Trilha onde Juliana morreu tem 'guias despreparados', diz brasileira
Os guias que trabalham no Parque Nacional do Monte Rinjani, onde Juliana Marins morreu, "não estão preparados" para lidar com situações emergenciais e operam mais como ajudantes para levar barraca e alimentação, segundo relatou ao UOL a brasileira Lívia Ceroni, que já realizou o mesmo trajeto.
O que aconteceu
Maioria dos guias do parque "não tem preparo para lidar com emergências ou dar suporte real", diz Lívia, que também fez a expedição até o cume do vulcão Rinjani. Os guias "estão lá mais para carregar barraca, comida e água", diz a brasileira.
Lívia classificou o trabalho braçal feito pelos guias como desumano. "É muito puxado. Eles sobem com muita coisa nas costas, fazem um esforço que chega a ser desumano às vezes."
A brasileira conta que a trilha onde morreu Juliana é um "lugar super-remoto, sem estrutura nenhuma". "Não é um caminho fácil. Em vários trechos a subida é bem íngreme, escorregadia, e você precisa estar o tempo todo muito atento. Mesmo com cuidado, é fácil de escorregar ou cair. O local é lindo, mas exige bastante cuidado."
Lívia afirmou que a maioria das pessoas, inclusive ela, "não tem ideia da dificuldade" que é realizar essa trilha. "O trajeto em si é muito desafiador: em vários pontos é estreito, perto de barrancos, e o solo é feito de pedra vulcânica, terra solta, o que faz escorregar com facilidade. Em muitos trechos não tem onde se segurar, então é comum perder o equilíbrio".
Eu escorreguei e caí algumas vezes, voltei toda roxa, mas nada grave. É algo normal durante o caminho por causa da geografia do lugar, da altitude e da instabilidade do terreno. Então, sem dúvida, o mais difícil pra mim foi a falta de preparo físico e o trajeto em si.
Lívia Ceroni
Trilha que leva ao Monte Rinjani pode ser feita entre dois ou três dias. O local, na ilha de Lombok, tem uma altura de 3.726 metros e fica a 1.200 km de Jacarta, a capital da Indonésia.
Para fazer o trajeto é necessário "muito esforço, preparo e técnica", segundo a triatleta e maratonista Isabel Leoni. Ela também já realizou o percurso e disse que o público costuma "subestimar muito a montanha".
Isabel afirma que os guias do parque não orientam corretamente os turistas e fornecem pouca água e comida aos visitantes. "Eu era inexperiente [quando fiz a subida]. Se hoje eu fosse para lá, levaria uma garrafa de água, comida, isotônicos e remédio", afirmou, em entrevista à Agência Brasil.
A triatleta pontua que, além do trajeto perigoso, o frio rigoroso é mais um dificultador para completar a subida. "Os guias não avisam direito sobre o que vamos enfrentar. Eles vivem em situações muito precárias de trabalho. Faziam a trilha de chinelo. Não há protocolos informando quais são os equipamentos obrigatórios, como casacos e sacos de dormir [...] Eu estava com poucos casacos. Meus dedos dos pés congelavam. Eu não conseguia andar de tanto frio".
O pacote para realizar a escalada até o cume do vulcão Rinjani sai por pelo menos 2 milhões de rupias indonésias (R$ 667 na atual cotação). Juliana comprou o pacote de três dias por ser mais lento. No valor, estão incluídas alimentação e bebida.
O UOL entrou em contato com o Parque Nacional do Monte Rinjani para pedir posicionamento, mas não obteve retorno. Se a resposta for enviada, esta matéria será atualizada.
Brasileira foi achada morta após quatro dias
Informação sobre morte veio após o quarto dia de tentativa de resgate da brasileira. "Com imensa tristeza, informamos que ela não resistiu", afirmou a família. Poucas horas antes, o Ministério do Turismo daquele país afirmou que ela estava em "estado terminal", segundo avaliação das equipes de busca.
Governo brasileiro lamentou a morte e informou que corpo de Juliana foi encontrado pelas equipes de resgate. Segundo o órgão, as buscas foram dificultadas pelas "condições meteorológicas de solo e de visibilidade adversas".
Pai de Juliana estava a caminho de Bali quando corpo foi encontrado. Manoel Marins disse nas redes sociais que estava partindo de Lisboa para o país asiático por volta das 8h (horário de Brasília). Ele chegou ao aeroporto português anteontem, mas não conseguiu voar porque a bombardeios da guerra entre Israel e Irã provocaram o fechamento de aeroportos no Oriente Médio.
Parentes agradeceram pelo apoio recebido nas redes sociais. O perfil criado para compartilhar informações sobre o resgate da brasileira ganhou 1,5 milhão de seguidores em quatro dias.
Entenda o caso
A publicitária Juliana Marins, de 26 anos, tropeçou e escorregou durante a trilha na noite de sexta-feira (20). Ela rolou da montanha e foi parar cerca de 300 metros abaixo do caminho da trilha, no vulcão Rinjani, na ilha de Lombok. Com isso, ficou debilitada e não conseguia se movimentar.
Três horas depois do acidente, um grupo de espanhóis encontrou a brasileira. A irmã dela, Mariana, que vive em Niterói (RJ), disse ao UOL que as pessoas que passaram pelo local perguntaram o nome de Juliana e tentaram achar familiares e amigos dela pelas redes sociais.
Família acompanhou situação por fotos e vídeos enviados pelos espanhóis, na espera pelo resgate. Mariana diz que tudo se agravou com o aparecimento de uma neblina e umidade muito forte, que fez com que Juliana escorregasse ainda mais da pedra. A irmã chegou a dizer que seria um ''absurdo se ela morresse por falta de socorro''.
Demora no resgate ocorreu por dificuldades na trilha, diz governo local. A Barsanas (Agência Nacional de Resgate da Indonésia) afirmou que a dificuldade de acesso à trilha fez com que as pessoas que viram que Juliana tinha caído levassem oito horas até conseguir avisar as autoridades sobre o acidente. Segundo eles, desde o primeiro dia tentativas de resgate com cordas e macas foram feitas, sem sucesso.
Drone térmico localizou paradeiro da brasileira anteontem, perto de um desfiladeiro. A agência de resgate afirmou que Juliana foi vista imóvel, centenas de metros abaixo do ponto da queda original dela e à beira de um desfiladeiro de "altíssima dificuldade de acesso".