funcionar 24h. Inicialmente, o objetivo era trazer mais visibilidade ao local. Na estreia, o local promoveu um evento "picante", com um sarau "poético e erótico" no terraço do prédio.
No mesmo ano, a biblioteca exibiu vários filmes inspirados em obras literárias. Para aumentar o clima de "terror" no local, alguns títulos foram exibidos de madrugada, como ocorreu com "Trem Noturno para Lisboa" (2013) e "O Iluminado" (1980).
No entanto, dois anos depois, a ideia chegou ao fim. A gestão João Doria, na época, alegou que a operação da biblioteca de madrugada custaria R$ 1,4 milhão por ano e que, com a mudança de horário, haveria uma economia de R$ 800 mil.