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Relatório internacional indica rejeição ao jornalismo tradicional em tempos de guerras e populismo

17/06/2025 15h13

A edição de 2025 do relatório do Instituto Reuters sobre o consumo da informação pelo mundo, divulgado nesta terça-feira (17), aponta para a dificuldade das mídias jornalísticas de se conectarem com o público, em um momento em que influenciadores digitais ganham cada vez mais espaço e políticos populistas são favorecidos por veículos partidários. Sobre o Brasil, a renomada instituição britânica ressalta a falta de interesse pela imprensa tradicionais, com uma queda de 50% no acesso de jornais impressos desde 2013.

Realizado sob a coordenação do célebre jornalista britânico Nic Newman, a 14a edição do balanço destaca as tendências da mídia digital e do jornalismo "em um momento de profunda incerteza política e econômica", um período fortemente marcado pela crise climática e guerras ao redor do mundo. No entanto, apesar das preocupantes notícias, que deveriam mobilizar a atenção do público, o Instituto Reuters diz perceber o movimento contrário na maioria dos países analisados: boa parte das 48 nações estudadas registram uma queda no engajamento e uma baixa confiança na informação jornalística.

O especialistas do Instituto Reuters apontam para uma mudança acelerada no acesso às notícias, com uma preferência acentuada dos públicos pelas redes sociais e plataformas de vídeo, em detrimento do jornalismo institucional. Essas transformações são impulsionadas por um cenário midiático que Newman descreve como "fragmentado", tanto pela presença de "podcasters, YouTubers e TikTokers", como pela escolha de governantes de "contornar" o trabalho dos veículos tradicionais, aproximando-se de mídias que os apoiem.

O relatório destaca que essa tendência é liderada pelos Estados Unidos que, sob o atual governo do presidente Donald Trump, reforça a desconfiança na imprensa em prol de narrativas falsas. Mas o país não é o único a mergulhar neste movimento. O Instituto Reuters aponta que partes do leste europeu, da Ásia e da América Latina também compartilham o mesmo tipo de comportamento. 

É o caso da Argentina, palco de profundas mudanças no cenário midiático devido às decisões do presidente Javier Milei, afirma o relatório. O ambiente extremamente polarizado incitado pelo líder de extrema direita resultou na "pressão sobre a liberdade de imprensa (...) levando as audiências a buscarem fontes não tradicionais, como vídeos ao vivo na internet", avaliam os professores e pesquisadores Eugenia Mitchelstein e Pablo J. Boczkowski.

Interesse do Brasil por áudio e vídeo

A análise do cenário midiático brasileiro é feita pelo jornalista Rodrigo Carro, que destaca o interesse cada vez maior do público por conteúdos de áudio e vídeo por meio de serviços de streaming, em um momento em que a Inteligência Artificial começa a ser incorporada às atividades dos grandes veículos. Entre as principais mudanças observadas pelo especialista está a rápida tradução de textos de agências internacionais, a transformação de conteúdos escritos em vídeos e a síntese de grandes volumes de dados não estruturados.

Mas enquanto o interesse pela imprensa escrita continua em queda livre, o Brasil está imerso nas redes sociais, a ponto de não conseguir mais identificar mais a veracidade das notícias. Rodrigo Carro destaca a grande repercussão de um vídeo de autoria do deputado Nikolas Ferreira no início deste ano, afirmando que o governo Lula planejava taxar transferências realizadas via Pix. A gravação com a falsa informação chegou a atingir 300 milhões de visualizações nas redes sociais e levou as autoridades a cancelarem medidas para combater a evasão fiscal no Brasil. 

O especialista ainda salienta que, surpreendentemente, a cobertura das investigações sobre uma suposta tentativa de golpe de Estado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro e aliados perdeu espaço para as tarifas comerciais impostas por Donald Trump ao Brasil e outros países. Já o embate entre o ministro Alexandre de Moraes e o bilionário Elon Musk foi um dos assuntos mais acompanhados no ano passado no país.

Carro ainda observa que outra tendência das mídias digitais e jornalísticas brasileiras é o videocast, uma evolução do sucesso dos podcasts, principalmente explorada por dois grandes jornais do país atualmente, a Folha de S. Paulo e o Estadão

Dificuldade de distinguir fake news

A dificuldade de distinguir falsas informações entre o grande fluxo de notícias veiculado a cada dia é um problema até mesmo para o público dos países onde a confiança no trabalho jornalístico ainda é expressiva, como Alemanha, Dinamarca e Holanda. O Instituto Reuters destaca que mais da metade das pessoas ouvidas na vasta pesquisa afirma estar preocupada com o que é real e falso quando se trata de informações acessadas na internet

Pela primeira vez desde que o balanço começou a ser realizado, em 2012, foi perguntado aos entrevistados de 48 países o que costumam fazer quando decidem checar alguma informação: "13% afirmou não saber como proceder". Por outro lado, a grande maioria dos participantes identificou pelo menos uma forma de verificação, exaltando confiança em sites governamentais e mecanismos de busca. 

As notícias jornalísticas de veículos "críveis" são a opção mais citada por 38% dos entrevistados - um hábito saudado pelo professor de comunicação política Rasmus Kleis Nielsen, da Universidade de Copenhague, em sua análise para o Instituto Reuters. No entanto, ele lembra que "62% não considera a imprensa como a primeira opção para checar informações".

Outro dado importante do relatório é que, em geral, o público nos países analisados continua cético em relação ao uso de Inteligência Artificial como meio de produção de notícias. Para Nic Newman não há dúvidas de que, até o momento as audiências se sentem "mais confortáveis" com o envolvimento humano no processo de fabricação de conteúdos.