Ela buscou filho desaparecido por um ano: 'Foi enterrado e não me avisaram'

Antônia Andreza Menezes, 49, passou mais de um ano sem saber onde estava o filho Felipe Menezes, 22. A agricultora de Pacajus (CE) ia diariamente a delegacias, hospitais e IMLs à procura do jovem, mas sempre sem sucesso.
Foi só em outubro de 2023 que ela soube que o primogênito estava morto e tinha sido enterrado, sem identificação, em um cemitério de Fortaleza. "Foi um processo muito doloroso", diz ela sobre a saga até ter respostas.
Ao UOL, a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Estado do Ceará disse que tentou contato com a família, mas não teve retorno. Veja o relato de Antônia abaixo.
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'Filho estava morto e enterrado'
"No dia 4 de agosto de 2022, a esposa do meu filho me procurou para falar que não sabia onde o Felipe estava. Eu moro em Pacajus e eles viviam em Chorozinho, cidade próxima à minha.
Fui até lá e minha busca começou. Fizemos o boletim de ocorrência na delegacia de Chorozinho, fui a diversos hospitais, delegacias, IMLs da região e dos arredores, mas ninguém nunca tinha informações para dar.
Fiz o exame que deixaria o meu DNA cadastrado no banco de dados dos IMLs. Caso aparecesse algum cadáver compatível com as amostras, o sistema entraria em contato com a família para o corpo ser reconhecido.
Só em outubro de 2023, mais de um ano de procura, é que soube pela Defensoria Pública que o corpo do meu filho tinha sido encontrado e enterrado em Fortaleza. A defensora perguntou se ninguém tinha falado comigo antes.
Antônia Andreza Menezes
A defensora queria saber isso porque, nos documentos enviados pela polícia, durante a investigação do caso, havia a informação de que o corpo do meu filho tinha sido identificado, a partir da coleta do meu DNA. Mas eu não fui avisada: nem pelo IML e nem pela polícia.
Isso foi em abril, mas só em outubro descobri tudo isso, depois que a Defensoria me informou. Eles tinham todos os meus contatos, telefone, email e endereço. Mesmo assim, ele foi enterrado em uma cova social e sem identificação.
Antônia Andreza Menezes
Passei um ano indo a esses lugares. Sempre que chegava um cadáver, pedia para tentar identificá-lo. Mas nunca me davam informações. Foi muita negligência do IML e das delegacias. Depois, eles ficaram jogando a culpa um para o outro.
A única coisa que fui informada pela polícia é que ele foi morto com um tiro na nuca, mas as motivações ainda estão em investigação.
'Consegui uma resposta'
Sempre dizia que tinha esperanças de encontrá-lo vivo, mas, no meu coração de mãe, sentia que ele não estava mais entre nós. Mesmo assim, queria apenas encontrar o corpo. Pelo menos consegui ter uma resposta para acalmar meu coração.
Depois que conseguimos identificar o corpo de Felipe, entrei na Justiça para o processo de exumação [a retirada dos restos mortais da sepultura]. E só depois de dois meses é que tivemos autorização para isso.
Foi um processo muito doloroso. Retiraram os restos dele em uma caixa preta. Não quis fazer nenhuma cerimônia porque já estava doloroso demais. Consegui enterrá-lo em um cemitério na minha cidade, em Pacajus.
Antônia Andreza Menezes
Perdi minha mãe e minha irmã durante esse tempo. Foi tudo muito pesado, mas perder meu filho, o primeiro deles, foi o pior de todos. Ele era um menino muito bom, todo mundo gostava dele.
Ainda faço acompanhamento psicológico oferecido pela Defensoria, eles sempre me ajudaram muito."
'Ausência de políticas públicas'
A falta de políticas públicas padronizadas dificulta a resolução de casos como o de Andreza. É o que afirma Mariana Lobo, defensora pública do Ceará e supervisora do Núcleo de Direitos Humanos e Ações Coletivas, que acompanhou o caso de Andreza. Para ela, é necessária a criação de um procedimento uniforme envolvendo o sepultamento de corpos não identificados no país.
Temos uma legislação relacionada à coleta de exames para o banco de danos de DNA. Mas observamos que é uma legislação pouco utilizada. Os órgãos não estão equipados para coletar o DNA ou, então, para processarem esse DNA no banco de dados.
Mariana Lobo, defensora pública
O que pode acontecer, na prática, é o registro dos dados, mas sem o cruzamento. Assim como ocorreu com Andreza, Lobo diz que o IML de cada estado funciona de uma maneira diferente, o que dificulta o processo de busca por corpos.
Aqui no Ceará, existem vários cemitérios que não são operados pelo poder público, o que é mais um desafio. É uma completa ausência de priorização de uma política para a identificação desses corpos. Seria bom se tivéssemos um banco integrado nacional, por exemplo, que mostrasse a entrada da pessoa em hospitais do SUS. Mas, aqui, temos de ir em cada instituição de saúde para descobrir algo. Mariana Lobo, defensora pública
O corpo de Felipe só foi localizado após pedido da defensora. Lobo conta que a situação toda foi descoberta porque ela pediu uma cópia do inquérito policial, que é o primeiro passo em casos assim. Nos papéis, havia a informação de que o corpo de Felipe tinha sido encontrado em um IML de Fortaleza, mas sem nenhum aviso feito para a família.
Com isso, temos de entrar com uma ação judicial de exumação e inumação [enterrar um corpo] porque a família tem direito a fazer um enterro. Depois, também entramos com uma ação de reparação de danos.
Mariana Lobo, defensora pública
Lobo conta que está com outros cinco casos ativos com este mesmo perfil. "São pessoas que descobriram que seus familiares estão enterrados e sepultados, e elas achavam que esses entes estavam desaparecidos", afirma.
O primeiro passo, em situações de desaparecimento de um familiar, é registrar o caso por meio de um boletim de ocorrência na delegacia. Algumas cidades têm delegacias especializadas em desaparecimento. Por fim, procurar a defensoria pública ou Ministério Público para receber a assistência necessária.
Um dos direitos básicos da família é o de saber [o que aconteceu com a pessoa] e, além disso, o direito de que aquele desaparecimento seja investigado, não importa quais sejam as circunstâncias.
Mariana Lobo, defensora pública
Ao UOL, a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Estado do Ceará disse que a Pefoce (Perícia Forense do Estado do Ceará) fez tentativas de contato com os familiares, sem êxito, inicialmente —o que não é confirmado pela mãe de Felipe. Em relação à morte do jovem, a Polícia Civil do Estado do Ceará afirmou que a investigação segue em andamento.
A Pefoce reforça que todos os sepultamentos sociais realizados pela instituição são executados em conformidade com as normas legais aplicáveis a corpos não reclamados, com identificação por nome (quando possível), numeração de controle e indicativo de sexo. Outros meios de identificação, como impressões digitais e material genético, também são registradas pela Pefoce. Nos jazigos, a administração do cemitério mantém apenas a numeração de controle para permitir a identificação posterior, caso haja busca por parte da família do falecido. As ações são conduzidas em estrita observância, também, ao princípio da Dignidade da Pessoa Humana (...).
Em 2024, com a presença de familiares, foi realizado o procedimento de exumação do corpo de acordo com as diretrizes normativas pertinentes. A Pefoce ofereceu todo o suporte necessário, cumprindo integralmente os métodos e procedimentos legais inerentes ao caso.
Trechos de nota da SSPDS/CE