'Por que cidadão suspeito fica preso e PM não?', questiona pai de Herus

A família de Herus Guimarães Mendes da Conceição, 24 anos, morto a tiros durante ação do Bope (Batalhão de Operações Especiais) em meio a uma festa junina no Morro Santo Amaro, zona sul do Rio questionou, em entrevista ao UOL, o tratamento dado aos policiais suspeitos da morte do entregador. O caso é investigado pela Polícia Civil, Corregedoria da PM e MP (Ministério Público).
Acolhimento no MP, silêncio do governo
Fernando, o pai de Herus, afirmou que a família teve acolhimento no Ministério Público. "Não somos o tipo de pessoa que vai ficar glorificando, mas o MP está dando um suporte pra gente gigantesco. Fomos ouvidos, tivemos psicólogo, hoje nos perguntaram o que podiam fazer, porque a minha esposa tem um problema cardíaco muito sério. O coração dela só bate com 50% da capacidade do batimento normal. Não sei como essa mulher tá em pé, aqui do meu lado", disse em entrevista exclusiva ao UOL.
Mãe toma regularmente seis remédios caros para problema cardíaco. Somente dois dos seis remédios que Mônica precisa tomar, têm custo em torno de R$ 550. Segundo Fernando, o MP se mobilizou para tentar ajudá-la a ter um melhor acompanhamento, sem restrições. Para além da morte do filho, Fernando temeu perder, também, a mulher: "foram duas situações horríveis em pouco tempo: a informação da morte e, logo depois, ter que deixar o filho no cemitério."
Já por parte das polícias e do governo do Rio de Janeiro, a família não recebeu nenhum contato: "só as notinhas que saem mesmo, que dizem que afastaram as pessoas. Do governo do Rio de Janeiro: nada, ninguém nos procurou. Nada. Zero notícia."
Quando um cidadão comete um crime, aguarda o julgamento e todo o processo preso. A gente não consegue entender por que esses policiais têm que aguardar tudo isso só afastados. A gente não acha justo.
Fernando Guimarães
"O que aconteceu durante uma festa junina não existe. Não tinha por que fazer uma operação e entrar atirando", disse o pai de Herus. "Nós estávamos na festa. Meu filho dança nessa quadrilha desde criança, só não dançou nos últimos dois anos por causa do Théo, porque as roupas eram caras. Como ele não conseguia dançar, ele estava apoiando por trás da quadrilha", complementou.
Versões policiais inconsistentes
As três versões policiais apresentadas por policiais militares já caíram por terra. O primeiro motivo alegado foi que entraram na favela para retirada de barricadas. Mas o morro Santo Amaro não tem barricada. A segunda versão foi que o Bope uma denúncia de que uma facção rival tentaria uma invasão. Investigações revelaram que o argumento era frágil. A terceira versão: que o batalhão estava atrás do traficante Luiz Carlos Bandeira Rodrigues, conhecido como Zeus, que é foragido de Rondônia. Depois, foi identificado que ele não estava no local.
Foi informado à família que apenas um policial teria declarado ter disparado na ação. "Não foi só um. Todos eles, os policiais, tinham que ter palavra. Ser homem é admitir que errou e pedir desculpas. Se todos eles viessem a público e pedissem desculpas, 'erro nosso, falhamos', olha, te confesso que receberíamos isso e ficaríamos mais confortados. Mas não iríamos desistir que eles paguem pelos erros", afirmou o pai de Herus.
Hoje, os PMs podem estar passeando com os filhos deles. E quando vier o Théo no fim de semana e perguntar pelo pai? O que vamos fazer? Ainda não vimos ele. Não sei como vai ser. Não estamos preparados para isso.
Fernando Guimarães
Amor por futebol continua na família
Amor de Herus pelo futebol e pelo Flamengo foi repassado para o filho. Os pais disseram à reportagem que o filho tinha o sonho de ser jogador de futebol do Flamengo, mas não teve oportunidades para mostrar seu talento com a bola. Esse desejo foi repassado a Théo, que nos últimos meses emocionava Herus por ter aprendido a falar "Mengo" sempre que escutava "gol". Herus morreu sem conseguir realizar o sonho de levar o filho a um jogo do Flamengo pela primeira vez.
Ele sempre quis ser jogador de futebol, só que tudo foi sempre muito difícil: aluguel, gastos, a gente não tinha condições e não tinha projetos aqui no Santo Amaro. Agora, ele estava vendo tudo isso pro Théo, tanto futebol como jiu-jtsu. Mas não deu tempo.
Mônica Guimarães Mendes
"Toda a boa criação que ele teve estava passando para o Théo", disse a mãe de Herus. Mônica relembrou que criar um filho em favela é um trabalho árduo: "A vida fácil está a todo momento na sua porta, se apresentando. E você manter seu filho para ser um cidadão de bem e fazer tudo direitinho foi difícil. Quando a gente consegue é muito gratificante. Então, era o melhor momento da nossa vida, era quando a gente estava mais feliz."
Pais não conseguiram tocar nos itens de Herus até agora. Quando chegava em casa depois do trabalho, o office-boy tinha o costume de tomar banho, conversar com os amigos na rua e, logo em seguida, ficar no quarto jogando videogame. "A gente ainda não conseguiu entrar no quarto, pegar as coisas dele, tocar as coisas dele, a gente tem que se preparar pra isso ainda. A presença dele dentro de casa é muito grande, porque ele era extremamente caseiro", disse a mãe.
"O Herus era amor. Era o significado do nome dele: Deus do Amor. Era mesmo o amor", afirmou Mônica. No morro Santo Amaro, ele era conhecido por ser bem-educado, carinhoso e carismático. Costumava cumprimentar e falar com todas as pessoas que o conheciam desde a infância. "Estava na melhor fase da vida dele: entrou na empresa do pai dele para trabalhar, vinha trabalho em lojas de entrega de Ifood, de hamburgueria, de segunda a segunda. Dentro da empresa, tinha chance de crescer, estava fazendo cursos para entrar para uma parte mais interna, estava feliz", relembrou a mãe.
Investigações
A PM informou que colabora "integralmente com o trabalho de investigação". Mas não com a transparência à imprensa. A reportagem pediu à corporação os nomes, graus hierárquicos e número do inquérito, mas recebeu como resposta "negativo". Os comandantes do Bope, coronel Aristheu de Góes Lopes, e do COE (Comando de Operações Especiais), coronel André Luiz de Souza Batista, foram exonerados. Outros 12 policiais que participaram da ação foram afastados do trabalho operacional.
Além de Herus, outras cinco pessoas foram baleadas na ação do Bope. Segundo a Polícia Civil, nenhuma delas tinha envolvimento com tráfico de drogas ou crime organizado. As armas dos PMs foram apreendidas para perícia. O local dos fatos também foi periciado. Além disso, o MP iniciou uma perícia independente no corpo de Herus. Os PMs cederam depoimentos à Delegacia de Homicídios.