Topo

Buscada por Bolsonaro, anulação de delação é incomum e não aconteceu no STF

Jair Bolsonaro cumprimenta Mauro Cid antes de interrogatório no STF em ação sobre golpe - Ton Molina/STF
Jair Bolsonaro cumprimenta Mauro Cid antes de interrogatório no STF em ação sobre golpe Imagem: Ton Molina/STF
do UOL

Do UOL, em Brasília

23/06/2025 05h30

As defesas do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e do general Braga Netto questionam no STF (Supremo Tribunal Federal) a delação do ex-ajudante de ordens Mauro Cid. Mas, segundo o histórico de casos emblemáticos de colaborações premiadas, mesmo delatores que admitiram mentir conseguiram manter válidos seus acordos.

O que aconteceu

Acordos famosos questionados nos últimos anos foram mantidos. O próprio STF manteve as colaborações premiadas feitas em investigações que atingiram políticos de diferentes partidos. Os termos podem ter sido renegociados, mas as provas obtidas pelas delações continuam valendo e embasando as acusações.

O Supremo nunca anulou acordos homologados por um ministro da Corte. Considerando os casos que ficaram famosos, o STF nunca adotou essa medida drástica, o que representaria um reconhecimento de que houve alguma irregularidade, como as que os membros do Supremo apontam sobre os envolvidos na Operação Lava Jato.

A defesa de Bolsonaro cita supostas mensagens reveladas pela revista Veja. Advogados do ex-presidente afirmam que conversas feitas em um perfil do Instagram que seria de Cid mostrariam que ele criticou o direcionamento das investigações. Para a defesa, esses fatos apontariam a falta de "voluntariedade" na delação, ou seja, que ele não teria agido por vontade própria ao relatar os fatos envolvendo o ex-presidente. Isso seria motivo para anulação.

Advogado de um dos investigados disse que manteve conversa com Cid no Instagram. Após a revelação, Moraes mandou prender o cliente dele, o ex-ajudante de ordens Marcelo Câmara, e investigar o próprio advogado Luiz Eduardo Kuntz por tentativa de obstrução de Justiça.

Bolsonaro é acusado de ser o mentor da tentativa de golpe. Ele faria parte do "núcleo crucial" do plano golpista, orientando as ações para que culminassem na manutenção dele no poder após a derrota para Lula nas eleições de 2022. Braga Netto também faz parte desse núcleo principal, segundo a denúncia da PGR, que se baseou na delação de Cid e em provas obtidas pela Polícia Federal de forma autônoma e que corroboraram o que o tenente-coronel contou em seus depoimentos.

Casos da J&F, Hypera Pharma, Odebrecht e do ex-ministro Antônio Palocci mostram que anulação não é simples. No histórico recente, a própria PGR (Procuradoria-Geral da República) pediu a rescisão de acordos firmados com os executivos da J&F, empresa dos irmãos Batista que controla a JBS, e da Hypera Pharma, gigante do setor farmacêutico.

Os dois acordos foram repactuados, e as provas seguiram válidas. No caso da J&F, a PGR havia apontado omissões dos colaboradores, mas aceitou renegociar os termos e impor novas multas. No caso da Hypera, um dos delatores admitiu que tinha omitido informações e também se comprometeu a pagar uma multa maior depois disso.

STF fez revisão dos acordos. Como houve um pedido da PGR, o STF abriu um procedimento à parte para analisar os argumentos de cada parte. O acordo de colaboração é um contrato entre duas partes homologado pelo Judiciário, sendo então responsabilidade do STF conduzir esse procedimento de revisão. Caso cheguem a um novo acordo, podem-se manter algumas condições que já existiam antes, incluindo as provas apresentadas pelo colaborador.

Palocci foi desmentido e manteve acordo

Ex-ministro da Fazenda, Palocci fechou acordo que foi alvo de criticas da PF. A corporação apontou que o depoimento dele envolvendo Lula e o banco BTG foi desmentido por testemunhas e teria citado, basicamente, notícias já veiculadas na internet. Ainda assim, seu acordo, assim como tudo o que foi apresentado e as condições que ele teve que cumprir, segue válido até hoje.

Palocci tem apenas uma ação pendente. Ele chegou a ser alvo de seis processos decorrentes da Lava Jato. Cinco já foram encerrados sem que ele fosse condenado e apenas um, que está na Justiça Eleitoral no Distrito Federal, permanece em aberto.

Odebrecht teve provas anuladas

Dos acordos mais famosos, o da Odebrecht foi o que teve provas anuladas pelo ministro Dias Toffoli, do STF. Ele mandou anular as provas do acordo de leniência da empreiteira, fechado com a Lava Jato em 2016. Com isso, até mesmo os materiais do sistema de pagamentos de propina a políticos foram considerados nulos.

Os acordos de leniência são como os acordos de delação, só que para pessoas jurídicas. A empresa assume obrigações de entregar provas e pagar multa em troca de evitar punições mais severas.

Acordo com provas anuladas por Toffoli não foi homologado pelo STF. A leniência foi assinada por Sergio Moro, quando era juiz de primeira instância. Já as delações dos executivos da empreiteira, homologadas pelo STF, foram mantidas até hoje.

Decisão de anular atendeu a um pedido da defesa de Lula. Ela teve como base as mensagens vazadas de procuradores da Lava Jato com Moro. As conversas mostram contato de investigadores com autoridades estrangeiras fora dos canais oficiais para tratar de materiais do sistema de propinas da Odebrecht. Para Toffoli, esses fatos mostram que não houve a chamada cadeia de custódia das provas e, por isso, tudo deveria ser anulado.

Em 2024, Toffoli ainda autorizou a empresa a não pagar a multa prevista no acordo. Na decisão, o ministro entendeu que a Novonor (novo nome da empreiteira) poderia renegociar os termos do acordo.